200 milhões de contas no horizonte e um desafio gigante: como fazer toda essa massa realmente usar os bancos digitais
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200 milhões de contas no horizonte e um desafio gigante: como fazer toda essa massa realmente usar os bancos digitais

Projeções da idwall mostram que o Brasil deve chegar à marca de 200 milhões de contas digitais ainda em 2021. Mas como fica a retenção de todos esses clientes? O LABS conversou com Thiago Alvarez, CEO do Guiabolso, Priscila Salles, CMO do Inter, e Jeferson Honorato, diretor do Next sobre as estratégias para fazer isso acontecer

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Até o final deste ano, o Brasil deve chegar à marca de 200 milhões de contas digitais, segundo projeções da idwall, startup de autenticação digital. O número chama a atenção por corresponder a quase 95% da população do país e leva em consideração o crescimento exponencial de neobancos como Nubank (mais de 35 milhões de clientes só no Brasil), Inter (11,4 milhões de clientes em maio) e C6 Bank (7 milhões). Logo atrás, vêm bancos digitais como o Iti, do Itaú, com 6 milhões, e o Next, do Bradesco, e o Original, ambos com 5 milhões.

As estimativas da idwall fazem ainda mais sentido quando considerado outro dado: os 21 milhões de downloads de apps de bancos e carteiras digitais brasileiras registrados no mês de maio, segundo um relatório do Bank of America que monitora dados da Apple Store e do Google Play. É o quarto mês consecutivo em que esses players superam a marca dos 20 milhões de downloads. Já os aplicativos de bancos tradicionais registraram 7,4 milhões de instalações em celulares, 8,7% a menos do que o número registrado em abril.  

Mas a despeito das cifras na casa dos milhões, a captação de clientes pode não estar avançando lado a lado com a retenção desses novos entrantes. Uma sondagem encomendada pelo C6 Bank ao Ipec e divulgada em junho mostrou que os brasileiros com acesso à internet mantêm, em média, 3,6 contas em bancos e outras instituições financeiras ao mesmo tempo. Já em sondagem divulgada em maio, as duas organizações atestaram que 57% já possuem contas em bancos digitais.

No entanto, a maioria – 65% – ainda usa os bancos tradicionais para realizar transações como depósitos, saques e pagamentos, enquanto a participação dos bancos digitais para esse tipo de movimentação é de 31%. Ambos os levantamentos foram realizados com uma amostra de 2 mil brasileiros das classes A, B e C e com acesso à internet. 

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“Estamos só no começo. As pessoas [no Brasil] vão ter muitas contas, muitos cartões. A briga vai ser para ver quem é relevante. Porque uma coisa é você adquirir um cartão, deixar na sua carteira e nunca usar,” pondera Thiago Alvarez, que afirma que os brasileiros estão transacionando pouco nas novas contas digitais que estão abrindo. Alvarez é fundador e CEO do Guiabolso, plataforma de gestão financeira e marketplace que também oferece soluções de open banking para outras instituições. 

Thiago Alvarez, CEO do Guiabolso. Foto: Guiabolso/Divulgação

Na perspectiva do executivo, que é também um dos sete conselheiros do Banco Central no processo de implementação do open banking, o uso dos dados de usuários é o que vai nortear a evolução desse mercado. “Pelo open banking, teremos mais dados disponíveis no setor. E aí, quem usar bem esses dados vai conseguir ativar, reter e manter uma frequência maior desse cliente”, explica. “Vai haver uma corrida, realmente, para o uso inteligente de dados para que você seja capaz de oferecer o produto certo, para a pessoa correta, no momento correto”. 

Priscila Salles, CMO do Inter, considera natural o movimento de maior abertura de contas digitais no país, resultado de um amadurecimento no perfil do usuário que, ao longo dos anos e especialmente depois da pandemia, quebrou a barreira da experimentação. “Algumas pessoas vão acabar optando por fazer investimentos em uma plataforma, abrir uma conta corrente em outra, tomar crédito em outra. Então, qual vai ser o grande valor de proposta que nós [no Inter] queremos entregar para o mercado? Colocar tudo em uma única plataforma, oferecer isso de maneira mais robusta para o cliente se sentir melhor servido e não precisar utilizar outras,” explica a executiva.

Priscila Salles, CMO do Inter. Foto: Inter/Divulgação

“Hoje, todos os nossos clientes só têm o Inter [entre os aplicativos de banco] baixado no celular? Não. Mas ele já pode ser o único. Tanto para banking, quanto para shopping e seguros. Temos diversificado o nosso portfólio justamente para poder atender o cliente em várias outras frentes,” diz Salles. Além das operações de banking, crédito, investimentos, seguros e e-commerce, o Inter oferece viagens, educação e delivery de comida em seu aplicativo.

Temos o hábito de falar por aqui que depois que você baixa o app do Inter, você para de baixar outros aplicativos. Porque, de fato, você consegue consumir muita coisa aqui dentro. Vimos essa mudança de perfil ao longo do tempo, desde 2015 para cá [ano em que o Inter lançou sua primeira conta digital]. Mas, mais do que isso, uma aderência muito grande por bancos digitais. É natural que as pessoas tenham mais de um banco e quem vai ganhar é a instituição que oferecer uma plataforma mais completa, mais robusta, com maior engajamento.

Priscila Salles, CMO do Inter

Dos 11,4 milhões de clientes do Inter, 5,9 milhões são ativos, segundo dados do primeiro trimestre. Já a taxa de atividade dos clientes que iniciaram relacionamento com o banco há mais de 3 meses é de 65%. Na operação de investimentos, o Inter alcançou 1,5 milhão de clientes ativos na plataforma, o que representa cerca de 15% da sua base de clientes. Já na unidade de e-commerce, operação que alavancou as receitas da empresa, junto com seguros, o Inter Shop chegou a 1,7 milhão de clientes ativos e 67% de recorrência, o que significa que mais da metade dos clientes que compraram na plataforma de e-commerce do Inter durante o primeiro trimestre de 2021, já haviam utilizado o serviço anteriormente.

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Para Salles, embora a adesão por bancos digitais seja grande, um fator que explica a lacuna entre abertura de contas e transações propriamente ditas é a inércia bancária. “É muito natural que as pessoas olhem para toda a gama de oferta e queiram experimentar. Se ela já tem uma conta em outro banco, de muitos anos atrás, quando nem existiam bancos digitais e se já existe ali uma relação [com esse banco] como credor – em que ela já tem o cartão de crédito de longa data – ou como investidor; até entender exatamente o que a outra plataforma tem para oferecer, quais são as vantagens de trocar de plataforma, demora certo tempo”.

Já no caso das contas digitais, a mesma lógica se aplica – mas nesse caso, por inatividade na conta – e não por encerramento, já que essas instituições não cobram tarifas de manutenção. “Vai continuar existindo um gap de tempo para os clientes migrarem completamente de plataforma, e não sei se todos encerrarão as contas. As pessoas vão acabar abandonando muitas contas digitais por inatividade. Enquanto isso, achamos que esse será um mercado de dois, no máximo três players vencedores [entre bancos digitais] no Brasil“.

“Quando olhamos todas as métricas hoje, conseguimos ver que o Inter tem um dos maiores engajamentos do mercado. Somos nós e outro player, muito distante de todos os outros,” afirma. Com 40 milhões de clientes no Brasil, México e Colômbia, o Nubank cresceu a um ritmo de mais de 45 mil novos clientes por dia nos primeiros cinco meses do ano. Segundo informações da empresa, sua conta digital é usada por cerca de 36 milhões de brasileiros, enquanto 23,5 milhões de usuários possuem o cartão de crédito roxo. Perguntado pelo LABS sobre contas ativas e índices de recorrência e engajamento, o Nubank disse não revelar esses números.

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“Os clientes entram na nossa conta todos os dias úteis do mês,” revela a executiva do Inter. “Hoje, são mais ou menos vinte acessos mensais. Mas pode ser que ele acesse no sábado ou domingo para fazer uma compra no Inter Shop, ou para pedir pelo iFood dentro do nosso aplicativo, por exemplo. Isso, no final do dia, é valor gerado para o cliente”.

Ter o cliente no centro é também a aposta do Next, criado em 2017 como resposta do Bradesco à ascensão dos bancos digitais. “A competitividade aumentou muito de três anos para cá e ainda está no começo,” afirma ao LABS Jeferson Honorato, diretor do Next.

O open banking e o open finance vêm por aí. Quem ouvir e atender melhor o cliente vai permanecer e crescer – investindo sempre nos melhores talentos e em dados/BI [business intelligence, na sigla em inglês]. A experiência será fator decisivo para os clientes escolherem como gerir os recursos e escolher a plataforma.

Jeferson Honorato, diretor do Next

Com mais de 5 milhões de clientes, Honorato revela que a base do banco digital cresceu 100% em 2020 e deve dobrar de tamanho até o final do ano. “A meta oficial é alcançarmos 7 milhões de usuários até dezembro, mas devemos superar esse número”. Em relação aos serviços que mais trazem recorrência dentro do portfólio do Next, o executivo revela que os cartões são o carro-chefe, embora tenham observado aumento expressivo de clientes que utilizam o sistema de pagamentos instantâneos, PIX

Jeferson Honorato, diretor do Next. Foto: Next/Divulgação

Também na ala dos bancões, o maior entre os privados, o Itaú registrou em balanço trimestral ter aumentado em 2,5 vezes o número de novos clientes adquiridos digitalmente, chegando a 3,7 milhões no primeiro trimestre do ano. Com mais de 1,5 milhão de novos clientes só em abril, o resultado contabiliza as operações do Itaú, Iti e Credicard. Em recorte de canais, o Itaú revelou ainda que 54% das contratações de pessoas físicas no primeiro trimestre foram feitas nos canais digitais, 70% a mais do que em março de 2020. Já no Iti, carteira digital do banco, foram mais de 6 milhões de clientes registrados em abril de 2021 e mais de 3 milhões de novos clientes no ano. Desses, 84% não possui conta ativa com o Itaú. A meta do Iti é chegar a 15 milhões de clientes até o final de 2021.

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Outro nome de peso entre os bancos digitais é o C6 Bank, com 7 milhões de clientes. O banco disse ao LABS não divulgar os dados referentes a contas ativas. O neobanco atingiu valor de mercado de R$ 11,3 bilhões em dezembro, quando captou R$ 1,3 bilhão de 40 pessoas e famílias. Em junho, teve 40% de sua operação comprada pelo JPMorgan, que até então concentrava sua atividade no país em empréstimos corporativos e investimentos.

Já o Original, com quase 5 milhões de clientes, revelou ao LABS que o crescimento de 2019 para 2020 foi de 50%. A estimativa do banco é chegar a 6 milhões de clientes até o final de 2021, enquanto o crescimento médio tem sido de 160 mil novos clientes por mês. Em relação à recorrência destes usuários ou quantas são as contas ativas, o Banco Original disse ao LABS não divulgar estes dados. 

Existe uma cortina de fumaça no mercado hoje em dia. Os bancos deviam estar reportando qual é a quantidade de usuários ativos naquele período, a frequência. Além disso, qual é o conceito aplicado? Cliente ativo em um ano não é cliente ativo, deveria ser [considerado] cliente ativo [quem realiza atividade] no último mês.

Thiago Alvarez, CEO DO GUIABOLSO

Embora a recorrência dos bancos digitais ainda esteja passos atrás da captação de novos clientes, a carta na manga desses players pode ser a flexibilidade para se adaptar às demandas cada vez mais sofisticadas dos usuários. É o que pontua a CMO do Inter. “Os grandes [bancos] estão aptos a atender esses clientes que estão pensando em criptomoedas,fundos [de investimento], ações ou eles estão vislumbrando mais uma poupança, tesouro direto, renda fixa? São modelos que vêm se alterando,” questiona.

Os bancos digitais têm maior flexibilidade e talvez maior desejo de caminhar no mesmo rumo [das mudanças de perfil do usuário]. Talvez, por isso, eles serão os vencedores. E para isso, a parte de engajamento é a grande chave do negócio. Vão ganhar aqueles que oferecerem bons produtos na sua prateleira, produtos que fazem sentido para a rotina do cliente.

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