Durante mais de uma década, a Argentina foi o único país da América Latina a gerar um unicórnio: em 2007, o Mercado Livre conquistou o título e, em 2015, a Decolar. Até 2017, as duas empresas eram os únicos unicórnios da região. Pula para 2021: em menos de quatro anos, o número de startups latino-americanas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão saltou para 34. O cenário começou a mudar em 2018, quando 9 startups entraram para o clube; 2019 produziu 6 e 2020, ano chacoalhado pela pandemia, 4. O destaque fica por conta de 2021: até aqui, 13 empresas se tornaram unicórnios, e o ano ainda não acabou…
Hoje, é o Brasil que lidera em número de unicórnios, com 60%; a Argentina é a casa de 17% e 11% são startups do México. Os dados são do Relatório Sling Hub LATAM, produzido pela plataforma de inteligência brasileira Sling Hub, que se debruçou sobre informações de 23.383 startups e 656 investidores entre 2017 e 2021.

De acordo com João Ventura, CEO da Sling Hub, esse salto no número de unicórnios está ligado, principalmente, ao aumento de capital estrangeiro aportando na América Latina.
“Cinco anos atrás, não havia tantos investidores estrangeiros olhando para a América Latina. Agora, é o contrário, é incomum, principalmente em rodadas Série C em diante, não ter participação de investidores estrangeiros. Se cinco anos atrás, a maior parte dos investimentos era de capital do Brasil, em rodadas menores; agora estão cada vez mais comuns as rodadas maiores e a presença de capital de fora. O mundo está olhando para a América Latina e tem muito dinheiro sendo injetado”, explica Ventura.

Embora todo o ecossistema de inovação da América Latina tenha acelerado de lá para cá – o total de capital de risco injetado na região foi de US$ 2.2 bilhões em 2017 para US$ 13.1 bilhões em 2021 –, o Brasil assumiu o protagonismo também nessa frente. O país tem hoje 17.987 startups, ou 77% do total da região; em seguida vem o México, com 1.869 (8%) e o Chile, com 1.109 (5%).
Com um ecossistema desse tamanho, é também natural que as startups do Brasil abocanhem a maior fatia das rodadas de investimento: só nesse ano, as empresas brasileiras ficaram com 70% dos investimentos realizados; o México vem novamente em seguida, com 13% do volume investido e a Colômbia em terceiro lugar, com uma fatia de 7%.
Entre as 10 startups que mais receberam investimentos nos últimos cinco anos – juntas, elas captaram US$ 14.1 bilhões, quase 40% do total de US$ 36 bilhões aportados no período –, sete são brasileiras: Nubank (US$ 2,4 bilhões), C6 Bank (US$ 2,2 bilhões), Stone (US$ 1,5 bilhões), Loft (US$ 900 milhões), Quinto Andar (US$ 700 milhões), VTEX (US$ 700 milhões) e Gympass (US$ 700 milhões). Completam a lista o Rappi, da Colômbia, com US$ 2,2 bilhões, o Mercado Livre, da Argentina, com US$ 2 bilhões, e a Kavak, do México, com US$ 800 milhões.
Para Ventura, o protagonismo do Brasil é resultado de uma somatória de fatores. “O Brasil é a maior economia e a maior população da América Latina; especialmente para startups B2C, isso tem um peso enorme para a escalabilidade do produto. Apesar das dificuldades de se empreender no Brasil, temos uma economia forte e um enorme mercado consumidor em potencial”, disse.
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Investidores estrangeiros: cheques mais altos, menos deals
Quando se olha quem são os maiores investidores em unicórnios latino-americanos, a presença de capital estrangeiro fica mais clara: entre os 15 maiores investidores, o grupo japonês SoftBank encabeça a lista, com 13 unicórnios em seu portfólio; em seguida, vêm os fundos norte-americanos, são oito deles. Três fundos brasileiros estão na lista – Kaszek, investidor de 10 unicórnios; Monashees, com 6 unicórnios no portfólio; e Redpoint Ventures, com 4. Os outros três grandes investidores de unicórnios são de Singapura, África do Sul e Hong Kong.

De acordo com Ventura, há uma diferenciação entre investidores estrangeiros e investidores da região. Enquanto os VCs locais aportam volumes menores em um número maior de deals, priorizando startups em estágio inicial – o maior investidor em startups da América Latina é justamente um fundo chileno, o Start-Up Chile, que já fez 205 deals –, os fundos de fora costumam assinar cheques mais polpudos em Séries C em diante.
“Quando olhamos quem investe em unicórnios, tem poucos brasileiros ou latino-americanos. A maioria dos investidores desse porte são dos Estados Unidos. O país tem um excesso de capital de risco e os fundos começaram a investir fora. Há mais investidores com ticket alto lá”, explica Ventura.
2021 deve bater recorde de fusões e aquisições
O Brasil também é o país mais ativo em fusões e aquisições: 84% de todas as startups adquiridas na América Latina desde 2018 são brasileiras. O número de aquisições na região possivelmente baterá seu recorde em 2021. Foram 200 startups adquiridas em 2020, mas até agosto deste ano, 195 startups latino-americanas já haviam passado por esse processo.
Aqui ocorre diferente do que acontece com os investimentos: quem mais adquire startups latino-americanas são empresas ou outras startups latino-americanas. Os maiores compradores, atualmente, são o Magazine Luiza, com 25 startups adquiridas; a Linx, com 17, e a Locaweb, com 16. Oito dos dez maiores compradores de startups são empresas brasileiras. Segundo a Sling Hub apurou para o LABS, 24% das adquiridas são retailtechs, 15% são fintechs e 13% são foodtechs.
A aquisição de uma startup atende várias frentes de uma estratégia de expansão: a empresa que adquire, compra uma tecnologia que de outra forma teria que desenvolver; traz também a equipe de profissionais e, principalmente, incorpora a base de clientes. É cada vez mais comum que a aquisição não esteja relacionada diretamente com o core da empresa, mas tem a ver com os planos de expansão de um ecossistema de serviços.
João Ventura, CEO da Sling Hub