Desde a aprovação pela Câmara dos Deputados, em maio, da Medida Provisória que permite que companhias aéreas com 100% de capital estrangeiro operem no Brasil, a movimentação de players internacionais interessados em operar tanto voos domésticos quanto internacionais no país tem sido crescente. Em três meses, cinco companhias de baixo custo (low-cost) já pediram para voar no Brasil.
Flybondi, Sky e Norwegian Airlines são as aéreas que chegaram com a intenção de dominar os voos internacionais low-cost no país. Na semana passada, mais uma concorrente se junto à lista: a chilena JetSmart. Já a Air Europa, do grupo Globalia, aguarda autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para operar voos domésticos.
“Todas [Flybondi, Sky e Norwegian Airlines] tem programas próprios de fidelidade e não fazem parte das principais alianças que voam para cá. Isso é interessante no sentido de formação do preço final para o cliente,” afirmou Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, em entrevista ao LABS.
“Ainda estamos num momento bem incipiente do processo, onde as rotas feitas pelas low-cost não tem uma representatividade tão forte no somatório da malha aérea internacional, mas certamente as novas cias são uma opção para os clientes que buscam economia na prestação do serviço aéreo.”
Ao contrário do “semi-oligopólio” que domina a aviação doméstica no Brasil, no cenário internacional, o panorama é um pouco diferente. “Vemos uma dominância da Latam, mas há sim uma competição. Percebemos ao menos 15 empresas disputando o mercado internacional do país.”

Mirando em um público que difere das companhias tradicionais – por abrir mão de serviços como bagagem despachada, refeições à bordo e outros benefícios – as empresas low-cost prometem redinamizar o setor, fomentando o turismo sobretudo para essa parcela de consumidores mais sensíveis a preço.
No caso da Air Europa, Arbetman acredita que o efeito sobre o mercado será menor. De olho nas principais ponte-aéreas do país, a companhia espanhola também opera alguns destinos internacionais por aqui; sobretudo em São Paulo e no Nordeste, de onde saem seus voos para a Europa. Mas dado o tamanho da frota global da companhia hoje, de 52 aviões, seu impacto no mercado doméstico não deve incomodar as líderes do setor.
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“Do ponto de vista do consumidor é extremamente interessante [a entrada de novas empresas] […] É preciso que o governo se envolva, melhore as infras dos aeroportos, reveja a política de QAV [querosene da aviação] e sobretudo a questão da bagagem, já vetada pelo presidente Bolsonaro na [Medida Provisória] 863, mas nada impede que novas tentativas sejam feitas”, explanou Arbetman.
A isenção de pagamento para despacho de bagagem foi extinta em 2016 e virou alvo de veto do presidente em junho, após ser incluída por parlamentares ao texto da mesma MP que passou a permitir que as aéreas estrangeiras operassem no Brasil. A
A volta da obrigatoriedade do despacho gratuito de bagagem, tanto em voos domésticos quanto em voos internacionais, poderia afetar a entrada de novos players low-cost no país. O Congresso ainda precisa analisar o veto de Bolsonaro para que a questão seja definida.
Ação e reação: como as líderes locais estão se preparando para a concorrência estrangeira
Para fazer frente à entrada desses novos players, as companhias locais apostam em outros benefícios ao consumidor. “A tendência nacional é de as empresas atuais não low-cost investirem cada vez mais em fidelidade para fazer frente a nova onda”, explica Arbetman.
Na última quinta (29), o presidente da Azul, John Rodgerson, disse ao Valor que a companhia investirá US$ 1,5 bilhão em 30 novos aviões ainda neste ano. “A alta recente do dólar está nos obrigando a buscar antecipar a compra dos aviões, que são mais econômicos”, disse o executivo. Além do investimento, a Azul também comentou sobre o lançamento de novos destinos – de seis a oito por ano – a serem lançados nos próximos cinco anos.
Para o presidente da Azul, o investimento de US$ 250 milhões anunciado pela Latam para reformar aeronaves no Brasil, é uma reação à entrada da Azul na ponte aérea SP-Rio. “Acho que estão querendo melhorar o serviço por causa da nossa concorrência. A qualidade de todos vai melhorar por causa da Azul”, declarou ele ao Valor.
A Azul, aérea que teve a melhor performance no segundo trimestre em termos de lucratividade, também aproveitou um positivo momento de mercado com a redivisão dos slots (horários de pousos e decolagens disponibilizados pela ANAC para as cias aéreas) da Avianca em Congonhas. A companhia, que possuía 26 horários de pousos e decolagens no aeroporto, recebeu mais 15 na nova partilha.
Arbetman aponta que a suspensão das operações da empresa teve, em realidade, grande parcela de atuação nos resultados, não só da Azul, como também das outras principais aéreas brasileiras no segundo trimestre. “Tanto Gol como Azul surfaram como nunca num mercado onde a concorrência foi menor”, disse Arbetman.
Todas as companhias, até mesmo a Avianca, aumentaram o preço neste último trimestre. Métricas como load factor (ocupação média) e RASK (receita operacional dividida pelo total de assentos-quilômetro oferecidos) aumentaram fortemente.
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos

Mas para o especialista, mesmo com a redivisão dos slots de Congonhas da Avianca e um suposto acirramento na competição entre as três principais aéreas, a redução de preços para o consumidor não será duradoura, mas apenas imediata.
“Latam e Gol operam juntas 470 slots em Congonhas. Ou seja, possuem atualmente mais de 87% dos voos do terminal. Como a rota Rio-SP é a mais premium do país, certamente as gigantes lamentam não ter conseguido ampliar suas presenças no aeroporto”, apontou Arbetman. “Mas não acredito que esta nova divisão possa causar uma revolução nos preços do terminal. A Azul até estreou a rota com preço promocional, mas acredito que com o passar do tempo, os preços convergirão para o mercado e não vejo uma pressão muito forte sobre as margens das atuais majoritárias.”
Congonhas é o mais disputado aeroporto brasileiro, e a redistribuição dos slots da Avianca no terminal também roubou a atenção – e direcionou os esforços – de outras empresas brasileiras. Nas últimas semanas, a companhia aérea Passaredo adquiriu 100% das ações de outro player do setor, a MAP, ampliando sua presença no concorrido aeroporto de São Paulo.
Para o especialista, “A compra da MAP pela Passaredo, de fato, faz sentido, uma vez que a MAP não conseguiria operar os 12 slots que ganharam com seus aviões de menor porte […] Vejo como interessante num primeiro momento a entrada dos novos players, sobretudo a ampliação dos voos da Azul, mas não creio que a redução de preços se manterá no longo prazo.”
Temos um potencial enorme mas este potencial precisa ser melhor explorado. É preciso tanto união das forças políticas, assim como menor dissidência entre as aéreas.
Um setor que se comporta de forma agressiva, cenário de competição acirrada entre os players locais – e agora – entre as estrangeiras low-cost, a aviação, no entanto, ainda tem muito espaço de crescimento no Brasil.
“Evidentemente, o perfil do brasileiro ainda não mudou e o fato do viajante não conhecer as empresas, faz com que o processo seja um tanto mais demorado. Mas temos visto sucesso na atuação das empresas [low-cost] e uma demanda interessante”, explica Arbetman. “Acredito que, com o tempo e a entrada de novos players, este mercado irá se tornar ainda mais dinamizado e aí sim, poderemos ver mudanças mais significativas nos preços das passagens como um todo”.