Os 513 deputados federais e 81 senadores brasileiros decidirão nas próximas semanas um tema importante para a vida de milhões de brasileiros e para a economia do país como um todo. Depois de muitas idas e vindas, o Congresso Nacional finalmente colocará em votação uma proposta de reforma da Previdência Social.
Concebida pelo governo liberal de Jair Bolsonaro (PSL), que tomou posse em janeiro deste ano, a reforma é vendida como a única maneira de melhorar as contas públicas do país, reduzindo despesas e fazendo com que sobre dinheiro para investimentos. No entanto, como sempre acontece em democracias, há divergências: a oposição diz que o governo está meramente fazendo um ajuste fiscal em cima dos trabalhadores mais pobres.
Os números da Previdência brasileira são gigantescos como tudo que envolve o país. Em 2017, o regime geral, que paga aposentadorias e pensões para os trabalhadores da iniciativa privada, teve despesas de R$ 555 bilhões. Boa parte disso (R$ 120 bilhões) é destinada a trabalhadores rurais, em geral de renda mais baixa.
Outra quantidade imensa de dinheiro, R$ 333 bilhões, foi destinada no mesmo ano para as aposentadorias e pensões do funcionalismo público, o que inclui civis e militares. Somando ainda o Benefício de Prestação Continuada (BPC), uma modalidade de assistência social paga a quem não tem uma renda mínima para sobreviver, chega-se a R$ 934 bilhões, ou 14,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
A cifra que o governo e muitos economistas usam para defender a reforma, porém, não é nenhuma dessas. É a diferença entre o que a Previdência arrecada e o que paga. Um déficit que, a depender da conta, chegou a R$ 290 bilhões em 2018. Número que, num país carente de investimento em infraestrutura e com 12 milhões de desempregados, chama a atenção de qualquer um.
Novas regras
A reforma proposta pelo governo não é pequena. A primeira regra alterada é a que estabelece uma idade mínima para a aposentadoria. Hoje, há duas possibilidades diferentes de se obter o benefício: chegando a uma idade mínima ou pagando a Previdência por um período de 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens).
O governo de Bolsonaro quer acabar com a modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição, exigindo que todos os trabalhadores cheguem a 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens) para poder requerer a aposentadoria. O discurso é de que o país está envelhecendo e logo não haverá como arcar com o rombo previdenciário, a não ser que a atual geração faça sacrifícios. Ou seja, ao viver mais tempo depois de se aposentar, as pessoas estariam pressionando as contas do Estado.
O tempo de contribuição para receber integralmente a aposentadoria seria de 40 anos. A partir de 20 anos contribuindo, é possível requerer a aposentadoria, porém com um redutor de 40%. Quem exceder os 40 anos de trabalho pode chegar a 110% do valor do salário quando aposentado.
Outro ponto importante da reforma é uma nova regra para o BPC, pago para idosos em condição de miséria. Hoje, o início do recebimento é aos 65 anos, e o beneficiário recebe R$ 998. Pela proposta do governo, a idade mínima baixaria para 60 anos, mas o piso a ser pago seria reduzido para R$ 400, chegando ao valor atual só depois de dez anos.
Grande arquiteto da reforma, o ministro da Economia, Paulo Guedes, um liberal formado pela Universidade de Chicago, diz que há margem para negociar qualquer um dos pontos da proposta. O importante, do ponto de vista dele e dos governistas, é que o valor a ser economizado pelo governo com a reforma, previsto em pouco mais de R$ 1 trilhão ao longo de dez anos, seja mantido.
Longe do consenso
A reforma, porém, está longe de ser um consenso, tanto na sociedade quanto no Congresso. Embora Bolsonaro esteja no começo de seu governo e tenha uma fatia considerável do Parlamento em sua base, as mudanças são impopulares por atingirem uma quantidade imensa de eleitores, o que faz os políticos pensarem duas vezes antes de votarem.
Um dos problemas que dificultam a aprovação é a percepção de que nem todas as pessoas são afetadas da mesma maneira. Oriundo do exército, o presidente Bolsonaro, capitão reformado, assegurou aos militares, por exemplo, regras bastante mais suaves do que para os civis.
A reforma dos militares, apresentada cerca de um mês depois do projeto que mexe no bolso dos civis, causaria uma economia de R$ 97 bilhões ao longo de dez anos, contribuindo com quase 10% do que o governo pretende cortar no período. No entanto, para compensar a sua própria categoria, o presidente concedeu, no mesmo projeto, uma reestruturação das carreiras que consome boa parte disso: R$ 86 bilhões.
Outro argumento é o de que as empresas que são grande devedoras da Previdência não estão sendo cobradas com o mesmo empenho dedicado aos trabalhadores. Hoje, estima-se que empresários devam ao sistema cerca de R$ 450 bilhões – dinheiro que cobriria o rombo por apenas um ano e meio, nas contas mais drásticas, mas que certamente faz diferença na contabilidade do país.
Dificuldades e expectativa
Com tudo isso, a oposição à esquerda diz que a reforma não é justa. Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o país ao longo de três mandatos, a deputada Gleisi Hoffmann diz que a reforma é o “fim da seguridade social” no país e que, na verdade, seria apenas um modo de o governo economizar nas costas do trabalhador.
O governo federal também vem tendo problemas com a articulação dentro do Congresso. Pouco afeito a negociações, Bolsonaro bateu cabeça com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), supostamente seu aliado, em trocas públicas de farpas. O deputado chegou a ameaçar que deixaria a articulação da reforma, o que poderia causar sérios problemas para o governo.
Como exige mudança na Constituição, a reforma da Previdência exige aprovação por três quintos de cada uma das Casas do Congresso. Isso significa a necessidade de 308 votos na Câmara e de 49 no Senado. Antes de chegar a plenário, porém, o texto passa por uma comissão que julga a legalidade da proposta e por uma comissão destinada a examinar o mérito de cada ponto discutido.
Do ponto de vista dos partidários da reforma, embora traga algum peso extra para cada trabalhador, as mudanças serão benéficas para o país ao garantir um governo menos pesado, que cobre menos impostos e possa investir em infraestrutura para o crescimento da economia – o ciclo de estagnação e pequenos crescimentos do PIB nos últimos anos poderia se encerrar desta maneira.
O mercado financeiro nitidamente aguarda com ansiedade a aprovação da proposta. Nos últimos dias, o humor da Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, claramente se modifica de acordo com a chegada de notícias que pareçam favorecer ou dificultar o andamento da reforma.
Segundo o presidente da CCJ, primeira comissão que avalia a proposta, o projeto deve iniciar sua tramitação no início de abril. Não há prazo ainda para que o processo termine.