Viajar a bordo de um jato executivo no Brasil é para poucos. E é precisamente essa frase que a Flapper pretende mudar ao permitir que mais pessoas usufruam das facilidades e dos serviços premium da aviação particular em uma espécie de democratização da aviação executiva. Após três anos de funcionamento e 20 mil usuários pagos na plataforma online que conecta passageiros e empresas de táxi-aéreo, já provou que se trata de uma missão factível.
Fundada em 2016, a Flapper se posiciona mais como uma “linha aérea boutique” do que “Uber da aviação executiva”. Para isso, comercializa assentos em aviões de táxi-aéreo em rotas pré-programadas e intermedia o fretamento de aeronaves para qualquer destino no Brasil e mesmo para outro país. Um lugar em um voo entre São Paulo e Angra dos Reis pode sair por 300 reais e outro até Trancoso sai por 1.500 reais. Tudo reservado a partir de um aplicativo de telefone celular, no qual é possível ver os voos e aeronaves disponíveis, cotar fretamentos e pagar por cartão de crédito.
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A startup foi acolhida pela aceleradora ACE e recebeu investimento de R$ 3 milhões dos fundos Confrapar e Travel Capitalist Ventures. Em outubro deste ano, venceu o Pitch@NBAA no maior evento de aviação executiva do mundo que ocorreu em Las Vegas, nos Estados Unidos.
À frente da Flapper está o polonês Paul Malicki, que foi CMO da Easy Taxi e atuou como conselheiro na Mastercard, Farfetch e Nubank. Ele foi listado em 2017 na Forbes 30 Under 30. Nesta entrevista ao LABS, Malicki fala dos desafios de ser uma startup do setor de aviação no Brasil, das estratégias para aumentar a base de usuários e dos planos de futuro que envolvem até drones autônomos.
LABS – A aviação é um mercado bastante complexo e fechado, repleto de regulamentações e variáveis. No Brasil ainda há questões de custos e infraestrutura que limitam o crescimento do setor. Como superar esses obstáculos para facilitar o acesso das pessoas ao transporte aéreo, especificamente do mercado premium?
Paul Malicki – Acreditamos que há dois motores que ajudam e são cruciais para a jornada da democratização da aviação executiva. Primeiro é a tecnologia, em sua definição mais abrangente. No nosso caso é a distribuição de voos por aplicativo, serviços de pagamentos que permitam usar cartão de crédito online, sistemas antifraude, etc. Tudo o que podemos usar da tecnologia fazemos para educar o mercado e aproximar a oferta da aviação executiva do usuário final. O segundo pilar dessa estratégia é a economia compartilhada. Isso já conseguimos provar várias vezes. Por exemplo, nós conseguimos oferecer um voo entre São Paulo e Rio de Janeiro ou Angra dos Reis, por um preço de 950 reais justamente porque é um voo compartilhado. Quando colocamos junto a tecnologia e a economia compartilhada, elas ajudam a escalar muito o negócio.
LABS – Há também o convencimento dos usuários, que estão acostumados com a aviação comercial. Os aviões são diferentes, menores, em alguns casos, monomotores, turboélices. Como quebrar a barreira, especialmente do medo e do preconceito, e também esclarecer os custos?
Paul Malicki – Temos o desafio da falta de educação do usuário, da falta de entendimento de que voar na aviação executiva é seguro. Há acidentes em aviões privados, de motor a pistão, em locais afastados e sem estrutura. Mas o usuário não entende a diferença entre isso e um jato ou um avião turboélice de táxi-aéreo. Por isso explicamos bem o produto. No aplicativo o usuário tem a explicação de tudo, como é, a capacidade, se está homologado. Produto aqui é o principal. E temos que explicar que o avião é seguro. Tudo isso gera uma certa confiança. Compartilhamos dados e exemplos que eram escondidos do usuário final.
LABS – O Brasil tem uma das maiores frotas da aviação geral no mundo, mas que fica restrita a um número pequeno de pessoas e empresas. Muitas dessas aeronaves ficam paradas, sem voar, e dando prejuízo. É possível que os donos de aviões também entrem como parceiros?
Paul Malicki – Hoje temos dois mercados, o do táxi-aéreo que tem 450 aeronaves, e o mercado privado com cerca de 12 mil aviões. A diferença é gigantesca. A questão é que o táxi-aéreo tem exigências que o dono de um avião não consegue cumprir com facilidade, como ter dois pilotos, treinamento, simulador, manutenção mais rígida e passar por vistorias da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]. É difícil ser táxi-aéreo no Brasil. Trabalhamos com empresas desse setor e complementamos a oferta com aviões privados, mas que estão no táxi-aéreo. Existe um projeto de lei que trata da criação de um subsetor de táxi-aéreo privado, com simplificação das regras. Se isso acontecer, haverá mais opções. Uma das razões dessa lei é, por exemplo, alguém na Amazônia que precisa de atendimento e só o avião chega até lá. Mas a lei não permite que um avião privado vá até lá e transporte essa pessoa.
LABS – Essa é uma das dificuldades que encontrou ao iniciar um negócio nesse setor no Brasil? Muitos falam sobre o custo Brasil, de que é mais difícil fazer negócios, existe muita burocracia, muitas regras e pouca liberdade…
Paul Malicki – É difícil discordar dessa tese. Sou torcedor do Brasil, é um país fantástico, me deu oportunidade de carreira, mas é um país de monopólios. Como dizem, não é um país para amadores. Para ser um empreendedor aqui tem que ser forte, precisa de uma visão muito ampla e de um entendimento muito bom do mercado. E isso gera custo. Por isso há tantos monopólios no Brasil. No nosso negócio tínhamos sete competidores quando começamos e hoje não temos nenhum.
LABS – A Flapper nasceu em 2016, um período em que a crise econômica no Brasil se agravava. Como a empresa conseguiu passar por aquele momento e se manter no mercado?
Paul Malicki – Começamos no período de crise, mas foi a única maneira de começar o serviço, porque na crise os operadores de táxi-aéreo precisavam da gente, contratos haviam sido encerrados e o aviões estavam parados. Nós conseguimos movimentá-los. E desde o lançamento, a cada trimestre nós crescemos. Claro que se trata de um produto sazonal, muito forte no fim do ano, por exemplo. Mas conseguimos, mesmo assim, crescer em todos os períodos. Em novembro vamos bater recorde de receita e isso está de acordo com os nossos planos. Vai ser o primeiro mês com break-even. É um negócio rentável. A perspectiva de crescimento é muito ambiciosa. Hoje temos 20 mil usuários pagos com potencial de atingir 2 milhões de pessoas que podem pagar por assento na aviação executiva. Estamos no início ainda.
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LABS – Em alguns casos a Flapper freta o avião antecipadamente e vende os assentos. Como lidar com o risco de não vender o suficiente e arcar com o prejuízo daquele voo?
Paul Malicki – Claro que corremos risco com alguns voos. Temos prejuízos sim. Mas não significa que o negócio tenha prejuízo. No caso do trecho de São Paulo para Angra do Reis é praticamente rentável. Angra gera dinheiro, vendendo mais assentos do que custo do avião. Já entre São Paulo e Rio de Janeiro é mais complicado, competimos com outros. E qualquer negócio tem risco.
LABS – A próxima barreira são os veículos autônomos. Já existem no chão, mas ainda estão em desenvolvimento para o transporte aéreo. Há, porém, uma expectativa sobre o potencial desse modal. O que ainda falta, seja no Brasil ou no mundo, para que isso se torne realidade e como a Flapper pretende fazer parte disso?
Paul Malicki – Hoje temos 200 projetos de drones autônomos no mundo. Dessas, duas realmente fizeram voar e mais dez estão em estágio avançado para isso. Um algoritmo de drone autônomo é 15 vezes mais simples que um automóvel Tesla, por exemplo. Não há trânsito, não tem luz, pedestres, etc. A primeira coisa nesse mercado é que não é uma brincadeira. São projetos que vão acontecer e estamos acompanhando de perto. Já temos acordo com quatro empresas que estão produzindo fora do Brasil, mas que podem vir para cá. Queremos conectar o aeroporto de Guarulhos com o centro de São Paulo, por exemplo. Não temos ainda algo concreto, mas estamos conversando com Anac, Decea [Departamento de Controle do Espaço Aéreo], SAC [Secretaria de Aviação Civil], e todos apoiam isso. Em um futuro próximo, acredito, teremos esses veículos.