mulher olha um outdoor numa comunidade pobre
Mulher olha publicidade pendurada na parede de uma casa na comunidade de Pirambu - CE. Foto: Outdoor Social/Divulgação
Economia

Com comércio que movimenta bilhões, favelas brasileiras serão determinantes para retomada econômica em 2021

Estudo mostra que potencial de consumo nas 10 maiores comunidades do Brasil é de R$ 159 bilhões; juntas elas geram cerca de 15 mil empregos formais

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Olhar as comunidades como potências criativas e consumidoras, fugindo do estigma da violência e da falta de estrutura urbana, é primordial para qualquer marca interessada em crescer no Brasil. É o que aponta um estudo da Outdoor Social, negócio social que atua com mídia e comunicação para a periferia desde 2012. De acordo com o estudo, o potencial de consumo das dez maiores favelas brasileiras é de R$ 159 bilhões. Nelas, 262 mil estabelecimentos comerciais movimentam a economia local e a do país como um todo.

Nos estudos da Outdoor, a metodologia usada engloba ferramentas de geolocalizacão com cruzamento de dados oficiais, como os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de bandeiras de cartão de crédito, Banco Central, Receita Federal, entre outros. 

O levantamento foi feito a pedido do “G10”, grupo de líderes das dez maiores favelas do país, entre elas a Rocinha (a mais populosa do Brasil, com mais de 100 mil habitantes) e Rio das Pedras, no estado do Rio de Janeiro; Paraisópolis e Heliópolis, em São Paulo; Cidade de Deus, no Amazonas; Pirambú, no Ceará, Coroadinho, no Maranhão; Baixadas da Estrada de Nova Jurunas e Baixadas do Condor, no Pará; e Casa Amarela, em Pernambuco.

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O nome G10 uma alusão ao G7, grupo formado pelos países mais ricos do mundo. 

Além de gerar dados para dar um norte às empresas que querem investir em favelas mas têm poucos números que as auxilie, o G10 também firma parcerias com negócios que já enxergam esse potencial de consumo. Uma delas é a startup de logística Loggi, que começou, há dois meses, um projeto piloto de entregas em Paraisópolis, cujo potencial de consumo – segundo maior comunidade periférica do país onde, segundo o estudo, o potencial de consumo é de R$ 578 milhões.

“Existem negócios de todos os tamanhos e pessoas de várias classes em Paraisópolis. E, quando se pensa na favela, não se fala de negócios como tração, mas somente no empreendedor individual” critica o co-fundador do G10, Daniel Cavaretti

Daniel Cavaretti, co-fundador do G10 Favelas, que reúne as maiores comunidades do Brasil. Foto: G10 Favelas/Divulgação.

De fato, a maioria das empresas nessas comunidades se enquadram como Microempreendedores Individuais (MEI) – 78% do total, segundo dados do levantamento. A modalidade foi criada em 2008 no Brasil estimular a formalizar de trabalhadores informais por meio do incentivo de uma carga tributária reduzida. Grandes empresas brasileiras, como O Boticário, Ricardo Eletro e Via Varejo já atuam nesses locais.

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A favela com a maior concentração de grandes empresas é Casa Amarela (PE), com 10 dos 22 estabelecimentos totais. “Puxar o crescimento econômico local vai gerar melhora em todas as outras áreas da favela, como o urbanismo, saúde, empregos”, acredita Cavaretti.

Quem compra e quem vende na favela

Fundadora da Outdoor Social e especialista  em estratégia de comunicação para as periferias, Emília Rabello já trabalhava com comunicação voltada para as classes C, D e E antes de criar o negócio de impacto social capaz de fornecer dados e análises assertivas sobre a economia e as oportunidades de negócios nessas comunidades. A incomodava o fato de só ser chamada para campanhas de saúde pública em favelas, por exemplo. Ela entendia que esses moradores são também consumidores e, portanto, público-alvo de uma infinidade de áreas da economia. “Sabia que eram (consumidores) cauda longa, tinham um ticket médio menor mas o volume trazia o resultado. Não adiantava eu falar para os meus clientes e mostrar fotos, mas sim trazer dados e ferramentas para fornecer estudos e números, que são pouquíssimos sobre esses territórios”, diz ela. 

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Restaurantes, pequenos mercados, salões de beleza e lojas de roupas são os empreendimentos comerciais predominantes nessas comunidades, segundo o levantamento da Outdoor Social. “Ou seja, são coisas do dia a dia. O litro de leite, o feijão”, pontua Rabello, que frisa, ainda, que esses empresários estão “nadando contra a maré” quando se analisa o atual contexto da economia brasileira.

Para exemplificar essa diferença: 89% dessas empresas não demitiram    seus funcionários durante a pandemia do novo coronavírus, ainda em curso no Brasil. Já no setor de construção civil como um todo, mais de 40% realizaram desligamentos; no comércio e nos serviços em geral essa porcentagem ficou em 30% em média, segundo o IBGE.

Na análise da fundadora da Outdoor Social, esse porcentual baixo de demissão nas favelas se deve a dois fatores: o fato de esses comércios terem poucos funcionários, e o de existir uma característica de solidariedade nessas comunidades que vai além da relação comercial. “Quem trabalha é sempre uma pessoa muito próxima, é da natureza desses negócios. O cara diminuiu o ritmo, mas não parou, justamente para manter essas relações”, fala.

Valorizar a cultura da favela, com seus signos e símbolos, e trazer a propaganda para dentro das periferias, além de abrir espaço para atender serviços como delivery são algumas tendências apontadas por Rabello para marcas e empresas que desejam vender a esse consumidor. Mesmo com a expansão forte de compra e venda online no Brasil e em países latinos, quem vive nas comunidades relata dificuldades em obter serviços triviais para pessoas do “asfalto”, como pedir uma comida ou uma corrida via aplicativo.

De fora para dentro ainda existe muito preconceito, e o que surge são iniciativas na favela nos mesmos moldes. Quando coloco publicidade em uma favela eu valorizo aquele território, falo desse poder econômico. Nossa cultura não é feita só por uma elite minoritária

EMÍLIA RABELLO, Fundadora da Outdoor Social e especialista  em estratégia de comunicação para as periferias.