Muito além da ideia de mobilidade associada aos meios de transportes, temos de conectar aspectos como o planejamento urbano, a sustentabilidade, a tecnologia, a segurança e a saúde quando discutimos mobilidade urbana. Todos esses são fatores que interferem em hábitos e perfil de consumo e que estão intrinsecamente ligados à forma como nos locomovemos, especialmente no atual contexto. Afinal, a pandemia causou um choque social profundo, que não vai nos levar de volta ao ponto em que estávamos antes de seu início.
A pauta da mobilidade urbana é tão urgente e relevante não apenas porque todo mundo se desloca, pelas mais variadas razões e de diferentes maneiras, mas também pelo enorme impacto sobre a economia global, que depende do transporte de produtos e de pessoas para girar. Segundo dados do Oliver Wyman Forum, até 2030, o mercado mundial de mobilidade vai crescer cerca de 75%, saindo de US$ 14,9 trilhões em 2017 para US$ 26,6 trilhões em 2030.
Mesmo quando não nos locomovemos, estamos fazendo uma escolha de mobilidade. E quando nos locomovemos, podemos fazer muitas outras. Temos que olhar em perspectiva ao pensar no futuro da mobilidade e considerar a integração de modais, a busca por alternativas sustentáveis, com veículos autônomos e elétricos, bem como por soluções de Mobility as a Service (MaaS). É a transformação digital que permitirá vislumbrar as soluções para os principais desafios de mobilidade, nas rodovias que conectam o país e nas cidades, inclusive de uma perspectiva de consumo.
Nas rodovias, observamos demanda por novas soluções que impactam o fluxo de veículos de forma positiva. A passagem automática em pedágios, por exemplo, foi um movimento contundente de mudança e vem transformando o setor, à medida que as pessoas ganham tempo com o pagamento rápido, “invisível” e sem contato. Também ganha importância a adoção do sistema de pedágio free flow, em que a tarifa é cobrada proporcionalmente à distância percorrida, sem a necessidade de praças físicas. Ao permitir que os veículos circulem sem interrupção, a modalidade traz benefícios operacionais e de segurança, porque contribui para a equidade entre os usuários das vias. Ao mesmo tempo, pode alterar o equilíbrio financeiro de novas concessões, ampliando receitas, reduzindo custos e evitando evasões.
Há desafios, claro. No Brasil, 53% das passagens são realizadas na cabine automática e 47% na cabine manual, mas esse dado não reflete a realidade do país, sendo influenciado por São Paulo, onde a proporção é de 70% de pagamentos automáticos e 30% manuais. Há discussões sobre qual vai ser a tecnologia adotada para que o modelo funcione em sua plenitude, se por leitura ótica de placa (OCR), leitura de tag (RFID), ou solução mobile por geolocalização. Sabe-se, no entanto, que a tecnologia da tag, além de se provar mais precisa, já conta com uma base instalada em crescimento no país. No estado de São Paulo há três projetos de free flow sendo testados: em Campinas, Jundiaí e Mogi Mirim, e algumas novas concessões já devem iniciar as operações aderentes ao novo modelo.
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Nas cidades, a tecnologia tem impulsionado o desenvolvimento de todo tipo de solução de mobilidade, das vagas inteligentes ao pagamento automático de drive-thru, entre outros. Temos apps cada vez mais amigáveis, com facilidades que vão desde o apoio ao caminhoneiro a resolver burocracias de trabalho, até tecnologias de geolocalização que traçam itinerários de ônibus e ajudam o cidadão na decisão de rota.
As soluções não necessariamente precisam ser viabilizadas por meio de tecnologias supercomplexas ou produtos mirabolantes. Temos iniciativas de mobilidade compartilhada que, embora afetadas pela pandemia, têm potencial para o segmento individual. Há inúmeros cases de sucesso no Brasil, de startups de compartilhamento de bicicletas e carros.
Outra tendência iminente são os serviços pay-per-use, em linha com a ideia de MaaS, em que se privilegia a lógica do uso em vez da posse. As vantagens são diversas: preço, comodidade, tempo e facilidade, além de tirar do consumidor a responsabilidade pela parte burocrática. É o caso das assinaturas de veículos: todo o processo, da manutenção à revenda, fica por conta da empresa. Nessa mesma linha, há possibilidades diversas de parcerias para agregar valor e funcionalidade ao produto final, como serviços de assinaturas que já trazem automóveis com adesivos para passagem automática nos pedágios, a exemplo da parceria entre a Ford e a Veloe.
Temos também os carros elétricos em ascensão. Diversas marcas de automóveis já distribuem veículos elétricos e esperam ver esse volume crescer, especialmente na China, considerado o mercado mais promissor, que vem investindo pesadamente em subsídios e capacidade de fabricação. No Brasil ainda estamos engatinhando: os veículos elétricos correspondem a 0,04% do total de vendas. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a estimativa é de que 10% a 15% da frota brasileira será de elétricos em 2050 – e a meta esperada para o mundo é de 60% nesse mesmo ano.
A micromobilidade também é importante e, até pouco tempo atrás, era impensável que bicicletas, patinetes e scooters, por exemplo, pudessem conviver com veículos motorizados. Somente na China (ela de novo!), cerca de 700 milhões de viagens por dia foram feitas em e-bikes e e-scooters em 2020, de acordo com a consultoria WSGN. Por aqui, se em 2020 o mercado de bicicletas viveu um momento especial, o primeiro semestre de 2021 aponta que o segmento continua em alta: o país registrou média de 34,17% de aumento nas vendas de bikes em comparação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas).
Os dados e fatos mostram que o consumidor busca cada vez mais uma mobilidade mais fluída e ter poder de escolha sobre como se locomover. Precisamos estimular a discussão de como as cidades devem estar preparadas para um novo ciclo de mobilidade para melhorar a vida dos seus cidadãos, que querem se deslocar com agilidade, segurança, economia e o máximo de conforto possível.