Eleito em 2015 com um discurso liberal, Mauricio Macri implantou uma série de medidas de austeridade na Argentina, levantou a bandeira do fim dos subsídios e instituiu a livre flutuação do peso argentino. Com isso, conseguiu reduzir o déficit público do país e negociou, entre 2017 e 2018, um empréstimo de US$ 57 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), que ainda não foi liberado. Para o mercado internacional, parecia ser o começo de uma nova fase econômica, mas setores cruciais, como o industrial, demoraram a responder. A inflação estourou – deve chegar a mais de 57% até o fim de 2019 – e a dívida do país continuou alta, deixando pouco espaço para investimentos. O FMI não vai liberar o empréstimo sem ter a sinalização concreta de que reformas serão feitas – o que agora também depende do resultados das eleições, cujo primeiro turno é neste domingo (27).
Ao mesmo tempo, a pobreza, uma das temáticas centrais da campanha eleitoral de Macri, voltou a crescer, atingindo 35,4% da população, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística no início deste mês – quando Cristina Kirchner deixou a Casa Rosada, em 2015, eram 29%.
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É justamente a ex-presidente que compõe a principal chapa opositora dessas eleições, desta vez como vice de Alberto Fernández. Eles saíram vencedores das primárias em agosto.
Instituídas pelo ex-presidente Nestor Kirchner, as primárias existem para que o eleitorado argentino indique quais candidatos de cada partido devem concorrer à eleição. Desta vez, como cada partido deu apenas uma chapa como opção, as primárias acabaram sendo uma super prévia do primeiro turno.
Mais abrangente do qualquer pesquisa eleitoral poderia ser, já que exige que todos os eleitores compareçam, o resultado das primárias foi de 47,65% dos votos para chapa de Alberto e Cristina, e 32,08% para a de Macri e o senador peronista Miguel Ángel Pichetto.
Esse resultado ajudou a acirrar a crise do câmbio no país e levou Macri até mesmo a tomar medidas populistas, como o congelamento de tarifas de serviços e combustíveis.
O jornalista José Del Rio, do La Nación, lembra que antes das primárias o sentimento internacional em relação à Argentina era positivo. O dólar estava estável e as ações de diversas companhias argentinas, em alta. Tudo mudou após a sinalização de que um governo de centro-esquerda, com propostas bem diferentes das de Macri, podem assumir o país. Mas isso não quer dizer que o atual presidente seja, necessariamente, a melhor solução para o país. “Em 28 de outubro, as cartas que Alberto e Macri serão reveladas, mas a verdade é que as promessas de campanha de ambos os candidatos são impossíveis de cumprir”, avaliou Del Rio.
O caminho para o país sair do atoleiro, alertam os especialistas, é longo e complexo. Mas três pontos resumem os desafios do próximo governo da Argentina:
1. Em recessão desde o 2º trimestre de 2018
A Argentina está tecnicamente em recessão desde o segundo trimestre de 2018. No ano, a queda no PIB foi de 2,5%. Antes disso, de 2012 a 2018, o crescimento da economia foi de apenas 0,5%. Para 2019, segundo projeções do FMI, o recuo pode ser de 3,1%.
Enquanto Macri argumenta que quatro anos são pouco para arrumar a casa e que um segundo mandato dará conta do recado, Fernández apela para o “diálogo”, dizendo que reunirá os principais setores do país para encontrar a melhor saída.
O cenário é realmente complicado. A dívida do país, segundo informações da AFP, chega a US$ 315 bilhões – valor que o governo diz equivaler a 68% do PIB do país, enquanto agências de classificação de risco dizem ser quase 100%. Enquanto Macri pedir um adiamento para pagar a dívida, demonstrando que pode haver mais um calote na história do país. Fernández se diz contrário a isso, mas, nas entrelinhas, ele fala, sim, em renegociação, ao declarar em oportunidades diversas que a Argentina deve pagar a dívida a medida que voltar a crescer.
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Segundo a AFP, o ministro das Finanças, Hernán Lacunza, disse que não importa quem seja o vencedor. Logo após o resultado, o novo presidente precisará negociar uma saída amigável com os credores o mais rápido possível.
Além da questão da dívida, e do câmbio, do qual falaremos a seguir, a queda no consumo e as taxas de juros que até 80% ao ano (que tentam conter a fuga de divisas) também dificultam qualquer recuperação.
2. A crise do câmbio e a escalada da inflação
O salto do câmbio e a escalada da inflação são dois dos pontos de maior tensão entre governo, setor produtivo e a população. Não só empresas estão sofrendo para honrar contratos numa economia altamente dolarizada como a argentina, como as famílias estão sofrendo para fazer seu poder aquisitivo valer no caixa do supermercado. Os argentinos vivem com uma inflação de dois dígitos desde a crise de 2001, mas a situação piorou muito ao longo do tempo.
Como já mencionado, o FMI estima que a inflação chegará a 57% no fim de 2019. Ao mesmo tempo, as reservas do país para conter a alta do dólar estão no limite. É que, diferentemente do Brasil, o Banco Central argentino tem uma quantia disponível pequena como margem de manobra.
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A maior parte dos ativos não podem ser usados porque são linhas de empréstimo, título de dívida nas mãos do FMI e mesmo poupança de investidores locais. No fim de agosto, segundo informações da Amherst Pierpont Securities dadas ao jornal O Globo, as reservas disponíveis do BC argentino eram de US$ 9,7 bilhões. O total de reservas, incluindo o que não pode ser usado, já estaria abaixo dos US$ 50 bilhões. Alguns apostam que após as eleições o quadro se acalme; outros que o quadro piore. Nesta sexta-feira (25), às vésperas do primeiro turno das eleições, o dólar fechou cotado a 60.50 pesos argentinos.
3. Desemprego e pobreza em alta
Também neste ano, a taxa de desemprego, que se manteve relativamente estável nos anos anteriores, voltou a crescer e está em 10,1%, acompanhada de um crescimento também na subocupação da população economicamente ativa da Argentina e da informalidade. E nesse ponto os dois principais candidatos têm propostas totalmente opostas: Macri quer uma reforma trabalhista (bem similar àquela já implementada no Brasil); Fernández não cogita nenhuma reforma, pelo contrário quer firmar um pacto de não demissão com os empresários apostando em medidas que aumentaram o consumo e, em consequência, gerariam mais oportunidades de trabalho.
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A pobreza também está em alta no país. Conforme já mencionado, o índice divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) passou de 29% da população em 2015 para 35,4% neste ano – é o maior índice em uma década. O Indec calcula o índice a partir de um conjunto de necessidades básicas, como alimentos, bens e serviços essenciais, como transporte e saúde. O dado divulgado no início deste mês também indica que 50% das famílias argentinas têm renda de 28.591 pesos (o equivalente a R$ 1.944 ou US$ 486), valor abaixo daquele necessário para comprar uma cesta básica na Grande Buenos Aires, de 31.148 pesos (R$ 2.118 ou US$ 529.5).
Para essa questão, Fernández já mencionou que pretende “unir”entidades de economia popular e empresas em alguma ação capaz de reduzir os preços de alimentos básicos, colocando em prática uma política de segurança alimentar. Já Macri diz que é preciso consertar a economia do país como um todo para que essa situação se reverta realmente.