Ao longo de 2020, fazer um Zoom virou sinônimo de reunião por videoconferência em boa parte do mundo. Ainda que outras ferramentas já estivessem disponíveis, foi a plataforma fundada pelo sino-americano Eric Yuan, há quase dez anos, em San Jose, Califórnia, que ganhou a boca do povo. Na segunda-feira, 1º de março, o Zoom anunciou seus resultados para o ano fiscal terminado em janeiro: as receitas cresceram 326% sobre o ano anterior, para US$ 2.65 bilhões – bem acima da estimativa dos analistas e de concorrentes, digamos, indiretos, como o Slack, que faturou no ano fiscal (US$ 902,6 milhões) pouco mais do que o Zoom faturou só no último trimestre.
Com a vacinação contra a COVID-19 ganhando tração, analistas questionam se o patamar atual da empresa perdurará quando a pandemia acabar. Se o futuro do trabalho for realmente híbrido (parte remoto, parte presencial) e o Zoom evoluir de uma ferramenta de videoconferência para uma plataforma de comunicação mais completa, e facilmente integrável a outras soluções, a resposta para essa pergunta é sim.
Aparentemente, os clientes do Zoom já estão comprando a ideia. A empresa encerrou janeiro com 467,1 mil clientes empresas com mais de dez funcionários (355 mil a mais do que em janeiro de 2020) e 1.644 clientes corporativos pagando por contratos anuais de mais de US$ 100 mil (355 empresas ou 156% a mais do que no ano fiscal anterior).

Fundador do Zoom vê mercado internacional como “catalisador” do crescimento da empresa em 2021
Para crescer em 2021, o Zoom não está olhando apenas para novas funcionalidades ou parceiros, mas para fora dos Estados Unidos. “[O mercado] internacional vai ser o catalisador do crescimento do Zoom em 2021”, disse Yuan na conferência com os investidores na segunda-feira. Ele evita em apontar um ou duas direções para a empresa. Fala em mil e uma possibilidades, de telefonia à ampliação da colaboração com parceiros (ás vezes também concorrentes) para o desenvolvimento de novas soluções, apps dentro do app.

E os caminhos possíveis para o Zoom são, de fato, muitos. Em setembro, a empresa fez uma parceria com a DTEN nos Estados Unidos para vender uma linha de equipamentos para quem está trabalhando de casa – principalmente os profissionais autônomos – e quer melhorar a experiência com a ferramenta. Em outubro, em um movimento em outra direção, lançou um marketplace de eventos, o OnZoom.
Nesse contexto, não se sabe exatamente qual a posição do mercado latino-americano o roadmap da empresa – o Zoom inclui os resultados da região no pacote das Américas.
Em entrevista ao LABS, Alfredo Sestini Neto, que assumiu como head do Zoom no Brasil em julho do ano passado e hoje também responde como líder de vendas enterprise (empresas com mais de 1 mil funcionários) em toda a América Latina, disse que a decisão de olhar para o mercado latino-americano “com carinho” e “com planos de longo prazo” aconteceu logo depois do boom global de março do ano passado.

Entre dezembro de 2019 e abril 2020, em razão das medidas de isolamento social contra o novo coronavirus, o Zoom viu o número de participantes diários em reuniões saltar 30 vezes no mundo, de cerca de 10 milhões para mais 300 milhões. É por isso também que antes de formar uma equipe, o Zoom instalou um datacenter no Brasil. A infraestrutura instalada em Cotia, no interior de São Paulo, atende toda a região. Hoje, a empresa tem 19 datacenters em todo mundo.
“A gente entende que o Brasil é um dos principais players [mercados para o Zoom]”, disse Sestini, salientando que a empresa veio para o país pensando de uma maneira diferente da maioria. “Algumas empresas trazem o corpo comercial primeiro; é o famoso ‘vai lá, vende, e depois eu entrego’. [No Zoom] o pensamento foi trazer primeiro o [serviço] que ia ter disponível para região, depois a área de conhecimento e depois o comercial. Dias depois da nossa chegada lançamos a nossa solução de telefonia”, diz Sestini. O Zoom Phone foi lançado no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica e México no dia 17 de agosto do ano passado.
O serviço, integrado às ferramentas de vídeo, chat etc da plataforma, é uma das apostas de crescimento da empresa – um mercado global endereçável de mais de US$ 23 bilhões até 2024, segundo o IDC. A empresa fechou janeiro com mais 10 mil contas de Zoom Phone contratadas por 18 clientes corporativos – no ano anterior eram 2,9 mil contas.
Nas entrelinhas é possível identificar outros sinais de que a América Latina são realmente mercados-chave para a empresa. Segundo Sestini, o time de vendas deve crescer de 12 para 22 pessoas até o fim de 2021, e pelo menos oito engenheiros devem ser contratados para o chamado time de conhecimento da empresa. Além disso, o Zoom pretende abrir novas posições nas áreas de marketing e pós-vendas. Há alguns dias, Nicolas Robinson Andrade (ex-Facebook) foi apontado como o novo diretor de relações governamentais da empresa para a América Latina – nenhuma empresa contrata alguém assim se não for para preparar o terreno para escalar o negócio, inclusive oferecendo-o para os governos da região.
Zoom trabalha ativamente para trazer grandes empresas de algumas indústrias
Segundo Sestini, embora o Zoom esteja sendo usado por pessoas e profissionais de todos os segmentos da economia, a estratégia de crescimento da empresa na América Latina tem um olhar apurado para as grandes organizações e se concentra hoje em duas verticais: educação (a primeira a ser trabalhada até pela necessidade trazida pela pandemia de COVID-19) e serviços financeiros (que inclui não só bancos, mas corretoras, seguradoras e fintechs da região).
O setor financeiro virou alvo da equipe latino-americana mais recentemente, e terá um projeto piloto no Brasil a partir de 1º de abril. “A gente já tem vários bancos e seguradoras utilizando a nossa solução, ou na sua plenitude ou integrada a outras soluções [que vão se beneficiar desse projeto]”, explica Sestini.
O projeto-piloto envolve a ideia de se oferecer um time de conhecimento e um time de atendimento especificamente para a vertical. Bancos e seguradoras não usariam o Zoom apenas internamente, mas como ferramenta para atendimento externo, integrada a plataformas de CRM, por exemplo. “Se olharmos para os principais players, as principais plataformas de CRM, colaboração etc, o Zoom já está integrado nelas”, ressalta Sestini.
Conquistar clientes como bancos também seria um passo importante para reforçar a imagem do Zoom como uma ferramenta segura. Em abril, a ferramenta foi alvo de uma série de ataques, reuniões invadidas e dados ou informações importantes colocadas em risco. Falhas de programação e deficiências na criptografia que protege a comunicação entre os usuários foram encotnradas à época.
O jeito fácil de usar a plataforma, que não demandava a criação de conta, foi o que atraiu tantos usuários foi também o grande passo infalso da empresa. Ao clicar no link da reunião, o usuário baixava o app – é aí que estava uma das brechas, onde hackers podiam entrar e confundir o usuário, fazendo ele baixar outra coisa se não o app. Outros concorrentes, como o Meet, do Google, também funcionavam assim, mas ofereciam uma versão web o que dispensava a necessidade de baixar o app.
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Admitindo o problema, o Zoom traçou um plano de 90 dias para corrigir todas as falhas. Acrescentou vários passos a mais no uso da ferramenta e tem focado na educação dos clientes na implantação desses passos. “Como fazer o setup de uma sala, quais são as informações que não poderão ser acessadas [por outras pessoas], como fazer uma chamada com encriptada, end-to-end, dá para fazer,” exemplifica Sestini.
A próxima vertical a ser trabalhada ativamente pela empresa, segundo Sestini, tem tudo para ser saúde/telemedicina.
Zoom tem US$ 4,2 bi em caixa para mais datacenters e aquisições
Além do crescimento orgânico, ou seja, baseado em seus próprios resultados, o Zoom também está olhando para fora. Segundo a CFO do Zoom, Kelly Steckelberg, a companhia tem US$ 4,2 bilhões em caixa (US$ 2 bi vindos da oferta subsequente de ações da empresa realizada em janeiro) e esse dinheiro será usado não só para expandir a infraestrutura de datacenters da empresa, mas também para aquisições com foco em novas tecnologias e talentos. “Nós estamos olhando para M&A, para companhias que possa adicionar em talento ou tecnologia. A régua do Eric [Yuan] é alta. Mas logo encontraremos uma [empresa] que combine com a gente.”
No mundo, o Zoom espera encerrar o ano fiscal de 2022 (que encerrará em janeiro de 2022) com receitas entre $3,76 bilhões e US$ 3,78 bilhões.