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Política externa na América Latina já dá sinais de ruptura de velhos modelos

Com novos governos instituídos (e outros novos a serem decididos no final do ano), a América Latina vive, de modo geral, um momento de ruptura de antigas relações exteriores. Entre o velho e o novo, confira um apanhado sobre a política externa do Brasil e alguns de nossos vizinhos.

A vitória de Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições presidenciais e a ascensão do diplomata Ernesto Araújo ao Itamaraty renovaram o debate sobre política externa. Uma das principais mudanças nas diretrizes da relação brasileira com outros países é a prioridade dada a governos liberais e a consequente perda de espaço das ditaduras de esquerda – nenhuma novidade para quem acompanhou minimamente a campanha de Bolsonaro.

Nesse contexto, Estados Unidos e Israel se aproximam, Europa e Ásia perdem a prioridade (embora não a importância) e países alinhados à direita devem ser os mais cortejados. Em se tratando de América Latina, a ala formada por líderes à esquerda como Evo Morales (presidente da Bolívia) e Nicolás Maduro (presidente da Venezuela) dá lugar à aliança com os direitistas Sebastián Piñera (presidente do Chile) e Iván Duque (presidente da Colômbia). Em crise, a Argentina, principal aliada no continente e também governada por um liberal, Mauricio Macri, parece ser alvo de um abrandamento das relações, algo que só o tempo vai confirmar.

Esse é um dos temas mais caros à economia, uma vez que as relações exteriores entre esses países e também com o resto do mundo se dão em função de orientações ideológicas e da natureza da gestão de cada líder político. Bolsonaro, por exemplo, nunca escondeu sua predileção pelo Chile – o país escolhido para a primeira visita oficial do novo presidente.

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O rompimento com ditaduras alinhadas à esquerda é endossado por fatos como o fim da parceria com médicos cubanos através do programa Mais Médicos, a ausência dos chefes de estado de Cuba, Venezuela e Nicarágua no evento de posse de Jair Bolsonaro e a afirmação do presidente de que a saída de Nicolás Maduro seria o melhor caminho para o povo venezuelano. Tudo isso fornece um claro panorama do que esperar do relacionamento do Brasil com esses países e outros de comando similar.

O site norte-americano The Balance, voltado a temas relacionados a economia e finanças pessoais, recentemente publicou um artigo reconhecendo um futuro mais conservador para o Brasil. “Bolsonaro se comprometeu a abrir a economia baixando as tarifas e assinando novos acordos bilaterais de comércio. Como resultado de seu papel de liderança, o Brasil se reúne regularmente em sessões de trabalho com os Estados Unidos sobre questões comerciais e outras. Continua a influenciar o resto da América do Sul para ser mais pró-EUA, em oposição ao sentimento anti-EUA da Venezuela e da Bolívia”, diz o artigo.

Com países como Brasil, Chile e Argentina se unindo para manter as negociações do Mercosul, a Venezuela fica isolada politicamente na América Latina. O professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Menezes, especialista em América Latina, recentemente concedeu entrevista ao Jornal da USP sobre o assunto. Segundo ele, a região tem uma característica de relações internacionais caracterizada por movimentos sincrônicos de regimes governamentais no poder, ora de caráter ideológico, ora de caráter militar, ora de outras vertentes. Ainda de acordo com ele, foram os movimentos de esquerda que governaram os estados e criaram um modelo de relações internacionais que pautavam as decisões até então. Contudo, nesse momento, parece existir um rompimento nesse processo e uma fragmentação para uma nova realidade de oposição a tudo aquilo que existia.

É bem verdade que, para alguns países-chave, só o tempo vai determinar se a América Latina seguirá por novos ou velhos caminhos. Isso porque só no último trimestre, em outubro, conheceremos três governos da vizinhança brasileira: Uruguai, Argentina e Bolívia. Sobre esse último, o povo escolherá se quer mais alguns anos de Evo Morales, o atual presidente, que acaba de vencer as prévias dentro de seu partido – o Movimento para o Socialismo (MAS).

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Tanto Bolívia quanto Equador, governado pelo presidente Lenín Moreno, sucessor de Rafael Correa, são reconhecidos por sua política externa pautada pela diversificação de parcerias, assim como pelo tom anti-EUA. André Luiz Coelho Farias de Souza, Ana Carolina Teixeira Delgado e Vinicius Santos prepararam um estudo em 2017, apresentado no IV Congresso Latino-americano de Ciência Política, organizado pela Associação Latino-americana de Ciência Política (ALACIP), no qual traçavam um paralelo entre a política externa praticada pela Bolívia e pelo Equador, considerando a interação entre fatores domésticos e internacionais em ambos os países.

Os autores sugerem uma hipótese de reorientação da política externa a partir da ascensão de presidentes de centro-esquerda (Rafael Correa e Evo Morales), que foram bem-sucedidos em formar partidos ou coalizões que se tornaram hegemônicas, proporcionando a diversificação de parcerias comerciais e o advento do tom antiamericanista no campo da política externa. Ainda segundo eles, chama a atenção em ambos os países os eventos de instabilidade política e as sucessivas crises econômicas, principalmente nos anos 1990 e início de 2000. Nesse mesmo período, tanto Bolívia como principalmente o Equador passaram por traumáticas quedas presidenciais, interferindo em grande parte nos rumos da política externa.

Entretanto, apesar de algumas idas e vindas, eles comentam que os Estados Unidos se mantiveram como o principal parceiro no campo da política externa de ambos os países nos períodos em que a centro-direita esteve no poder. Contudo, com a chegada da chamada “maré rosa” na América Latina e especialmente na Bolívia com Evo Morales e no Equador com Rafael Correa, o cenário se modificou. Os dois países buscaram ampliar o número de parceiros comerciais e ensejaram a promoção da integração sul-sul, bem como com o distanciamento gradual da influência dos EUA.

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Sobre o Peru, enfim, comandado pelo presidente Martín Vizcarra, há um certo consenso de que, por enquanto, não houve notável diferença na comparação com a política externa praticada por seu antecessor, Pedro Pablo Kuczynski, que deixou o posto em março do ano passado. Por lá, as relações internacionais são caracterizadas por uma defesa do sistema multilateral, críticas ao protecionismo comercial de Donald Trump e uma ativa oposição ao regime chavista da Venezuela.


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