O governo brasileiro lançou um novo lote de medidas para combater os efeitos da crise do coronavírus no emprego e no fluxo de caixa das empresas. O programa permite que as empresas reduzam os salários e a jornada dos trabalhadores ou suspendam temporariamente os contratos de trabalho. Para se candidatar, as empresas terão que preservar empregos após a restauração de salários e horas.
Ele se une a uma recente iniciativa do governo que tem como objetivo manter uma renda mínima para as pessoas em uma posição econômica mais frágil. Uma medida que já tinha sido aprovada pelo Congresso e aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro transferirá R$ 600 (US$ 114) mensais para trabalhadores informais brasileiros por três meses consecutivos.
Outra nova iniciativa foi dar aos brasileiros mais tempo para entregar suas declarações de imposto de renda. Inicialmente planejado para terminar em 30 de abril, o prazo para envio de formulários à Receita Federal foi prorrogado em 60 dias.
Um terceiro alívio também é fiscal, embora para as empresas: a Receita Federal adiou a necessidade de pagamento mensal de dois impostos federais e a contribuição dos empregadores para a Previdência, além de suspender o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre crédito transações por 90 dias.

Roberto Piscitelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), diz que o cenário é “assustador” e as medidas governamentais, embora positivas, ainda são tímidas. “O governo está encarando tudo com muita tranquilidade e me parece que está adota medidas paliativas, que apenas remedeiam a crise no mercado de trabalho, mas não revigoram a economia”, disse ele ao LABS.
Empregos versus ganhos
De acordo com o esquema destinado a manter os postos de trabalho, as empresas poderão reduzir salários e horas em 25%, 50% ou 70%, com uma redução proporcional nas horas de trabalho por um período de três meses, e o governo compensará parcialmente os ganhos perdidos dos trabalhadores. O Tesouro cobrirá o mesmo porcentual de redução, porém calculado sobre as parcelas do seguro-desemprego, não sobre o salário mensal do trabalhador – o que pode resultar em significativas perdas de renda para empregos bem remunerados.
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As empresas podem optar por suspender os contratos dos trabalhadores por até 60 dias, mas terão que pagar 30% dos salários como remuneração. Por outro lado, de acordo com o Ministério da Economia, os cargos serão mantidos até que o pior da crise tenha passado. Após o término do programa, as empresas que aceitarem ajuda do governo não poderão demitir funcionários pelo mesmo número de meses em que os salários foram mantidos reduzidos ou os contratos forem suspensos.
O Ministério da Economia diz que o programa pode poupar até 12 milhões de empregos e custará ao Tesouro R$ 51 bilhões (US$ 10 bilhões). Mas a medida também atrai críticas. O principal problema parece ser a possibilidade, instituída em Medida Provisória, de as empresas reduzirem salários e horas de trabalho em acordos individuais com trabalhadores.
“Não havia outra alternativa ao governo federal senão adotar tais medidas, contudo é de se ressalvar que em momento de grande fragilidade, pelo momento social e de crise econômica que atravessamos, impor ao trabalhador a negociação individual, pode acabar estabelecendo uma imposição”, afirma Fábio Luiz de Queiroz Telles, professor de direito do trabalho e das empresas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em entrevista ao LABS.

Uma exigência de negociações sindicais obrigatórias para reduzir salários e suspender contratos traria maior segurança jurídica aos trabalhadores.
Fábio Luiz de Queiroz Telles, professor de direito trabalhista e corporativo da PUCPR
As medidas fazem parte de um pacote governamental de R$ 200 bilhões (US$ 38 bilhões) para proteger empregos e ajudar empresas, segundo o ministro da economia, Paulo Guedes. As medidas tributárias anunciadas totalizam R$ 87 bilhões. Existe uma renúncia de R$ 7 bilhões relacionada ao corte de IOF. Os outros R$ 80 bilhões virão do adiamento de contribuições para a Previdência Social.
A flexibilidade nas regras trabalhistas para pequenas e médias empresas é boa, mas Piscitelli acredita que as reduções deveriam ser limitadas a 25% dos salários e horas, para não deprimir ainda mais a economia com a falta de renda entre os trabalhadores. “Deve ser dada a máxima atenção às micro e pequenas empresas, tanto na forma de cortes e adiamentos de impostos, quanto na preservação de posições de trabalho. Adiar a cobrança de impostos é uma boa medida adotada pelo governo”.
Economia informal
Mas, segundo Piscitelli, o governo deveria gastar quantias maiores, e por um período mais longo, em transferências diretas de dinheiro. Mas o professor acha difícil que isso aconteça, pois a equipe econômica do governo vem de uma escola liberal ultraortodoxa.
O desemprego inevitavelmente aumentará. Haverá mais trabalhadores em uma situação informal e eles precisarão de ajuda. Nas circunstâncias atuais, não deve haver preocupações com déficits orçamentários
Roberto Piscitelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB).
O Brasil gastará cerca de R$ 98 bilhões (US$ 19 bilhões) para tentar ajudar 54 milhões de trabalhadores informais afetados pelo isolamento social em todo o país. Bolsonaro disse que as transferências de R$ 600 por mês devem começar na próxima semana.
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Os cidadãos habilitados devem ter mais de 18 anos de idade e não ter emprego formal; não receber benefícios assistenciais ou previdenciários, como seguro-desemprego ou transferência de renda federal, exceto o Bolsa Família; ter renda per capita de até 50% do salário mínimo ou renda familiar total de até três salários mínimos (R$ 3,135); não ter tido renda tributável acima de R$ 28.559,70 em 2018.
Cerca de 11 milhões de pessoas (17,3% dos potenciais beneficiários) não estão registradas no Cadastro Único, o banco de dados oficial que identifica famílias de baixa renda no país e que será usado pelo governo a transferir a bolsa mensal. Os funcionários terão uma tarefa extremamente difícil de registrar todas essas pessoas em um curto espaço de tempo para que possam obter a assistência.