Andrés Manuel López Obrador, presidente do México, e Jair Bolsonaro, presidente do Brasil.
Economia

O que esperar do fator político na recuperação de México e Brasil

A extrema tensão política no Brasil e o receio da impopularidade no México são desafios para os líderes dos dois países na fase de recuperação

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A América Latina é o novo epicentro da pandemia do coronavírus, respondendo por metade de todas as mortes por COVID-19 no mundo, segundo dados de junho. Diferentemente do que fizeram países desenvolvidos, as duas maiores economias da região começaram a reabrir suas economias enquanto ainda experimentam o pico da doença, na esperança de iniciar o quanto antes seu longo processo de recuperação, e aliviar prejuízos fiscais futuros. 

Para especialistas ouvidos pelo LABS, contudo, atrair investidores estrangeiros para impulsionar o investimento privado como principal fator de retomada não será uma tarefa fácil nesses dois países, pois dependerá do reequilíbrio político interno e, consequentemente, da melhoria das imagens externas dessas duas economias lá fora.

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Segundo o Banco Mundial, as economias emergentes e em desenvolvimento encolherão pela primeira vez em pelo menos 60 anos em razão da COVID-19, com uma contração estimada em 2,5% neste ano. Os países da América Latina e o Caribe sofrerão a maior queda do PIB: 7,2%, em razão da ainda alta dependência dessas economias das commodities.

Brasil e México traçaram história semelhante na pandemia. No início,oO presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador mostraram descrença com as consequências da COVID-19, não recomendando abertamente as medidas de isolamento. Agora, os dois líderes apostam na reabertura econômica em meio ao auge da pandemia.

Como as autoridades acreditam que a reabertura é a melhor maneira de lidar com o desemprego, as atividades estão retornando pela pressão econômica e pelo alto custo político de manter a população sem circular. No Brasil, a extrema tensão política, e no México, o receio da impopularidade, são os principais desafios dos dois líderes nessa fase de recuperação.

AMLO começou a reabrir as atividades no México no começo de junho. De todos os países da OCDE, o México é o que menos promoveu testes de coronavírus, mas o Brasil ainda é o país com a situação mais grave da região. São Paulo, com 156 mil casos, é o epicentro da pandemia do país e reabriu o comércio no dia 10 de junho.

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O comportamento desses dois países diante da pandemia não difere do comportamento dos países desenvolvidos à toa. Enquanto os países desenvolvidos conseguiram manter suas economias fechadas durante o período de confinamento, na América Latina, uma região que agrega frágeis redes de saúde e proteção social, isso não foi possível.

Luís Felipe López-Calva, diretor regional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e assistente do secretário-geral das Nações Unidas, disse, durante o curso Jornalismo em Pandemia do Knight Center de Jornalismo nas Américas, que quando a economia parou por conta da emergência sanitária, as empresas latino-americanas começaram a ter problemas de liquidez e não conseguiram pagar salários. Eventualmente, tiveram que despedir. Em economias de informalidade recorde como a mexicanas e a brasileira, o efeito disso é devastador.

“As pessoas começaram a perder empregos e pararam de receber salários. Algumas delas têm economias para lidar com isso, mas muitas não”, lembrou. Segundo Calva, na região, estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas voltem à pobreza após um período de 15 anos de redução nos índices de pobreza.

Momentos econômicos diferentes, ambos interrompidos pela COVID-19

Alberto Pfeifer, empresário, consultor e pesquisador em Assuntos Estratégicos Globais da Universidade de São Paulo (USP) considera que o Brasil e o México estavam no início de uma recuperação econômica quando foram interrompidos pela pandemia.

“Nos anos anteriores, os dois países passaram por períodos distintos, no caso do Brasil em profunda crise e no caso do México de uma economia que não foi capaz de ter um crescimento consistente com as capacidades do país”, lembra Pfeifer.

Dois presidentes anti-sistema foram eleitos, dois presidentes que apresentaram propostas diferentes, um mais de esquerda, o AMLO no México, e o outro com uma visão mais pró-mercado, Jair Bolsonaro, no Brasil

Alberto Pfeifer, empresário, consultor e pesquisador em Assuntos Estratégicos Globais da USP

Segundo o analista, AMLO nunca conseguiu convencer investidores locais e estrangeiros quanto à força de suas propostas, ao contrário de Jair Bolsonaro, que no primeiro ano conseguiu aprovar a reforma Previdenciária e iniciou um processo de recuperação econômica com boas perspectivas para 2020.

Com a pandemia, no entanto, os dois países foram afetados de uma maneira que gerou enorme instabilidade interna, aumentando o risco percebido sobre esses dois países. Ele acredita que a redução dessa percepção de risco e a estabilização do fator político são essenciais para a recuperação econômica de ambos e dependerão de dois fatores principais, já mencionados lá no início deste texto: a capacidade de organizar o sistema político nacional para apoiar o governo central na retomada da economia, que exigirá medidas duras no lado fiscal como aumento das receitas tributárias; e melhorar a imagem externa desses dois países para atrair investidores estrangeiros de volta, seja para oportunidades financeiras locais, bolsas de valores e outras operações, ou para atrair investimentos em novos projetos de infraestrutura, novos equipamentos industriais.

Ouça o que mais Alberto Pfeifer tem a dizer sobre a recuperação do México e do Brasil em nosso podcast (em inglês).

O que preocupa os investidores sobre o Brasil? Não necessariamente a COVID-19

Thiago de Aragão, cientista político e diretor de Estratégia da Arko Advice, considera que a crise política no Brasil é a principal fonte de incerteza entre os investidores estrangeiros em relação aos investimentos de longo prazo.

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Ele acredita que os investidores desejam ter uma espécie de previsão de estabilidade e, embora possa ser possível calcular o impacto econômico da pandemia e a potencial recuperação do país, os investidores não podem fazer o mesmo em termos de comportamento político, nas palavras de Aragão.

Especialmente porque a fonte da instabilidade política no país na maioria das vezes vem do governo. Isso leva a um sentimento de insegurança porque eles (os investidores) não podem calcular o risco político de uma maneira precisa para calcular o quão estável ou instável será o ambiente daqui a um ou dois anos

Thiago de Aragão, cientista político e diretor de Estratégia da Arko Advice.

Para ele, em um contexto de grande instabilidade, a retomada dos investimentos no Brasil depende da análise de cada investidor em específico. Há, porém, pontos importantes que estimulam esses indivíduos a continuarem procurando o Brasil:

  • Em meio ao ambiente econômico, há um entendimento geral de que a queda da economia no Brasil foi liderada por um fator externo. Portanto, não foi baseado em um erro fundamental da atual equipe econômica;
  • O Brasil ficou barato por causa da taxa de câmbio;
  • Existem várias empresas no Brasil que são sólidas, rentáveis e com um fluxo de caixa decente, com margem para crescer;
  • Existem algumas propostas de privatizações, como a do sistema de esgoto, por exemplo, e mais adiante a da Eletrobras, que são de serviços específicos que, invariavelmente, as pessoas irão consumir;
  • Finalmente, diferentemente de outros países da América Latina, mesmo que as premissas econômicas do Brasil permaneçam em terreno instável, a constitucionalidade do país permanece sólida, isso é algo importante para atrair investimentos.
Ouça o que mais Thiago de Aragão tem a dizer sobre a recuperação do México e do Brasil em nosso podcast (em inglês).
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