Foto: Jacob Lund/Shutterstock
Negócios

Apple, Spotify e Deezer adotam estratégias diferentes para lucrar com boom de podcasts na América Latina

Desde o surgimento dos podcasts em 2004, a capacidade de rastrear e medir o engajamento melhorou, mas o caminho ideal para monetizar essas produções ainda não foi encontrado

Read in english

Os podcasts já existem há mais de 16 anos, mas para empresas e criadores de conteúdo ainda está difícil encontrar o caminho certo para torná-los uma fonte importante de receita. Assim como o streaming de música e vídeo, já se sabe que é possível monetizar podcasts com a venda de assinaturas, patrocínios, marketing e conteúdo exclusivo. Mas um dos desafios de fazer esse combo de monetização girar tem sido a desafio de medir os resultados dos anúncios.

Até muito recentemente, os podcasters podiam até saber quantos ouvintes baixaram um programa específico, mas não tinham acesso a informações importantes sobre por quanto tempo eles ouviram, ou ainda se, de fato, eles ouviram anúncios veiculados durante os episódios. Essa falta de métricas típicas de outras plataformas fizeram com que muitas marcas relutassem em investir seu dinheiro em publicidade de podcasts.

LEIA TAMBÉM: O árduo caminho entre o meu dinheiro e os músicos em um mundo dominado pelo streaming

Desde o surgimento dos podcasts em 2004, a capacidade de rastrear e medir o engajamento com as produções melhorou significativamente. À medida que os usuários adotaram as plataformas de streaming, elas também acordaram para a possibilidade de capitalizar em cima desses conteúdos valiosos. 

Não é nenhuma surpresa que o número de pessoas ouvindo podcasts ao redor do mundo tenha disparado no ano passado – com a pandemia, mais do que nunca, ouvintes estavam interessados em buscar notícias e conteúdos de qualidade para enfrentar a quarentena. E esse ímpeto não mostra sinais de desaceleração.

A eMarketer estima que o número de ouvintes de podcast nos Estados Unidos aumentará 16% ano a ano, para 106,7 milhões em 2021 – e não à toa, já que desde 2016 a audiência semanal de podcasts mais do que dobrou. Ao mesmo tempo, os gastos com anúncios em podcast nos EUA devem ultrapassar US$ 1 bilhão este ano. 

“Tudo relacionado à música – incluindo podcasts – traz grandes oportunidades para anunciantes na América Latina, uma vez que muitos consumidores escolhem ouvir anúncios em troca serviços gratuitos. A América Latina tem sido historicamente uma região muito importante para o consumo de rádio. Muitos usuários ainda ouvem rádio, mas no formato digital. Isso significa que os anúncios de rádio antigos se tornaram digitais e os anúncios de áudio digital seguiram o exemplo”, diz Matteo Ceurvels, diretor de pesquisas para a América Latina e Espanha da eMarketer

Matteo Ceurvels, diretor de pesquisa para a América Latina e Espanha na eMarketer, uma empresa Insider Intelligence. Foto: eMarketer/Divulgação.

Vários gigantes do streaming de áudio estão prontos para lucrar com a onda de podcasting. Ironicamente, a Apple é um dos últimos grandes nomes entrar na briga, apesar do pioneirismo do lançamento do iTunes em janeiro de 2001, e de ter popularizado os podcasts por meio do iTunes em 2005. A palavra “podcast”, inclusive, é uma mistura de “iPod” e “broadcast

Bom, até agora. Na última terça-feira, a empresa anunciou o lançamento de uma nova versão do seu aplicativo de podcasts e a chegada de uma modalidade de assinaturas feita para esse tipo de conteúdo, Apple Podcasts Subscriptions, que permitirá aos usuários pagar para ouvir o podcast sem anúncios. 

Além disso, os criadores de podcast da Apple terão acesso a novos recursos e um conjunto de aplicativos para apoiar e promover seu trabalho, incluindo ferramentas de marketing e análise de ouvintes. De acordo com o The Wall Street Journal, os criadores de podcasts pagam à Apple US$19,99 por ano para ativar a opção. Em contrapartida, a big tech recolhe 30% da receita vinda das assinaturas no primeiro ano, e 15% nos anos seguintes.  

Com essas novidades, a Apple está competindo diretamente com o líder sueco Spotify, que vem sacudindo essa indústria desde 2019, com uma enxurrada de aquisições e investimentos multimilionários.

Por ora, Spotify lidera a briga pelo futuro dos podcasts

Depois de engolir redes menores como a Anchor, Gimlet Media, Parcast e o The Ringer para expandir seu portfólio, o Spotify passou a assinar vários contratos de conteúdo exclusivo com grandes marcas e influenciadores, incluindo a Kim Kardashian, a DC, Michelle Obama e até mesmo o duque e a duquesa de Sussex. O Spotify ainda garantiu direitos exclusivos ao podcast de Joe Rogan, um dos programas mais populares do mundo, avaliado em US$ 100 milhões.

O Spotify hospeda atualmente mais de dois milhões de podcasts e gerou US$9,6 bilhões em vendas no ano passado. A empresa fechou 2020 com 65 milhões de usuários ativos mensais na América Latina, o que representa 22% de seus 299 milhões de usuários ativos mensais em todo o mundo. Em seu evento de imprensa StreamOn, em fevereiro, o Spotify anunciou planos para lançar sua própria rede de anúncios para apoiar a geração de receita dos podcasts, além de novas ferramentas para podcasters venderem assinaturas aos ouvintes.

Há três dias, também informou que lançará uma modalidade de assinatura apenas para podcasts na próxima semana. E mais: o Spotify anunciou que repassará 100% das taxas de assinatura aos parceiros. Isto é, diferentemente da Apple, o Spotify não ficará com nenhuma parte da receita de assinatura dos podcasts.

O Spotify está expandindo para 80 novos mercados na Ásia, África, Caribe, Europa e América Latina este ano, chegando a um total de mais de 180 mercados ouvintes.

LEIA TAMBÉM: Spotify compra dona do Locker Room, numa aposta em áudios ao vivo

Francês Deezer aposta em parcerias locais para conquistar a América Latina

Foto: Beer Sheva/Shutterstock

Enquanto o Spotify continua a ser o player dominante globalmente, o rival francês Deezer está apostando nos gostos locais e parcerias exclusivas, como uma com o Magazine Luiza e outra com a operadora TIM, para alcançar mais ouvintes na América Latina.

“Embora sejamos uma empresa global, temos uma presença local muito forte. Valorizamos artistas e gêneros nacionais, e isso faz todo o sentido, porque os brasileiros, por exemplo, ouvem muito mais música nacional. Estamos sempre lançando novos conteúdos para promover artistas e destacar produtores independentes de conteúdo. As marcas também estão usando o Deezer para se promover de uma maneira diferente dentro da plataforma. É o caso da Magazine Luiza que lançou a plataforma Decifrei, uma ferramenta de e-commerce musical dentro do Deezer que oferece aos clientes os mesmos instrumentos ou similares usados ​​para gravar muitos sucessos nacionais e internacionais,” disse Marcos Swarowsky, diretor administrativo regional da Deezer para a região.

LEIA TAMBÉM: Deezer aposta em parcerias e gosto local para expandir na América do Sul

Como a Apple e o Spotify, a Deezer está tomando medidas para monetizar seu mercado de podcast em crescimento, especialmente depois que sua base de usuários ativos mensais que ouvem podcasts cresceu 80% no ano passado. 

80% de crescimento

Foi o quanto o Deezer adicionou à base de usuários ativos mensalmente no Brasil que escutam podcasts

Este ano, estamos aumentando nossa equipe no Brasil de três para seis pessoas para supervisionar podcasts no país. Nossos principais modelos para compromissos comerciais com podcasts ainda são a produção de conteúdo original e patrocínios

Marcos Swarowsky, diretor administrativo regional da Deezer na América Latina.

“Continuamos investindo em conteúdos originais e exclusivos como ‘Céu da Semana‘, ‘Essenciais‘, ‘Só Acho Engraçado Que‘ e ‘Universo Sertanejo‘, e vamos lançar pelo menos mais 10 podcasts originais até o final do ano”, complementou ele.

“Além disso, nossa parceria com a Globoplay envolve o lançamento de um novo e exclusivo podcast co-produzido. Outro destaque foi o lançamento do Analytics by Deezer, um aplicativo móvel que fornece uma visão geral instantânea do desempenho para que os criadores de conteúdo conheçam o sucesso de cada episódio criado. Há muito mais por vir nos próximos meses”, disse Swarowsky.  

Mas será que todos os dólares de publicidade que os podcasters e provedores de serviços sonharam realmente serão verdade? 

“Embora os anunciantes que trabalham com esse formato emergente tenham visto resultados positivos, a publicidade em áudio digital ainda tem um longo caminho a percorrer antes de tirar uma parcela significativa de formatos de anúncios digitais mais populares, como mídia social ou vídeo digital”, explica Ceurvels. “Isso é visto na Colômbia. O Interactive Advertising Bureau Colombia (IAB Colombia) descobriu que, apesar do crescimento impressionante do áudio digital nos últimos anos (mesmo com uma base menor), os gastos com áudio digital representaram apenas uma pequena proporção (0,5%) do total digital gastos com publicidade. Em comparação, vídeo digital e mídia social representaram 28,2% e 28,4% do total de gastos com publicidade digital, respectivamente”, exemplifica o diretor de pesquisa da eMarketer. 

Diante disso, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que o negócio de podcasting em todo o mundo possa alcançar outras formas de streaming digital.

Traduzido por Isabela Fleischmann

Keywords