Fachada do prédio da Amazon no Vale do Silício
Foto: Sundry Photography/Shutterstock
Ecommerce

Amazon no Brasil: o despertar de um gigante

A gigante americana, de longe a maior plataforma de e-commerce dos Estados Unidos, disputa o mercado latino-americano com fortes concorrentes locais, como Magazine Luiza e Mercado Livre

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Poucos setores cresceram tanto na América Latina em 2020 quanto o e-commerce, um resultado direto das restrições impostas pela pandemia de COVID-19, que obrigaram milhares de estabelecimentos a suspenderem os atendimentos. A região experimentou um crescimento colossal de 36,7% no e-commerce de varejo e, pela primeira vez, liderou um ranking há dez anos dominado pela Ásia e Pacífico (APAC). Outro estudo recente do Euromonitor descobriu que a América Latina registrou o maior crescimento de vendas on-line, com um salto de 60% em 2020. 

Esse enorme crescimento foi três vezes maior do que a expansão de 12% originalmente prevista para o continente no quarto trimestre de 2019, antes de o mundo ser surpreendido pelo coronavírus, de acordo com Matteo Ceurvels, diretor de pesquisa para a América Latina e Espanha na eMarketer

Dois países tiveram forte influência sobre esse resultado: o e-commerce saltou 35% em 2020 no Brasil, número que colocou o país em quarto lugar na lista dos dez principais mercados de e-commerce em crescimento no mundo. A vizinha Argentina, único país latino-americano a integrar a lista no ano passado, conquistou a primeira posição, com incríveis 79% de crescimento.

Onde a Amazon, de longe a maior plataforma de e-commerce nos Estados Unidos, se encaixa nesse mercado de enorme potencial? 

Pode-se esperar que o gigante do e-commerce, que abocanhou quase metade da participação no mercado dos EUA (47%) em 2020, leve também uma fatia considerável do mercado brasileiro e de toda a América Latina. No entanto, na prática não é exatamente assim. 

A Amazon enfrenta forte concorrência de grandes – e profundamente enraizadas na cultura de consumo latino-americana – empresas regionais, como Mercado Livre (o maior site de e-commerce da América Latina), Magazine Luiza (maior plataforma de varejo multicanal do Brasil), Americanas/B2W, OLX e outros.

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Um estudo realizado pelo EBANX sobre e-commerce transfronteiriço na América Latina (Beyond Borders) mostra o seguinte fluxo de acessos mensais, somente no Brasil: Mercado Livre: 267,9 milhões; Americanas: 119,4 milhões; OLX: 102,5 milhões; Amazon: 74,5 milhões; e Magazine Luiza: 67,4 milhões.

Em termos de participação no mercado geral da América Latina, Ceurvels disse ao LABS que, em 2020, o Mercado Livre abocanhou quase um quarto de todos os negócios de e-commerce (24,6%); Magazine Luiza ficou com 6,5% do total de compras on-line, um reflexo das aquisições feitas no ano passado, colocando a empresa, pela primeira vez, à frente da B2W, que teve participação de 6,3%.

Ceurvels ainda aguarda os números finais da Amazon referentes ao ano passado, mas aposta no crescimento do desempenho da americana. “Em 2019, a Amazon conquistou entre 3,3 e 3,5% da participação de mercado na América Latina”, disse ele. “Ajustando de acordo com o aumento geral decorrente da pandemia, estimo que a Amazon chegará a algo entre quatro e seis por cento.”

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Embora os números sejam importantes, não representam um quadro completo. Ceurvels especula que a participação menor da Amazon se deve ao fato de que a americana chegou atrasada para a disputa pelas economias da América Latina, além disso, o ambiente de negócios brasileiro é especialmente desafiador – um ponto chave mencionado por outros analistas. 

É preciso considerar os principais desafios operacionais que todas as grandes plataformas de e-commerce enfrentam no Brasil: atividade econômica baseada principalmente em dinheiro; acesso limitado à internet; necessidade de oferecer várias opções de pagamento (que o diga o tradicional boleto); logística de entrega em um país de proporções continentais que tem, ainda, a maior cidade das Américas, São Paulo

Nesse contexto, a Amazon certamente fez avanços significativos desde que entrou no mercado brasileiro em 2012. Mas, empresas nativas têm uma vantagem estratégica em logística inegável. Tomemos como exemplo a Magazine Luiza, ou Magalu. 

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Fundada em 1957, a Magazine Luiza começou como uma pequena rede de lojas de varejo. Em 2020, algumas centenas de lojas espalhadas pelo Brasil inteiro depois, sua presença física desempenha um grande papel em sua capacidade de entregar as mercadorias.

“A Magalu tem uma mistura de presença on-line e física. Nossas mais de 1.300 lojas nos permitem ter acesso fácil a todos os cantos do país”, disse Eduardo Galanternick, vice-presidente de negócios da Magazine Luiza. “Então, no Brasil, um país com pouca infraestrutura e com alguns pontos de acesso muito difíceis, temos uma logística muito avançada que é vital para prestar um bom serviço de vendas online.”

Eduardo Galanternick, vice presidente de negócios da Magazine Luiza. Foto: Magazine Luiza/Divulgação.

A despeito da forte concorrência e de algumas desvantagens operacionais, não é difícil supor que a Amazon tem grandes planos para o Brasil. “O Brasil é diversificado e dinâmico”, disse Alex Szapiro, vice-presidente da Amazon Brasil. “Estou satisfeito com nossas realizações até o momento.”

Alex Szapiro, vice presidente da Amazon no Brasil. Foto: Amazon/Divulgação

Veja a trajetória da Amazon no Brasil desde que desembarcou em terras brasileiras: 

  • 2012: Amazon Brasil chega ao Brasil com seu leitor de e-books Kindle.
  • 2017: Amazon lança plataforma para vendedores parceiros com várias categorias de produtos, incluindo livros, eletrônicos, artigos para a casa, eletrodomésticos, material de escritório, moda e esportes.
  • 2019: Amazon inaugura centros de atendimento em Cajamar-SP e Cabo de Santo Agostinho-PE; Lança o Prime (programa de crescimento para atender mais rápido clientes em todas as regiões do Brasil).
  • 2020: Amazon adiciona quatro novos centros de atendimento – em Cajamar-SP, Distrito Federal, Nova Santa Rita-RS e Betim-MG; Aumenta de 120 para 600 cidades com entrega em dois dias para membros Prime; Lança Fulfillment by Amazon; Lança programa para parceiros do serviço de entrega; Doa R$ 5 milhões para duas organizações que atuam na linha de frente da COVID-19; Apresenta sete novos dispositivos Amazon; produz Tudo ou Nada: Seleção Brasileira, a primeira produção original do Brasil; Adiciona 10 milhões de músicas na Amazon Music, aumentando o acervo para 70 milhões de títulos disponíveis.
  • 2021: Amazon doa R$ 5,3 milhões e se une a outras 50 empresas brasileiras para viabilizar uma unidade de produção de vacinas contra a COVID-19 sob a administração do Instituto Butantan, em São Paulo, que produzirá mais de 100 milhões de doses por ano.

Trata-se de uma trajetória de crescimento consistente. Ainda assim, a estimativa de Ceurvel levanta dúvida sobre quais estratégias a Amazon precisa implementar para de fato desafiar a concorrência e conquistar uma fatia maior do mercado brasileiro de e-commerce.

“É um paradoxo porque a Amazon oferece uma boa experiência para o usuário e opções de pagamento em dinheiro. Ela tem as ferramentas de publicidade e a logística. O desafio, parece, tem sido o timing e conseguir identificar qual é o grande diferencial em relação aos outros concorrentes”, diz Ceurvels. 

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Já Szapiro, à frente da Amazon Brasil, tem uma perspectiva totalmente diferente sobre a estratégia de e-commerce da empresa no país. “Estamos focados nos clientes, não nos concorrentes. Mantemos nosso foco em insumos como velocidade, seleção e conveniência para nossos clientes no Brasil.”

Essa estratégia centrada no cliente será suficiente para desbancar o Mercado Livre, o Magazine Luiza ou qualquer uma das principais plataformas de e-commerce no Brasil? Não é possível dizer. O que se sabe é que a Amazon é um gigante global e, quando se tem um desses no seu território, convém prestar atenção. 

Traduzido por Carolina Pompeo.