O Banco Central do Brasil apresentou propostas para alterar e endurecer as exigências regulatórias e de capital dos serviços de pagamento, tanto por instituições de pagamento quanto por instituições financeiras e fintechs do Brasil. Com uma resolução publicada em outubro e dois editais de consulta pública lançados na semana passada, a autoridade financeira está ampliando a regulação sobre o setor em meio ao boom das fintechs no país.
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No mês passado, o Banco Central aprovou uma resolução que exige que a partir de março de 2021 as instituições de pagamento com pelo menos R$ 500 milhões em transações sejam obrigadas a requerer autorização do BC para prestar serviços de contas digitais – de 2023 em diante, a norma valerá para instituições de qualquer porte.
Já a consulta pública que propõe novas regras para as instituições de pagamento foi publicada pela autoridade financeira junto de outro edital referente à regulamentação de operações cambiais por instituições de pagamento no país.
Em suma, a proposta eleva a régua para fintechs que queiram se tornar instituições de pagamento sem a dependência de um correspondente bancário e cria outras classificações para as empresas, levando em conta se são instituições de pagamento que operam com bancos e instituições financeiras por meio de conglomerados ou se atuam sozinhas. A ideia é que as demandas regulatórias incidam sobre a empresa do conglomerado que prestará o serviço.
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O Banco Central quer que as instituições de pagamento não integradas a entidades autorizadas pelo BC sejam submetidas a uma “nova definição de capital regulamentar, que passará do atual patrimônio líquido ajustado pelas contas do resultado para a exigência do patrimônio de referência de instituição de pagamento”. O muda com isso? Para se tornar uma instituição de pagamento regulamentada pelo BC a empresa precisará de, no mínimo, R$ 2 milhões de capital. Para quem for iniciador de serviços de pagamento, que é o agente que recebe o comando da transação mas não quem a executa, o mínimo de capital exigido será de R$ 1 milhão.
Segundo o Banco Central, ao elevar a régua do setor, a autoridade aumenta a qualidade dos serviços prestados e reduz riscos sistêmicos para as dezenas de milhões de clientes de fintechs do Brasil.
Em conversa com o LABS, Ingrid Barth, vice-presidente eleita da ABStartups (Associação Brasileira de Startups) e atual diretora da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), explicou que a legislação sobre instituições de pagamento começou a ser implementada em 2013 e que as novas propostas são um resultado natural dessa regulação.
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O setor financeiro do Brasil é robusto, é case mundial de tecnologia. Mas a gente precisa ampliar o acesso da população aos serviços financeiros. Todas essas movimentações [do Banco Central] visam melhorar concorrência e democratizar crédito.
Ingrid Barth, vice-presidente eleita da ABStartups e atual diretora da ABFintechs.
“Hoje as instituições de pagamento podem ou não oferecer uma conta, podem ou não oferecer um cartão de crédito vinculado com a conta”, disse, citando o caso do Nubank, que no início de suas operações oferecia apenas um cartão de crédito, sem conta digital atrelada. Foi somente depois que o Nubank obteve a licença do Banco Central para operar como instituição financeira que a startup passou a oferecer a NuConta.
Até hoje, as fintechs conseguiam se enquadrar na legislação de instituição de pagamento sem necessariamente ter uma licença específica. “O Banco Central entende que enquanto você não traz nenhum risco sistêmico, enquanto você é pequeno, não é necessária essa licença. Mas é necessário um banco parceiro para fazer a custódia desses recursos”, explica Barth. As instituições sem licença do BC precisavam necessariamente deixar 100% dos recursos dos depósitos à vista sob a custódia em um banco. “Isso garantia minimamente o risco de liquidez e esses valores eram obrigados a focar em título público”, explica Barth.
Mas então quando que a fintech precisa de licença para ser uma instituição de pagamento? Quando ela atinge uma volumetria que faz o Banco Central a ver como uma fonte de risco sistêmico. E isso não é medido apenas por transações. Se a instituição já tem um milhão de clientes ela já é relevante para o mercado e para o Banco Central.
“Meu entendimento com relação à consulta pública é que, o BC com o PIX, o open banking e projetos relevantes que visam modificar as estruturas que a gente conhece hoje, quer abrir o mercado tradicional e ter mais cuidado. As regulações visam a abertura para o mercado com um nível de cuidado mínimo e responsabilização, uma licença para os projetos terem sucesso”.
Para ela, continua sendo mais fácil serem uma instituição de pagamento do que um banco comercial, já que uma licença de banco depende de um capital mínimo de R$ 40 milhões a R$ 50 milhões. “Na consulta pública foi falado de um mínimo de R$ 1 milhão para a licença. O mesmo valor que é exigido para se tornar uma SCD (Sociedade de Crédito Direto). Então continua sendo muito mais flexível do que quando você compara com a licença bancária tradicional, mas obviamente com as limitações de produto”, afirma.
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Para Barth, a regulação visa regras mais claras e a proximidade do Banco Central do Brasil com essas entidades, protegendo o sistema financeiro nacional. “R$ 1 milhão para quem está ofertando conta de pagamento garante minimamente a infraestrutura necessária e os cuidados necessários de tecnologia, risco, compliance e responsabilizações de maneira geral para acomodar tudo isso. Tem muito projeto acontecendo, PIX, open banking, novas entidades surgindo, muito movimento no mercado. Um dinamismo que o BC quer garantir minimamente que essas instituições acompanhem”.