Políticos adoram bravatas. E não nos enganemos: eles as usam conscientemente, sabendo o que estão fazendo, mesmo quando tentam fingir o contrário. Inúmeras fanfarronices são ditas em Brasília todos os dias. Boa parte delas acaba virando notícia.
É nesse contexto que precisamos interpretar as declarações de Jair Bolsonaro sobre a vitória de Alberto Fernández na vizinha Argentina. Eleito no último dia 27, o candidato do kirchnerismo levou a disputa no primeiro turno e será empossado em 10 de dezembro.
No dia seguinte à eleição, o presidente brasileiro, que estava em viagem pela Ásia e pelo Oriente Médio, disse lamentar a vitória da chapa que tinha como vice a ex-presidente Cristina Kirchner, alvo de uma série de acusações de corrupção. No fim do ano passado, aliás, a então senadora teve a sua prisão decretada no âmbito de investigações sobre o pagamento de propinas milionárias por empresários responsáveis por obras públicas — em esquema semelhante ao do PT no Brasil -–, mas o Congresso argentino acabou a livrando da cadeia.
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“Lamento. Eu não tenho bola de cristal, mas eu acho que a Argentina escolheu mal”, disse exatamente Bolsonaro.
Parte da imprensa noticiou que Bolsonaro “apoiou” o derrotado candidato à reeleição, Maurício Macri.
Ora, Bolsonaro não pode ter apoiado ou deixado de apoiar ninguém na eleição do país vizinho. No máximo, ele torceu pela vitória de Macri, por questões óbvias, a de não desejar o retorno da esquerda na América Latina
Essa diferenciação — entre apoiar e torcer — é importante de ser pontuada para avaliarmos de maneira mais palpável o que pode representar para as relações entre os dois países a vitória de Fernández.
Vejamos o que também disse Bolsonaro no dia seguinte à eleição:
“Não pretendo parabenizá-lo. Agora, não vamos nos indispor. Vamos esperar o tempo para ver qual é a posição real dele na política, porque ele vai assumir, vai tomar pé do que está acontecendo e vamos ver qual linha que ele vai adotar.”
Dias depois, o presidente brasileiro já havia amenizado um pouco mais o tom e antecipava que não haveria qualquer retaliação de sua parte após a celebração da esquerda nas urnas argentinas. E é exatamente o que deve acontecer: embora ideologicamente em campos opostos, os governos bolsonarista e kirchnerista vão optar pelo pragmatismo.
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Bolsonaro não vai à posse de Fernández, é verdade. Pode-se até questionar a ausência dele do ponto de visto diplomático, mas não não daria para esperar nada diferente disso do presidente brasileiro. No lugar dele, representando o governo, irá o ministro da Cidadania, Osmar Terra, que, certamente, estará na Casa Rosada sorrindo e pronto para dar tapinhas nas costas de muita gente.
O certo é que há muita incerteza em relação ao que será o novo governo na Argentina. E, diante de incertezas, o pragmatismo costuma ser a postura mais confortável
As reformas propostas por Macri não deram certo. Ele prometeu o que não conseguiu entregar e o país se dilacerou economicamente (de novo). Não haverá espaço, portanto, para populismos irresponsáveis, com o perdão do pleonasmo.
Brasil e Argentina são parceiros comerciais de longa data e de extrema relevância um para o outro. Na região, o país vizinho é nosso principal parceiro. Nenhum dos dois está em condições de abrir mão dessa parceria em razão da cor da gravata do presidente alheio.
Bolsonaro continuará dando suas cutucadas no governo vizinho. O mesmo vale para Fernández, que abraçou a bandeira “Lula livre” e, durante a campanha, visitou mais de uma vez na cadeia o ex-presidente brasileiro, então presidiário, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.
Os discursos retóricos servirão para marcar posição e para compor a disputa ideológica na América Latina. Mas a vida vai seguir.
Em conversa por telefone no início deste mês, o professor Marcos Novaro, sociólogo e doutor em filosofia pela Universidade de Buenos Aires, me reforçou que será preciso esperar para ver se a diplomacia ideológica dará lugar a uma política mais pragmática entre os dois países.
Esperaremos.
Eu, porém, cravo que negócios são negócios, bravatas à parte.