Experts

Por que o Brasil não consegue crescer?

O IBGE recentemente confirmou o crescimento do PIB brasileiro na ordem de 4,6% em 2021. Contudo, considerando que a economia brasileira se retraiu perto de 4% em 2020 e que havia atravessado nos anos de 2015 e 2016 a pior recessão de sua história até então, o crescimento de 2021 serviu apenas para devolver o Brasil aos níveis de renda (em dólares) equivalentes àqueles existentes no fim da crise bancária de 2008/2009.

Nesse cenário de longa estagnação, naturalmente surge a questão: por que o Brasil, apesar de ser um país de renda média, não consegue crescer de maneira consistente e em longo prazo?

Com o objetivo de incentivar o debate e buscar indícios de resposta para a questão acima, conversei com Marcos Lisboa, economista, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003-2005, durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

Marcos Lisboa, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Foto: Insper/2018.

LEIA TAMBÉM: O fantasma (histórico) da inflação volta para assombrar o crescimento da América Latina em 2022

A tônica de Lisboa é de que são necessárias reformas estruturais para lidar com deficiências históricas brasileiras em termos de produtividade, mas que, por uma série de motivos que envolvem as próprias escolhas da sociedade brasileira, isso não tem sido possível.

A seguir, os principais trechos da conversa:

Eduardo Mattos – O Brasil está estagnado já faz algum tempo. Há a perspectiva de que nos tornemos um país velho, antes de um país rico. São necessárias, portanto, reformas. No debate político, aponta-se muitas vezes a falta de retorno ofertado pelo Estado brasileiro como o maior dos culpados para isso. Contudo, mexer no setor público não é suficiente: o país precisa de reformas que afetem também a estrutura produtiva do setor privado. Você concorda com essa avaliação ou acredita que os problemas privados surgem basicamente da utilização do setor público para atender determinados grupos de interesse?

Marcos Lisboa – É bom a gente dar dois passos atrás. Precisamos entender que reformas são um meio e não um fim.

Vamos resgatar um pouco a literatura econômica e a evidência empírica para entender porque alguns países crescem mais do que outros. Primeiro, a qualidade da educação importa muito. A renda das pessoas no mercado de trabalho decorre do capital humano e isso está muito relacionado ao aprendizado de linguagem e matemática cedo.

Segundo ponto importante é a capacidade de se investir em infraestrutura, que é algo complexo e que envolve a relação entre setor público e privado. A estrutura regulatória e os mecanismos de resolução de conflitos são muito relevantes para esses investimentos de longo prazo.

Terceiro, é perceber que as regras do jogo, as formas como as diversas instituições estão desenhadas, como no mercado de crédito, no judiciário ou na abertura ou fechamento de empresas impacta o crescimento.

Quarto, países subdesenvolvidos protegem empresas ineficientes. Essa proteção ocorre via barreiras ao comércio exterior ou benefícios tributários, por exemplo. Em países ricos, a diferença entre empresas boas e ruins é bem menor do que essa diferença em países pobres.

O Brasil vai mal em todos esses itens, o que resulta no baixo crescimento da nossa produtividade desde o fim dos anos de 1970. O resultado é que estamos empobrecendo em relação aos países desenvolvidos e muitos dos demais emergentes.

O pior é que nem conseguimos discutir esses pontos com cuidado, analisando a evidência disponível e as possíveis estratégias. O debate acaba na superficialidade da contraposição estado ou mercado. Não há mercado sem estado. A questão é como o estado intervém na atividade econômica e como melhorar a qualidade da gestão pública

Marcos Lisboa, economista, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003-2005.

Eduardo Mattos – E em que momento você acredita que o Brasil se descolou do caminho correto nesses pontos? Em termos de modelo de crescimento, o Brasil tenta crescer via industrialização desde 1930, quase sempre com proteções fornecidas aos produtos ou produtores nacionais. Por que esse modelo de substituição de importações [*obs.: substituir produtos importados por produção doméstica], a duras penas, funcionou durante um tempo e se esgotou completamente ao ponto de justificar a atual estagnação?

Marcos Lisboa – Funcionou em termos. Foi um processo muito acidentado, sempre seguido por alguma crise, como as graves crises que se seguiram às expansões das décadas de 1950 e 1970. Os anos 1960 e 1980 foram marcados por recessões, inflação elevada e crise nas contas externas. 

Eduardo Mattos – Quem ainda defende esse tipo de modelo costuma citar, por exemplo, práticas protecionistas e desenvolvimentistas da Coréia do Sul para justificar o milagre econômico ocorrido por lá. No que o exemplo histórico deles não pode ser replicado aqui?

Marcos Lisboa – A Coréia fez muita coisa e é difícil decompor a contribuição das diversas políticas. O país educou com qualidade toda a sua população, teve poupança elevada, nunca teve uma macroeconomia desequilibrada como a brasileira. Além disso, estimulou setores exportadores com meta de desempenho e penalidade em caso de fracasso.

Muitos outros países também tentaram se desenvolver por meio de substituição de importações em meados do século passado e fracassaram imensamente. Países do Oriente Médio, África e América latina. Esses planos nacionais de desenvolvimento eram moda nos anos de 1950 e 1960 e vários não deram certo. Não é trivial que eles funcionam. O problema é mais complexo do que muitos sugerem. Não basta o governo estimular a produção local que o país se desenvolve. Pelo contrário.

Crescimento se dá com ganhos contínuos de produtividade. Trata-se de um processo em novos produtos, formas de gestão ou variações, grandes ou pequenas, das técnicas produção são continuamente introduzidas. A empresa moderna de hoje pode ser candidata à falência em pouco tempo se descuidar das novidades da concorrência. Novas empresas surgem e as ineficientes fecham suas portas.

Agora, no Brasil a discussão fica apenas numa mudança de nível, como tentar desvalorizar o câmbio para tornar a indústria nacional mais competitiva. Mas isso somente mascara a realidade. O problema é que a média das nossas empresas fracassa em aumentar continuamente sua produtividade como nos demais países. Ficamos cada vez mais para trás. 

Nesse caso do câmbio, por exemplo, a proposta [usual] implica reduzir o salário real, porque o preço dos produtos estrangeiros sobe e o consumidor é prejudicado. Essa política é concentradora de renda. Mas, primeiro, não resolve o problema de fundo, que a nossa incapacidade de aumentar continuamente a produtividade média. Simplesmente variar o câmbio não resolve as razões de fundo do nosso baixo crescimento contínuo da produtividade

Marcos Lisboa, economista, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003-2005.

Segundo, há sérias dúvidas sobre o quanto o governo voluntariamente consegue intervir no câmbio de maneira sustentável sem criar graves desequilíbrios macroeconômicos. Terceiro, nos poucos casos em que há evidência relacionando câmbio desvalorizado e maior crescimento, isso ocorre em países pobres e o efeito é relativamente pequeno. Quarto, há um problema sério mesmo com essas estimativas, pois elas ignoram o impacto da poupança, que pode estar causando tanto o maior crescimento quanto o câmbio mais desvalorizado.

Os problemas com esse debate no Brasil não param por aí. Aqui nós confundimos “indústria” com “manufatura de montagem”. Em geral, o valor adicionado está no capital humano e não na simples montagem de produtos. Por exemplo, a Apple tem a concepção e criação de seus produtos nos Estados Unidos. Já a montagem é feita em países subdesenvolvidos, justamente aqueles que possuem mão de obra barata. Em geral, a margem obtida nessa etapa é muito baixa. Não é aí que está o valor adicionado relevante da produção, nem de longe. No Brasil, contudo, nós subsidiamos justamente essa parte pouco rentável da produção.

LEIA TAMBÉM: De olho nas regras da OCDE, governo vai zerar IOF cambial até 2029

Eduardo Mattos – O desafio do crescimento sustentável em longo prazo engloba, então, reformas voltadas à ampliação da produtividade. Ocorre que a maioria dessas reformas envolveria permitir a eliminação de mercado de quem é ineficiente. Esse seria o caso, por exemplo, de políticas como abertura comercial, fim de subsídios, alterações na dinâmica de falência. Ou seja, em curto prazo há demissões e quebras. Mesmo caso as reformas fossem executadas, como lidar com o contingente de desempregados, em níveis que atualmente já são historicamente altos, e a dificuldade da mobilidade da mão de obra em um país com problemas de desempenho escolar?

Marcos Lisboa – A política pública no Brasil é muito sensível a pressões de grupos de interesse, especialmente de políticas populistas de curto prazo. É uma vocação autoritária e intervencionista, em geral desinformada da evidência empírica, somente com base em intuições. E isso vale tanto para política pública tradicional, quanto para decisões do Judiciário.

O que não se percebe é que essas políticas e decisões judiciais protecionistas impedem que o capital e o trabalho sejam alocados de maneira mais produtiva. A miopia protege empresários em dificuldades e os empregos gerados no curto prazo, mas acaba prejudicando os ganhos de produtividade e a geração de empregos e de renda a longo prazo. Essa história de você querer produzir tudo dentro do país não funciona. Para empobrecer um país, basta torná-lo uma autarquia [*obs.: autarquia é, em economia, um sistema autossuficiente e com abertura comercial limitada]

Marcos Lisboa, economista, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003-2005.

Um exemplo disso é o das plataformas da Petrobrás, que tinham uma série de requisitos de conteúdo nacional [*obs.: limites mínimos de produção que deveria ser executada no Brasil ou por brasileiros]. Não tinha como simplesmente importar plataformas mais baratas de outros lugares e isso fez com que algumas áreas deixassem de ser exploradas. Um estudo da UFRJ constatou que o resultado líquido dessa política de proteção destruiu cerca de 60 mil empregos no país.

Eduardo Mattos – Voltando à questão pública, o Brasil possui uma elevada carga tributária (mais de um terço do PIB, em níveis comparáveis a países desenvolvidos) e, ao mesmo tempo, uma alta dívida pública para seu nível de desenvolvimento (próxima a 100% do PIB, o maior nível entre países em desenvolvimento). Ou seja, a entrada de recursos está próxima do limite – não há muito espaço para ampliar arrecadação ou endividamento. Mesmo assim, a entrega de serviços públicos é tida como de baixa qualidade. Onde está o problema?

Marcos Lisboa – O Brasil anda caminhando na contramão de boa parte do mundo. Temos um estado bastante caro para um país emergente e a má notícia é que nossa política pública é pouco eficaz. Gastamos muito com educação para obter um desempenho bem pior dos nossos alunos em comparação com outros países e não conseguimos avançar. Mesma situação acontece com a produtividade do trabalhador. Projetos de infraestrutura estão parados mais por problemas de projeto e de execução do que por falta de orçamento, apesar do problema fiscal.

O estado acaba capturado por pequenos grupos de interesse. Achamos razoável o estado sair distribuindo benefícios. Isso que é surpreendente. Há cerca de uma década usei a expressão “país da meia entrada”. Embora essas pressões existam em todo lugar do mundo, o que choca é o tamanho dessas distorções. É generalizado

Marcos Lisboa, economista, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003-2005.

O resultado é que qualquer agenda para reduzir essas distorções enfrenta grande resistência de grupos de interesse.

Por exemplo, fala-se muito em educação em parte do debate público, mas não discutimos métricas para aferir aprendizado de nossos alunos ou implementar políticas públicas para melhorar as notas dos alunos em português e matemática no fim do ensino fundamental. Só discutimos aumentar os recursos para educação, que acabam quase que totalmente sendo absorvidos em aumento de salários, aposentadorias e pensões de forma automática, sem qualquer compromisso com a melhora do aprendizado, como foi o caso do novo FUNDEB [*obs.: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que definiu formas de financiamento e direcionamento de recursos no sistema público de ensino no Brasil].

Quando se fala em reforma tributária, em migrar para um regime mais simples em que todos sejam tributados de forma uniforme, vários setores reclamam. Uma grande parte das empresas tem algum tipo de benefício. Só que pagam um preço alto por isso, por exemplo no custo de muitos insumos que são sobretaxados, como energia. O benefício do regime é visível para empresários, mas nem sempre o imenso custo que pagam pelas distorções, como as distorções dos preços relativos dos insumos, as escolhas de tecnologia mais ineficientes induzidas pela tributação ou o monumental contencioso tributário que decorre das regras atuais. Por essa razão, a maior visibilidade dos benefícios miúdos, e a menor dos imensos custos, acaba levando a oposição à reforma. Quase todos dizem: “não pode mexer com o meu privilégio”. 

O mesmo ocorre na reforma das regras de comércio exterior e em muitos outros casos. A resistência generalizada do “comigo não”, e a miopia do setor privado em entender os efeitos difusos das distorções resulta na nossa dificuldade em avançar para regras do jogo mais assemelhadas a dos países desenvolvidos. A consequência é o nosso crescente atraso econômico em muitas atividades.

LEIA TAMBÉM: Senado aprova projeto de regulamentação das criptomoedas

Eduardo Mattos – Considerando que o orçamento público brasileiro é engessado em diversas frentes [*obs.: existem limitações constitucionais sobre o quanto deve ser gasto em cada área; outro exemplo: existem benefícios concedidos de maneira automática por tempo de trabalho, independentemente de métrica de resultados], você acredita ser possível lidar com o problema fiscal brasileiro sem ser alterada a aplicação do instituto do “direito adquirido”, ou seja, de que uma vez instituído um benefício ele não pode ser retirado? Nas vezes que o Supremo Tribunal Federal analisou questões dessa temática, não houve muita flexibilidade, mesmo que fosse para adequar o orçamento de órgãos públicos às próprias normas legais.

Marcos Lisboa – Eu acho que, infelizmente, estamos condenados a sermos um país pobre.

Não conseguimos inserir avaliação de desempenho no setor público por pressão de corporações de servidores. Não fazemos avaliação de impacto recorrente das políticas públicas que sejam utilizadas como instrumentos de gestão, corrigindo ou interrompendo o que não funciona bem, estimulando e apoiando as mais eficazes. Setores econômicos não querem competição. Grupos são bem-sucedido em fazer lobby por produção local via subsídio ou barreiras ao comércio. O fracasso generalizado dessas políticas em resultar empresas eficientes ou desenvolver as regiões mais pobres não leva a uma reavaliação da política. O fracasso leva apenas a novos pedidos de aumento dos subsídios e das proteções.

As políticas de conteúdo nacional usualmente fracassam. As políticas de desenvolvimento regional usualmente fracassam. Qual a nossa reação? Entender as causas do fracasso, estudar detalhadamente como outros países enfrentaram com mais sucesso esses problemas? Nada disso. Nossa opção é dobrar a aposta e fazer mais do mesmo

Marcos Lisboa, economista, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003-2005.

Com frequência, propostas de reformas acabam sendo capturadas por grupos de interesse que inserem novas benesses no corpo da lei, como ocorreu no caso da Eletrobras [*obs: empresa que enfrenta dificuldades públicas em ser privatizada] ou dos precatórios [*obs: uma lei que, na prática, permitiu o adiamento no pagamento de obrigações do estado]. Na prática, a sociedade legitima essa disseminação de pequenas “meias entradas”. A consequência é esse ambiente institucional disfuncional que conspira contra a concorrência, os ganhos de produtividade e a maior eficiência do setor público. Nosso baixo crescimento de décadas não deveria ser uma surpresa. Todo mundo é sócio desse fracasso.

This post was last modified on maio 1, 2022 11:09 am

Eduardo Mattos

Share
Published by
Eduardo Mattos

Recent Posts

Fundo soberano saudita tem presença ampla em VCs dos EUA, revelam documentos

O braço de investimento do fundo soberano da Arábia Saudita divulgou parcerias com a a16z,…

abril 4, 2023

Dogecoin dispara após Twitter adicionar logotipo da criptomoeda na rede social

A empresa de Elon Musk adicionou o logotipo do cachorro da criptomoeda Dogecoin à sua…

abril 3, 2023

Bull market da Nasdaq não é sustentável, alerta Wilson, do Morgan Stanley

Para estrategista-chefe de renda variável do banco, que previu o sell off de ações em…

abril 3, 2023

Startup Oyo, que reduziu equipe no Brasil em 2021, faz segunda tentativa de IPO

Empresa de hotelaria fundada na Índia apresenta novos documentos para abertura de capital; startup tinha…

abril 1, 2023

Cabify, rival do Uber, mira expansão na América Latina, mas Brasil fica de fora

Aplicativo de transporte que deixou o Brasil em 2021, levantou US$ 110 milhões em uma…

abril 1, 2023

Rodadas da semana: startup de RH recebe investimento seed de Arminio Fraga

Jobecam, empresa de tecnologia para recrutamento, teve aporte do ex-presidente do BC e de Daniel…

abril 1, 2023