Períodos de instabilidade econômica provocam mudanças no comportamento do consumidor em diversos aspectos. Depois de vivenciarem anos de crescimento e estabilidade, grande parte dos brasileiros se viu obrigada a repensar suas prioridades.
Isso significa que o brasileiro deixou de comprar? Na verdade, não. O brasileiro mudou seu hábito de consumo, mas o Brasil continua sendo o número um em compras online na América Latina.
Diferentemente de outros setores, o e-commerce não foi afetado negativamente nesse período. O ramo registrou crescimento em todos os anos da crise econômica no Brasil, que teve início no final de 2014 e chegou ao fim em 2016. Em 2017, o crescimento do e-commerce foi de 7,5% e, no ano passado, as vendas online subiram 12%. Os dados são do relatório Webshoppers.
As previsões para o comércio são ainda mais otimistas em 2019. Com a retomada da economia e a possibilidade da aprovação da Reforma da Previdência, índices e pesquisas já vêm apontando uma maior disposição do brasileiro à compra. O Brasil se transformou em uma grande possibilidade para os e-commerces que pretendem explorar o mercado brasileiro. O ponto-chave é saber alinhar as estratégias da empresa ao perfil do consumidor local.
Estabilidade econômica

Depois da maior e mais longa crise econômica de sua história, registrada entre 2014 e 2016, o Brasil voltou a trilhar um caminho em direção à estabilidade. A eleição de Jair Bolsonaro, que escolheu uma equipe política e econômica alinhada ao mercado, retomou o otimismo dos investidores com a economia brasileira.
A possibilidade de aprovação da Reforma da Previdência, importante medida para garantir o equilíbrio fiscal nos próximos anos, contribui para essa visão positiva. A medida está tramitando no Congresso Nacional e, no melhor dos cenários, deve ser aprovada em meados de 2019.
Para o economista e professor de Economia da FAE Business School, Gilmar Mendes Lourenço, a aprovação da Reforma não é tarefa fácil para o governo, mas o fato dela estar em tramitação já é um ótimo sinal para o mercado.
“É importante a aprovação da Reforma porque dá uma sinalização positiva de que o governo está preocupado com a situação fiscal. Só o fato de haver um encaminhamento de solução de médio e longo prazo para essa situação fiscal é um aspecto positivo para a retomada do crescimento”, salienta.
Já o dólar, que apresentou grande variação em 2018 graças ao conturbado período das eleições presidenciais, atingiu mais estabilidade em 2019. Como o LABS mostrou neste texto, a alta do dólar no ano passado seguiu o padrão registrado em todos os períodos eleitorais no Brasil. Diante da incerteza com a política, é natural que o dólar apresente uma variação fora do comum.
O cenário de 2019 em pouco se parece com o de 2018. Para Gilmar, o dólar deve seguir estável no decorrer deste ano, estimulando o consumo entre os brasileiros. “Ao contrário do que muita gente apostava, imaginando que depois das eleições o dólar poderia ir para R$ 4,50, o dólar ficou estável. Isso torna o preço dos fatores de produção da economia brasileira equilibrados. Isso favorece as decisões de investimento de quem olha o Brasil de fora”, analisa.
Se em 2018, que registrou uma greve dos caminhoneiros em maio e com o dólar na casa dos R$ 4,20 durante as eleições, o brasileiro comprou 12% mais pela internet, a tendência é que 2019 tenha um resultado ainda mais positivo para o setor.
“O consumo não só vai ser mais estável como ele vai reagir [em 2019]. O Brasil vai ter um crescimento do consumo. As famílias brasileiras estão menos endividadas. Especialmente em 2017 e 2018, o brasileiro ‘apertou o cinto’ mesmo, até como uma necessidade”
Gilmar Mendes Lourenço, economista
Atualmente, com mais estabilidade econômica e mais organizado financeiramente, o brasileiro tende a comprar mais. “Hoje, a situação de endividamento e de inadimplência dos consumidores é muito melhor do que era em 2017 e 2018. Se a economia continuar nesse embalo de estabilidade e com o desemprego caindo, a tendência é do consumidor, gradativamente, voltar às compras. Então vai ser um ano melhor para o consumo do que foi 2017 e 2018, sem dúvida alguma”, defende o economista.
E esse avanço já vem sendo percebido em índices e pesquisas realizadas com o consumidor brasileiro. Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entidade que representa os empresários desses setores no Brasil, identificou que as famílias brasileiras pretendiam gastar 2,7% mais em fevereiro em comparação com janeiro. Quando comparado com o mesmo período de 2018, trata-se de uma intenção de consumo 13,1% maior. Os dados recentes já confirmam a previsão de melhora para o consumo no Brasil em 2019.
Gilmar reconhece, no entanto, que o perfil de consumo do brasileiro mudou no período de crise. É esperado que um comportamento mais racional e menos impulsivo se mantenha nos próximos anos. “O consumidor brasileiro ficou muito cauteloso em 2017 e 2018, ele priorizou o pagamento de dívidas até para limpar o nome para poder comprar”, aponta.
Aos e-commerces que desejam explorar o promissor mercado brasileiro, a estratégia é alinhar os produtos e serviços ao perfil do novo consumidor brasileiro.
A estratégia certa

O Brasil é o maior mercado da América Latina. Em permanente ascensão, o e-commerce no Brasil registrou crescimento notável mesmo em anos de recessão econômica. Hoje, o Brasil é o número um em compra pela internet na América Latina. De acordo com o relatório Latin America E-commerce, seis em cada dez compras são feitas online no país. Somente em 2018, foram 123 milhões de pedidos realizados pela internet.
Se por um lado o crescimento do e-commerce no Brasil em 2019 é dado como certo, a tendência é de que o consumidor brasileiro faça compras online de maneira mais cautelosa. Esse comportamento, como vimos, é reflexo dos períodos de instabilidade econômica dos anos anteriores.
Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), que representa os empresários do comércio brasileiro, e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), que reúne dados sobre os brasileiros inadimplentes, identificou que 80% dos brasileiros mudaram hábitos de consumo depois da crise econômica.
O estudo revelou que o número de brasileiros que pesquisam antes de comprar subiu de 54% em 2017 para 59% em 2018. A variação no perfil do consumidor, no entanto, não atingiu o setor do e-commerce no país, que, como vimos, cresceu 12% no ano passado.
Além disso, outras pesquisas mostram que grande parcela dos consumidores brasileiros continuam comprando sem muita hesitação. Um levantamento realizado pela Kantar IBOPE Media identificou dois perfis de brasileiros que compram online: os empolgados e os conscientes. No primeiro grupo, estão os consumidores mais impulsivos, que adquirem produtos e serviços no calor da emoção. Eles gastam em média R$ 1.083 a cada três meses – o equivalente a US$ 285.
Já os consumidores conscientes ponderam e pesquisam mais até decidir pela compra. São mais racionais e analisam o custo-benefício do negócio antes de tomar uma decisão. As compras desse tipo de consumidor ficam na média de R$ 646 a cada três meses, ou seja, US$ 170.
Essa transformação no padrão de consumo, no entanto, é menos um motivo de preocupação e mais uma oportunidade para os e-commerces que desejam explorar o mercado brasileiro. Oferecer preços mais baixos do que os praticados aqui, por exemplo, pode ser uma ótima estratégia para conquistar o consumidor cauteloso, já que os produtos com maior custo-benefício certamente serão a primeira opção na hora da compra.
Considerando que o dólar deve seguir uma trajetória de estabilidade em 2019, o que estimula um consumo online ainda maior, o mercado brasileiro desponta como uma ótima oportunidade para e-commerces que desejam expandir os negócios para a América Latina.
Mesmo mais cauteloso, o brasileiro continua comprando – e muito. Alinhar as estratégias de venda e os preços ao perfil desse novo consumidor brasileiro pode ser um passo definitivo para o sucesso de um e-commerce no país.