As estratégias dos gigantes varejistas da América Latina para se tornar um super-app
Ilustração: Felipe Mayerle
Negócios

Gigantes varejistas da América Latina lideram corrida para virar super app

Grandes redes do varejo saem na frente dessa disputa graças à capilaridade de suas operações e passam a investir em suas próprias fintechs para aumentar recorrência e relevância

Read in english

O flerte de grandes redes de varejo latino-americanas com o universo dos serviços financeiros se intensificou nos últimos anos, a ponto de lançarem fintechs  próprias para ampliar o alcance e a relevância de seus servicos.

O Mercado Livre por exemplo, investiu no Mercado Pago, que nasceu como carteira virtual e hoje oferece dezenas de soluções financeiras para vendedores e compradores. Mais recentemente, em 2018, a B2W, que controla as marcas Lojas Americanas, Submarino e Shoptime, lançou seu braço financeiro, o Ame Digital

Da mesma formato, a Magazine Luiza, forte concorrente pela liderança do varejo e do comércio eletrônico no Brasil, tem investido pesado em aquisições. Só em 2020, foram onze delas. A mais recente foi a compra da fintech Hub Prepaid e suas subsidiárias (Hub Payments, Hub Benefits, Paypaxx, e Hub Argentine) por R$ 290 milhões – aquisição que foi objeto de uma disputa entre Magazine Luiza e Mercado Livre junto ao Cade. 

LEIA TAMBÉM: Open banking no Brasil: empoderamento do cliente, abertura do mercado de serviços bancários

Os três casos ilustram bem a corrida das varejistas para ampliar o portfólio, o alcance e a recorrência de uso de suas plataformas. 

Na corrida para se tornar um super-app ou um ecossistema, os gigantes do varejo já saem com vantagem na largada: uma base de clientes grande e sólida, construída durante anos de operação.

Além disso, a integração facilitada entre as operações de compra e venda e as transações financeiras dentro de uma mesma plataforma é atrativa para a clientela. 

Confiança do consumidor é diferencial

Pedro Serra, gerente de research da Ativa Investimentos, diz que o relacionamento cultivado pelas varejistas com os clientes ao longo de anos é um capital valioso.

Com essa base de consumidores já formada nas operações físicas e digitais, a companhia sai na frente na oferta de serviços extras para expandir seu ecossistema e transformar essas fintechs em algo realmente lucrativo e relevante para a receita da empresa.

PEDRO SERRA, GERENTE DE RESEARCH NA ATIVA INVESTIMENTOS

A Ame Digital, por exemplo, movimentou R$ 5,9 bilhões dentro da plataforma somente no último trimestre de 2020 — um aumento de 202% em relação ao mesmo período de 2019 — e fechou o ano com 17 milhões de downloads no aplicativo. A fintech também está presente nas mais de 1,7 mil lojas físicas da Americanas e em 3 milhões de estabelecimentos parceiros, que vão desde postos de combustíveis e farmácias a quiosques e vendedores ambulantes.

A Ame Digital chegou ao mercado com um diferencial competitivo importante em comparação a outras fintechs: a credibilidade das marcas Americanas e B2W, que têm mais de 46 milhões de clientes ativos e 4,4 bilhões de visitas ao ano nas lojas e sites do Universo Americanas, segundo informou a empresa em nota. 

Estratégias diferentes para o universo digital e para o físico

De acordo com o analista de varejo, e-commerce e tecnologia da Eleven FinancialEric Huang, essa vantagem se aplica principalmente às transações no ambiente digital. No mundo físico, os desafios de crescimento da Ame Digital podem ser mais complexos, como aumentar as transações fora da plataforma de e-commerce.

LEIA TAMBÉM: Rappi, Loggi e B2W Digital: o que mudou nas entregas para o comércio eletrônico depois da pandemia

Como fazer isso? Com aquisições. Em dezembro de 2020, a Ame Digital adquiriu a Bit Capital, uma plataforma de open banking, e a Parati Crédito, Financiamento e Investimento, essa última com acesso direto ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e ao Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI) do Banco Central. “São aquisições que ajudam a compor uma plataforma completa de banco digital, uma fintech de fato”, comenta Huang.

Serra analisa que as duas compras têm a finalidade clara de acelerar os negócios digitais da Ame. “A Bit é dona de uma solução que permite criar conta digital, ter cartão, realizar TED, emitir boletos e fazer transferências via PIX. Entretanto, não possuía licença do Banco Central para operar esses serviços. Aí entra na jogada a aquisição da Parati, que já viabilizava essas operações para a Bit. Com as duas, a Ame amplia seu portfólio,” explica. 

Busca por licenças do Banco Central

O Mercado Livre percorreu outro trajeto para acelerar: ampliando seu rol de licenças junto ao Banco Central. Em 2018, obteve a autorização para atuar como instituição de pagamento e no ano passado recebeu a licença para a operação da Mercado Crédito Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento. Isso possibilita a oferta de crédito e de outros serviços sem a necessidade de um intermediário.

LEIA TAMBÉM: Receita do Mercado Livre mais que dobra no 1º tri, na esteira da pandemia

O Mercado Pago já tem 10 milhões de vendedores ativos e mais de 20 milhões de usuários ativos no Brasil, Argentina e México. Além disso, está colado ao Mercado Livre, que é líder de e-commerce na América Latina, com mais de 76 milhões de usuários ativos.

No Brasil, 7 milhões de pessoas tiveram contato com o Mercado Pago pela primeira vez em 2020, devido ao auxílio emergencial, ao saque emergencial do fundo de garantia e ao PIX. O plano da empresa agora é reter esses usuários na plataforma e oferecer outros produtos, notadamente os de crédito.

As licenças obtidas podem ser uma possível alavanca no número de serviços financeiros ofertados pelo Mercado Pago. Com isso, poderia vir a ocorrer uma maior penetração na sua base de clientes, uma vez que com mais serviços oferecidos, o cliente pode optar, por comodidade, ter todas suas operações dentro de um mesmo ecossistema.

PEDRO SERRA, GERENTE DE RESEARCH DA ATIVA INVESTIMENTOS

Um super-app em construção

Outra grande varejista que tem expandido suas operações e seu alcance através de novos serviços e produtos disponibilizados no aplicativo é o Magazine Luiza, de forma que a rede agora se apresenta como um “super-app”. O aplicativo estreou como um e-commerce e gradualmente ampliou seu catálogo de ofertas, incluindo categorias como alimentação, vestuário e produtos de higiene. Em 2020, o Magalu lançou seu próprio método de pagamento – o MagaluPay -, que permite que o cliente não só compre no app, como também faça outras transações financeiras. 

LEIA TAMBÉM: De rede a maior ecossistema do varejo brasileiro: os próximos passos do Magazine Luiza

Além disso, o Magalu acabou de lançar seu cartão de crédito digital sem taxas e com cashback depositado diretamente no MagaluPay. O cartão foi lançado via Luizacred, uma joint venture com o Itaú Unibanco, e é integrado ao super app do Magalu.

O MagaluPay é o braço financeiro da rede e configura como mais um passo rumo ao “super-app”, uma trajetória semelhante à percorrida pelo gigante chinês WeChat, que nasceu como um app de mensagens e hoje é uma plataforma de e-commerce e de serviços bancários. Magalu encerrou o terceiro trimestre de 2020 com mais de 2 milhões de usuários cadastrados no MagaluPay e uma média mensal de 30 milhões de usuários ativos em todas as suas plataformas. 

LEIA TAMBÉM: Soluções de crédito para comprar parcelado e online ganham o comércio eletrônico na América Latina

Hoje, o MagaluPay não apenas agiliza o pagamento das compras feitas na plataforma, mas aposta também no recurso do cashback. Faz sentido: o sucesso de um portfólio integrado tem a ver com recorrência e gerar recorrência é o objetivo máximo do cashback. 

O esforço para agregar serviços e conteúdos ao super-app também são compreensíveis, já que o super-app hoje responde por dois terços do negócio do Magazine Luiza, com um crescimento anual de 121%.

Keywords