- O distanciamento social está acelerando a transformação digital das economias, dizem os especialistas, mas esse movimento resulta em oportunidades e enormes desafios;
- Os trabalhadores precisarão incorporar habilidades digitais para continuar no mercado de trabalho, e os programas sociais devem levar isso em consideração.
Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), apenas 26,6% dos trabalhadores com emprego formal na região podem trabalhar sem sair de casa. Os desafios tecnológicos e sociais envolvidos em oferecer a possibilidade de trabalhar e consumir remotamente, bem como em oferecer oportunidades para o ensino a distância, certamente tornarão a inovação e a digitalização um fator essencial para a recuperação econômica da América Latina após a pandemia.
Em um webinar realizado pelo Inter-American Dialogue, um think tank baseado nos EUA, para discutir o cenário de inovação e tecnologia na América Latina após a crise do COVID-19, todos os participantes concordaram que o distanciamento social está acelerando a transformação digital das economias – o que resulta em oportunidades, mas também em enormes desafios para indivíduos, empresas e instituições.
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A aceleração é de fato uma necessidade. Como destacou Cármen Pagés-Serra, diretora da unidade para mercado de trabalho e seguridade social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as pessoas que estão perdendo seus empregos na situação atual geralmente estão menos preparadas para atender às demandas digitais.
“Está claro que a COVID fez avançar a adoção de tecnologias de uma maneira que provavelmente não teria acontecido nos próximos 5, 6 ou 10 anos”, disse ela. Os trabalhadores, ela afirma, precisarão incorporar habilidades para não apenas continuar no mercado de trabalho, mas também para enfrentar uma economia diferente e para a qual eles não terão as habilidades necessárias.
Hoje, o que estamos vendo é uma enorme necessidade de reinvenção do governo, de empresas que precisam mudar seus processos e se tornar mais hábeis em usar a tecnologia, e de trabalhadores que precisam incorporar habilidades
Cármen Pagés-Serra, chefe dos mercados de trabalho e unidade de seguridade social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A dificuldade está em saber como os governos e o setor privado devem agir, pois o desemprego deve aumentar para 15% a 20% em toda a região e as sociedades provavelmente irão operar no chamado “novo normal” no futuro previsível.
Os especialistas que participaram do debate sugeriram fornecer instrumentos e incentivos para as empresas se reestruturarem, além de uma proteção de renda que vá além do atendimento de necessidades básicas e urgentes.
A McKinsey estima que os gastos relacionados à COVID-19 na América Latina possam superar os 8% do PIB, incluindo aí as medidas de estímulo, liquidez, saúde e proteção social.
Preparando os trabalhadores mais afetados para o cenário pós-pandemia
“Se estamos gastando essa quantia em dinheiro e estamos prestes a deixar várias gerações endividadas, é melhor fazê-lo com sabedoria”, disse Andrés Cadena, sócio sênior da McKinsey. “Não devemos apenas gastar, devemos investir”. Pagés-Serra, do BID, acrescentou que,além de subsídios puros, este seria um bom momento para estabelecer programas para treinar novamente os trabalhadores, a fim de que adquiram novas habilidades através de algum tipo de proteção condicional. A reciclagem e as certificações devem ter como objetivo apresentá-los a tarefas e ocupações que estarão em alta demanda.
A dívida pública atingirá níveis recordes, de acordo com Cadena, e através de empréstimos futuros, governos e sociedade devem usar o dinheiro pensando em perspectivas de longo prazo. “Se fizermos isso de maneira a estruturar programas e oportunidades de geração de emprego, se o fizermos com sabedoria, e não apenas pensando na maneira típica de sair dessa crise, investindo em infraestrutura e social, o que deve ser feito, mas também na oportunidade digital e na infraestrutura de dados, poderemos ver um futuro melhor para nossos filhos “, afirmou Cadena.
O foco da regulação: serviços, não tecnologias
Ángel Melguizo, vice-presidente de assuntos externos e regulatórios da AT&T DirecTV Latin America, instou os governos a avançarem rapidamente com regulamentos inteligentes. “Se tivermos de escolher uma coisa positiva nessa tragédia, é a digitalização. É verdade que cidadãos, empresas, governos estão realmente se movendo rapidamente”, disse ele. “É hora de começar a regular serviços, e não tecnologias”.
Melguizo concluiu com o pedido para que se estabeleçam acordos globais na economia digital. “A Internet não tem fronteiras. Infelizmente, agora o mundo tem muitas fronteiras e fronteiras muito fechadas, mas esse não é um estado permanente. Nossas regras devem ser globais”, acrescentou Melguizo.