O futuro do café é sem grão: conheça a Compound Foods
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Mudanças climáticas podem acabar com o café? Não, se depender da Compound Foods

Mudanças climáticas podem ter um impacto devastador sobre a produção mundial de café – 60% da qual vem da América Latina. O LABS conversou com Maricel Saenz, fundadora e CEO da Compound Foods, sediada em São Francisco, sobre como essa food tech planeja fornecer café para o mundo, sem os grãos de café

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Todos os dias, milhões de pessoas ao redor do mundo acordam e iniciam um ritual tão antigo quanto a própria humanidade: beber uma xícara de café. Só nos Estados Unidos, são consumidas 656 milhões de xícaras da bebida diariamente, e 35% dos americanos continuam bebericando café ao longo do dia. A Organização Internacional do Café projeta que o consumo global atingirá mais de 167 milhões de sacas de 60 quilos de grãos cada até o fim do ano, um aumento de quase 2% em relação ao consumo global registrado no ano passado. 

Essa gigantesca quantidade de grãos, no entanto, está sob ameaça das mudanças climáticas, como tantos outros cultivos e animais. É que o café exige condições de cultivo muito específicas e temperadas, encontradas apenas na região equatorial, em uma faixa muito estreita conhecida como o “cinturão do café”. 

Estudos indicam que a América Latina, região que é a maior produtora de café do planeta, pode perder até 90% de suas plantações até 2050. Em outras palavras: a menos que as mudanças climáticas passem a ser tratadas como a urgência que de fato são, muito provavelmente não poderemos mais “acordar e sentir o cheirinho do café”. 

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Não é possível abordar nesse artigo todos os possíveis efeitos da mudança climática em nosso planeta. Será necessária uma miríade de soluções sustentáveis para enfrentá-la. Em vez disso, esse artigo se concentra em uma história incomum: o esforço empreendido por uma startup para que o café continue presente em nossos rituais diários. 

Alimentos sustentáveis para um planeta cada vez mais quente

A Compound Foods é uma empresa de tecnologia alimentar com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, fundada em 2020 pela biotecnóloga Maricel Saenz. A food tech faz parte de um grupo específico de empresas, como a Bov Control ou a Finless Foods, que procura desenvolver soluções para “alimentar a população mundial” em um contexto em que as mudanças climáticas podem ter impactos catastróficos para a produção global de alimentos. São empresas que estão na vanguarda da criação de métodos mais sustentáveis de produção alimentar para dar conta de uma população que pode chegar a 9,9 bilhões até 2050 – 25% a mais do que a população mundial atual. 

Nascida na Costa Rica e entusiasta de um bom café, Saenz está determinada a recriar a bebida sem os grãos de café. Mas, atenção: jamais chame o produto de café sintético. Saenz, que prefere o termo “café sem grãos”, explica porque a bebida não tem nada de sintético. 

Sintético é o que não é natural, é algo químico, plastificado e, honestamente, um pouco nojento. O que estamos fazendo é recriar os sabores, o aroma e os efeitos do café usando fermentação, micróbios e técnicas usadas há séculos para produzir queijos e iogurte.

Maricel Saenz, fundadora e CEO da Compound Foods

Embora soe relativamente reconfortante (haverá café, afinal), a proposta levanta algumas questões. Primeiro, se não há grãos de café no café, como poderemos chamá-lo de café? Segundo, se a Compound Foods não utiliza grãos de café ou qualquer parte da planta do café, como o “café sem grãos” é produzido? 

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Saenz não revela a composição de ingredientes da bebida desenvolvida pela startup, mas diz que eles utilizam substratos agrícolas, que uma forma científica de chamar plantas, sem dizer no entanto quais exatamente. “Usamos plantas de baixa emissão de carbono que não requerem muita água e podem ser produzidas facilmente, localmente e eticamente”, disse. 

O potencial comercial do café sem grão

Startup early-stage, a Compound Foods captou US$ 4,5 milhões em financiamento com empresas de capital de risco como Collaborative Fund, Humboldt Fund, Lowercarbon Capital, Maple VC, Petri Bio, SVLC (SV Latam Capital) e investidores anjo.

Em quanto tempo será possível servir uma xícara de café sem grãos da Compound Foods? Saenz prevê o lançamento para o final de 2022. “A princípio, o lançamento será em pequena escala, devido à nossa capacidade de produção, mas teremos nosso produto no mercado dos EUA”, disse Saenz, acrescentando que o próximo passo é buscar uma captação Série A para expandir a produção e a distribuição do produto. 

Maricel Saenz, fundadora e CEO da Compound Foods. Foto: Divulgação

O primeiro produto, ainda sem nome, será um café gelado. O café moído, para a preparação de uma xícara de bebida quente, virá em seguida. A decisão de lançar primeiro um café gelado e depois o café moído se deve, em parte, à complexidade de recriar a experiência do café moído. Mas também reflete um gosto crescente por café frio nos EUA – os americanos bebem 60% mais café frio do que bebiam em 2014.

Em um momento em que as notícias sobre as mudanças climáticas são exaustivas e as pessoas só querem poder desfrutar de uma xícara de café sem sentir culpa, a missão da Compound Foods se revela simples e atual: “Nosso objetivo é construir uma marca que ofereça às pessoas alternativas fáceis e deliciosas que sejam melhores para o planeta”, resumiu Saenz.

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Mas, para muitas pessoas, o café é algo sagrado. Além disso, muitas escolhas de consumo são feitas a despeito do impacto ambiental adverso que geram. Então, como fazer com que as pessoas experimentem um café que, embora não seja sintético, também não é feito do grão?

A maneira como convenceremos as pessoas será criando um produto de qualidade incrivelmente alta, de grande sabor. Queremos fazer parte desse ritual do café. Nossa esperança é que as pessoas escolham nosso café não só porque é melhor para o meio ambiente, mas também porque é delicioso.

Maricel Saenz, fundadora e CEO da Compound Foods

A crise no cinturão de café da América Latina

Uma pegada de carbono menor é importante em uma cadeia de produção mais sustentável, afinal trata-se de um círculo vicioso: embora a mudança climática ameace a safra global de café, a maneira como os produtores cultivam e enviam os grãos para consumo, e até mesmo a maneira como nós, na outra ponta, consumimos o café, também contribuí para a mudança climática. Vejamos alguns dados:

  • A produção de 1 kg de café gera 17 kg de carbono;
  • São necessários 140 litros de água para produzir uma xícara de café;
  • A pegada de carbono do café é maior do que a do camarão, de aves, carne de porco, peixe ou ovos. 

Desenvolver um café sem grãos de café é uma forma de reduzir o impacto do carbono gerado pelas plantações de café, ao mesmo tempo em que oferece uma alternativa diante da redução das plantações devido às mudanças climáticas – a título de exemplo, as baixas temperaturas registradas no Brasil em julho danificaram 495.000 acres de plantações de café. 

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Além do efeito devastador sobre as plantações, o descontrole das mudanças climáticas afetará também milhões de cafeicultores e suas famílias. Um exemplo disso aconteceu em 2013, quando as temperaturas elevadas na América Central causaram um surto de um fungo que destruiu metade da safra da região e custou 350.000 empregos.

O impacto das mudanças climáticas sobre as famílias que vivem do café também está no radar de Saenz. Sua terra natal, a Costa Rica, é hoje o maior produtor de café do mundo. “Estamos trabalhando em diferentes iniciativas e faremos parcerias com organizações para ajudar os produtores a encontrar outras formas de subsistência”, disse Saenz.

(Traduzido por Carolina Pompeo)

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