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Descubra a América Latina

Mais da metade dos adultos da América Latina têm conta em pelo menos uma rede social online. Whatsapp é a preferida.

Mas isso não é necessariamente bom para a democracia.

Há mais de uma década, quando começava a etapa da pós-web (quando os usuários começam a substituir a comunicação digital via webpages tradicionais pelas páginas pessoais em redes sociais online) duas expectativas predominavam entre os teóricos da comunicação no início do século XXI.

A primeira, que em pouco tempo as barreiras geracionais, culturais e econômicas que separavam os usuários dos não usuários de mídias digitais seriam rapidamente transpostas. A segunda, que a pós-web seria o passo definitivo para a participação mais intensa, contínua e racional do cidadão comum, usuário de dispositivos digitais, no debate público e nas decisões políticas. Após uma década de experiência em redes sociais online é possível dizer que na primeira eles acertaram; já na segunda, não.

A organização Latinobarómetro produz pesquisas de opinião em países da América Latina desde 1995, o que permite comparações entre países e ao longo do tempo. No relatório de 2018, publicado no final do mês de fevereiro de 2019, consta uma bateria de perguntas sobre o uso de redes sociais online nos países latino-americanos.

O relatório compara os percentuais de uso de redes sociais em 2010 e em 2018 por país do continente e as diferenças são significativas para a maioria deles. Na média dos países da América Latina, em 2010, apenas um em cada cinco adultos dizia usar pelo menos uma rede social online (18%), enquanto que em 2018 mais da metade, em média, dizem usar pelo menos uma delas (60%). A barreira econômica parece não existir mais, com a difusão de smartphones populares. Países com renda abaixo da média do continente, como República Dominicana e Venezuela, apresentavam 70% de adultos em redes sociais no ano passado.

As redes sociais mais populares na América Latina

Em 2018 a rede social mais usada na América Latina foi o Whatsapp, ultrapassando o Facebook. Mas o crescimento do Facebook, anterior ao Whatsapp, entre 2010 e 2018 nos países latino-americanos impressiona (gráfico 1). Em 2010, o país com maior percentual de usuários do Facebook era o Chile, com 40%. E o menor era o Brasil, com apenas 4%. Em 2018 o maior percentual passou a ser a Costa Rica, com quase 80% de usuários e o menor é a Nicarágua, com 38%. Ou seja, em 2018 o país com o menor percentual tem pouco menos que o país que em 2010 tinha o maior percentual. E o Brasil saiu da última posição em 2010 para uma posição intermediária em 2018, ou seja, crescemos mais que a média, mas ainda não estamos entre os países com maior percentual de pessoas no Facebook na América Latina.

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Gráfico 1 – Comparação de usuários de Facebook em 2010 e 2018 por país da América Latina

A partir dos dados do mesmo relatório da pesquisa Latinobarómetro é possível comparar a presença de diferentes redes sociais por país do continente em 2018. O gráfico 2 a seguir mostra o percentual de respostas positivas por país para cada RSO. Foram incluídas as cinco principais (Whatsapp, Facebook, Youtube, Instagram e Twitter). O sexto gráfico mostra os percentuais de pessoas que responderam não usar nenhuma rede social por país. Vale lembrar que as informações foram extraídas de pesquisas de opinião com amostras representativas das populações de adultos por país, portanto, apresentam erro amostral. As barras estão organizadas em ordem decrescente por rede social, então a ordem dos países não é a mesma em todos os gráficos. Por ser uma pesquisa amostral, cada país tem uma barra de erro para indicar a margem de erro da pesquisa. Há uma linha que indica a média para todos os países da América Latina, por rede social. Por fim, os pontos vermelhos e as barras de erro deles mostram o percentual médio das cinco redes sociais por país. Assim, é possível comparar a média do país com a posição de cada rede. Se o ponto vermelho estiver acima da barra, significa que aquela rede tem menor participação no engajamento geral do país. Ao contrário, se a barra estiver acima do ponto vermelho, significa que aquela rede social fica acima da média de participação do país.

Whatsapp e Facebook foram as duas preferidas da população latinoamericana em 2018. Mas, se considerarmos a margem de erro amostral, as médias do continente de 64% de usuários para Whatsapp e 63% para Facebook encontram-se dentro do erro aceitável. Então, a leitura correta é: os percentuais médios estão empatados, dentro da margem de erro. Ou seja, em geral, quase 2/3 dos latinoamericanos tinham pelo menos uma conta no Whatsapp e/ou Facebook em 2018. Se for mantido o ritmo de crescimento das duas redes, é possível que nos próximos anos o Whatsapp já esteja acima do Facebook e fora da margem de erro em percentual de usuários na América Latina. Em terceiro lugar, com quase metade do percentual das duas anteriores, vem o Youtube, com 36% de média no continente. Seguido do Instagram, com 23% de usuários. Em quinto lugar, o twitter, com uma média de 12% de usuários.

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Gráfico 2 – Percentual de usuários por rede social e país em 2018 na América Latina

É possível identificar três grupos de países nas imagens do Gráfico 2. O primeiro é formado por aqueles que ficam entre os maiores percentuais para todas as redes. Destacam-se aqui Costa Rica e República Dominicana. Um segundo grupo é caracterizado por países que apresentam alto percentual em apenas uma ou duas redes sociais, mostrando certa preferência por uma delas. É o caso de Chile com Whatsapp; Venezuela, com Facebook e Twitter; Uruguai com Youtube e Panamá, com Instagram. O terceiro grupo é dos países que ficam em posições intermediárias para todas as redes (Brasil, El Salvador, México e Colômbia) ou entre os que apresentam menor percentual de usuários das redes sociais (Nicarágua e Guatemala).

A sexta imagem no gráfico 2 mostra os percentuais dos que dizem não usar nenhuma rede social, por país. A média de não usuários ficou em 28% da população adulta do continente em 2018. Os países que se destacam são a Nicarágua, acima de 50% de não usuários, Guatemala e Paraguai, acima de 40% de não usuários.

No Brasil, de acordo com a pesquisa do Latinobarómetro, temos 27% da população adulta que não usa nenhuma rede social. Isso representa cerca de uma em cada quatro pessoas. Para quem vive em áreas metropolitanas, pode parecer estranho. Mas quando se considera a média nacional, até parece estar subestimado esse percentual. O fato é que o Brasil não é usuário tão intensivo destas plataformas quando comparado aos vizinhos. Entre os usuários, a rede mais citada no Brasil é o Whatsapp, com 66%, seguida de Facebook, com 59%. Depois vem Youtube, com 37%, Instagram com 27% de citações e Twitter, com 6% de citações.

No Brasil, a diferença entre Whatsapp e Facebook é maior que a média do continente. Aqui, não podemos dizer que elas estão tecnicamente empatadas. Tínhamos mais usuários de Whatsapp que Facebook em 2018 entre os brasileiros.

As redes sociais nos debates políticos: heroínas ou vilãs?

Se por um lado os dados ao longo do tempo são inquestionáveis sobre a quebra de barreiras geracionais, culturais e econômicas para integração massiva da população às redes sociais, por outro, o efeito que isso tem gerado no debate público não é o esperado pelos especialistas no início do século.

Ao invés de se integrarem, de terem acesso a mais informação e de melhorar as condições para participação consciente no debate de temas de interesse público, cada vez mais as pessoas se apresentam divididas em grupos de pensamento homogêneo, com crescente polarização e abrindo mão de fatos para defenderem ideias baseadas em argumentos sem relação com a realidade.

É a era das Fake News.

O problema é tão sério que o Instituto Aspen e a comissão Knight, dos Estados Unidos, acabam de publicar um relatório chamando atenção para as consequências que as interações por via redes sociais têm na democracia norte-americana. E elas não são nada positivas. O título do relatório é: “Crise na democracia: renovando a confiança na América”.

Neste material os autores apontam como efeitos das interações digitais uma polarização política como nunca antes havia ocorrido no país, a substituição de fatos por crenças propagadas à exaustão em grupos de mensagens diretas ou páginas pessoais em redes sociais, uma tendência à manutenção dos indivíduos presos a uma “câmara de eco”, com acesso apenas a conteúdos que reforçam posições anteriores e não favorecem a abertura para o debate.

Isso termina por promover uma ruptura do modelo tradicional de debate sobre temas de interesse público que tem levado parte da população à radicalização e outra parte à apatia. Considerando as ocorrências nos últimos anos em relação à democracia em países da América Latina, é possível assumir que as conclusões a que chegam os autores para os Estados Unidos também podem se aplicar, mesmo que parcialmente, para a realidade da América Latina.

Ou seja, na América Latina, o crescimento econômico da última década permitiu, entre outras coisas, que a maior parte da população tivesse acesso a dispositivos eletrônicos para integrar as redes sociais. As pessoas se aproximaram entre si, mas não necessariamente buscaram informações para confrontar com suas crenças prévias. O acesso às redes sociais não é suficiente para educar o usuário sobre como dispor dos dispositivos com responsabilidade pública e não prejudicar a democracia. A educação para uso destas plataformas não é automática. Ao que tudo indica, ela requer mais tempo do que foi necessário para superar as barreiras econômicas.