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Despacho postal: o que mudou no mercado brasileiro depois da taxa?

O LABS analisa o impacto do despacho postal seis meses depois de sua implementação. Contrariando as expectativas mais negativas, a taxa não fez os brasileiros deixarem de comprar de outros países: eles só estão planejando mais.

Quando os Correios anunciaram, em agosto de 2018, a implementação da cobrança do despacho postal para todas as mercadorias internacionais que chegassem ao Brasil, as expectativas negativas se multiplicaram. 6 meses após a implementação da taxa, no entanto, o resultado na prática é capaz de surpreender e passa longe dos cenários mais pessimistas.

Antes do comunicado, a taxa de R$ 15 era exigida somente dos compradores de mercadorias tributadas pela Receita Federal ao chegarem ao Brasil. A ampliação da cobrança para todos os produtos estrangeiros foi recebida com muita desconfiança por consumidores e empresas.

Alguns e-commerces viram no despacho postal um obstáculo para suas empresas prosperarem no Brasil, o mercado mais expressivo da América Latina. Já para os brasileiros, o temor antecipado foi de que o valor final das compras internacionais deixasse de ser tão vantajoso como era antes da taxa. Naquele momento, parecia não haver espaço para uma conclusão que não fosse drástica, mas o futuro ainda reservava reviravoltas que nenhum dos lados poderia prever.

Cerca de seis meses depois da implementação do despacho postal, é possível realizar um diagnóstico mais preciso. Em que aspectos a cobrança da taxa mudou o perfil de compra dos brasileiros? Qual deve ser a estratégia dos e-commerces nesse cenário?

O LABS responde.

Despacho postal: o que é e quais mudanças provocou?

Ao contrário do que muitos pensam, o despacho postal não é um imposto e não está relacionado ao frete do produto. Trata-se, na verdade, da cobrança de uma taxa de R$ 15 para, de acordo com os Correios, custear o suporte ao tratamento aduaneiro em geral.

A arrecadação é destinada à manutenção de atividades como a inspeção por raio X, a solução de problemas relacionados a produtos proibidos, perigosos ou que necessitam de cuidados especiais e outros serviços.

Desde agosto de 2018, a taxa incide sobre as encomendas internacionais que chegam ao território brasileiro. Os Correios justificam a cobrança pela necessidade de manter a qualidade dos serviços depois do aumento expressivo no número de mercadorias estrangeiras no país. De acordo com a empresa, a quantidade de encomendas varia entre 100 mil e 300 mil por dia.

O despacho postal já passou a fazer parte da realidade de quem compra e de quem vende online. Quando a mercadoria chega ao Brasil, o comprador é notificado sobre a necessidade de pagamento da taxa para que o envio da encomenda seja concluído e possui um prazo de 30 dias para realizar este pagamento. Caso contrário, o produto é enviado novamente ao país de origem.

Existem vários tipos e categorias de envio, que variam de acordo com o país de origem e com a preferência do consumidor. Para produtos vindos da China, é possível escolher entre as modalidades ePacket, China Post, Singapore Post, Hong Kong Post e outros. As encomendas vindas dos Estados Unidos, por sua vez, podem ser entregues via USPS Priority Mail e EMS Express, por exemplo.

Ainda que não exista um levantamento sistematizado sobre a cobrança da taxa em cada tipo de envio, relatos de consumidores e marcas apontam que a experiência em relação ao despacho postal pode variar consideravelmente de acordo com a categoria do pacote.

De toda forma, os seis meses da vigência da cobrança do despacho postal oferecem mais segurança para se responder algumas questões. Como o consumidor brasileiro reagiu a essa mudança? Ele simplesmente deixou de comprar online?

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Juliana Cleto, 27 anos, brasileira e consumidora de sites internacionais. Foto: Vinícius Torresan

Se você suspeita que a resposta da última pergunta é “não”, você está certo. A servidora pública Juliana Cleto, de 27 anos, ilustra bem o perfil dos consumidores brasileiros depois da cobrança do despacho postal. Antes da taxa, ela dava prioridade às mercadorias menores e de valores baixos.

“Antigamente eu comprava bastante. Duas vezes por mês, no mínimo, eu efetuava as compras. Eu fazia compras das mais variadas, desde itens de decoração para casa até utensílios para bicicleta, por exemplo”, diz.

Juliana ressalta que, mesmo após a implementação da taxa, ela e o marido continuam comprando mercadorias internacionais. “Depois do despacho postal, eu só comprei objetos com um valor maior. Mercadorias abaixo de R$100 ou R$ 50 eu achei que não valia mais a pena”, ressalta.

Apesar da implementação do despacho postal ter diminuído a frequência de compras, as encomendas internacionais maiores e com ticket médio mais alto continuam sendo vantajosas para ela. “Meu marido comprou um monitor para desenho da China já sabendo da cobrança dos R$ 15”, conta.

Não é exagero dizer que Juliana representa a mudança no perfil dos brasileiros depois da cobrança do despacho postal. O número de transações de fato caiu, mas isso não significa que o consumidor deixou de comprar. Ele passou a planejar melhor suas compras para que elas tenham um preço viável na comparação com o valor da taxa.

Se antes o brasileiro não pensava duas vezes antes de efetuar uma compra de R$ 50, por exemplo, agora ele se organiza para fazer transações de maior valor e, desse modo, minimizar o impacto da cobrança do despacho postal.

Essa foi a conclusão de um levantamento realizado pelo EBANX com três grandes e-commerces globais de varejo que atuam no Brasil. A análise, que levou em consideração os períodos anteriores e posteriores à cobrança do despacho postal, identificou que o número de  transações caiu, mas o valor do ticket médio aumentou consideravelmente e o resultado deste novo cenário na prática pode ser analisado no gráfico abaixo.

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Em outras palavras, comprar do exterior continuou sendo vantajoso para os brasileiros.

Um padrão global

A cobrança do despacho postal pode até ser uma novidade no Brasil, mas outros países convivem há um bom tempo com taxas similares. Na Argentina, terceiro maior mercado da América Latina, existe o Puerta a Puerta, uma taxa que também incide sobre produtos estrangeiros no país e que em abril deste ano passou por um processo de desburocratização, tornando-se um exemplo de como a modernização da regulamentação do fluxo de compra pode influenciar positivamente a decisão do consumidor.

Antes desta nova versão do Puerta a Puerta, o sistema de cobrança de taxas e impostos do Correo Argentino era lento e trabalhoso, o que rendia muitas críticas por parte dos usuários. A modernização tardia, no entanto, não barrou o crescimento de e-commerces que apostaram no país.

Mesmo com a instabilidade econômica pela qual passou, a Argentina registrou uma taxa de crescimento de 50% no e-commerce nos últimos sete anos. Somente em 2018, o e-commerce cresceu 37,5%, de acordo com o WebShoppers Report.

As semelhanças com o Brasil indicam que a cobrança de taxas similares ao despacho postal não representa um obstáculo para o virtuoso crescimento do e-commerce.

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Para além do cenário latino-americano, grandes economias europeias também realizam a cobrança de tarifas que não influenciam negativamente o e-commerce. Em alguns casos, como o da Espanha, o cálculo do valor da taxa é feito com base no valor total da compra. Mesmo assim, a faturação do e-commerce no país no segundo trimestre de 2018 cresceu 27,2% em relação ao mesmo período do ano anterior, uma taxa recorde. Os dados são da Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (CNMC).

Um novo processo, mas não um impeditivo

Apesar de ter surpreendido os consumidores brasileiros, acostumados com a ausência de uma taxa dessa natureza, o despacho postal definitivamente não os afastou das compras online. Pelo contrário: o que se vê é um planejamento mais detalhado para que o valor total da compra seja vantajoso diante da taxa.

As previsões negativas, portanto, não se confirmaram e o Brasil segue sendo o maior mercado da América Latina. Aos e-commerces que desejam explorar o potencial do país – ou para os que já estão investindo no Brasil –, o ideal é formular estratégias para compreender esse novo comportamento dos consumidores brasileiros.

Um mercado aquecido, em crescimento e com consumidores consolidados que não se deixam abalar ao menor sinal de mudanças no processo cross-border. Motivos para investir no Brasil não faltam e a hora é agora.