Desde março, quando as medidas de isolamento social começaram como forma de frear as infecções pelo novo coronavirus no país, o e-commerce brasileiro tem vivido dias de desenvolvimento acelerado – quase “na marra”, como diriam informalmente alguns especialistas. Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), mais de 80 mil novos lojistas estrearam no universo online nas últimas semanas e quem já vendia pela Internet passou a atender um público novo: 1 milhão de novos consumidores que se aventuraram no e-commerce por não ter outra alternativa no momento.
LEIA TAMBÉM: Para além do álcool em gel e das máscaras, os brasileiros estão comprando mais online
Com isso, a votação do Projeto de Lei Complementar 148/2019, que busca desbucrocratizar a operação omnichannel (de vendas multicanal) no país e foi idealizado por varejistas, advogados especializados e legisladores reunidos pela Abcomm, tornou-se ainda mais urgente.
Conforme o LABS mostrou ainda em agosto do ano passado, o projeto propõe uma atualização fiscal que, entre outros pontos, facilita a abertura de pontos de coleta e retirada de produtos adquiridos online e permite uma logística reversa menos onerosa aos e-commerces (custo esse que, invariavelmente, é passado no preço ao consumidor).
Atualmente, para abrir um ponto de coleta e retirada de produtos, os e-commerces brasileiros precisam criar um CNPJ específico para ele, fazer uma contabilidade própria para ele e retirar o Imposto de Renda de forma segregada. Outra forma de driblar parte da burocracia é firmar parcerias com outras empresas que podem servir de ponto de coleta, como a Inpost, a Pegaki e a Clique Retire, entre outras, que oferecem smart-lockers e são especializadas nesse tipo de solução de coleta e retirada de produtos a la Amazon.
Só nos EUA, a gigante americana tem hoje mais de 2 mil smart-lockers, mas também oferece o serviço em países da Europa e, mais recentemente, vem experimentando a solução em emergentes como a Índia. Pelo sistema da Amazon, quem mora em uma das cidades que oferecem o serviço pode cadastrar um locker como endereço na hora da compra.
Quem opera no mundo físico também consegue fazer das lojas físicas um ponto, como é o caso da Amaro, da C&A ou da Renner. Mas aqueles que vendem apenas online e não tem autorização para operar fisicamente não conseguem simplesmente credenciar estabelecimentos parceiros como pontos de coleta e retirada, uma limitação às operações multicanal.
LEIA TAMBÉM: Shopify lança Shop, um aplicativo que funciona como um assistente pessoal de compras
Ao se estabelecer um regime fiscal simples para essa operação, o processo fica menos burocrático e custoso. Ao mesmo tempo, quem retira também pode devolver o produto, o que abriria caminho para uma logística reversa mais eficiente. Hoje, a legislação brasileira não autoriza a emissão de uma nota fiscal de devolução por arrependimento ou insatisfação, apenas por garantia ou troca. Com a ausência dessa previsão legal, os e-commerces acabam pagando impostos (sobretudo ICMS) sobre uma compra que não se realizou.
No Brasil, a solução seria semelhante à utilizada hoje por empresas de frete e armazenagem, que operam como fiéis depositárias dos bens comercializados a elas confiadas durante o serviço de entrega ou armazenagem, condição prevista no artigo 640 do Código Civil de 2002. Hoje, no momento da prestação do serviço por parte destas empresas, não há uma nova emissão de nota fiscal sobre o bem comercializado, não cabendo nesse caso uma nova incidência de ICMS sobre o valor do bem comercializado. O que há é uma nota sobre o serviço de frete ou armazenagem, e estes continuariam passíveis de incidência de ICMS ou ISS.
Com a desbucrocratização do omnichannel, as empresas também conseguiriam atender os consumidores que não têm um endereço formal ou moram em um local onde os serviços dos Correios simplesmente não chegam. E eles são muitos em um país continental como o Brasil. O custo do frete, de maneira geral, também cairia com a popularização dessa opção de retirada, já usada em larga escala por gigantes como a Amazon, que tem mais de 2 mil smart-lockers (estações de retirada inteligente, com atendimento por aplicativo ou toten) nos Estados Unidos e na Índia.
LEIA TAMBÉM: Linx faz parceria com Rappi para shoppings e anuncia pacote de apoio ao varejo
Estimativas feitas ainda em 2019 apontam que essas mudanças poderiam aumentar as vendas do e-commerce em 25% (ou 75 milhões de pedidos a mais). Do ano passado para cá, o projeto já passou por todas as comissões da Câmara dos Deputados e, desde fevereiro, está pronto para ser votado no plenário da Casa.
“O omnichannel está hoje travado em algumas regiões do país que não têm endereço ou onde os caminhões de entrega não chegam por outros motivos. Se as pessoas puderem comprar e retirar em qualquer ponto, como no posto de gasolina, ou numa farmácia perto de casa, vai ajudar bastante o setor. Agora a gente tem que convencer o Rodrigo Maia de que esse é um projeto importante, ainda mais neste momento”, disse o presidente da Abcomm, Mauricio Salvador, ao LABS.