B3 bolsa de valores do Brasil
Fachada da B3, bolsa de valores brasileira. Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock
Negócios

B3 entra na festa trilionária dos recebíveis de cartões e anuncia a fintech Marvin como primeira cliente

Fintech que transformou os recebíveis em método de pagamento e já atende 26 grandes indústrias quer chegar ao fim de 2022 com 25 mil lojistas usando sua solução. Do lado da B3, desafio maior será atrair as grandes credenciadoras para dentro

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Após meses de testes de segurança e depois de interoperabilidade, a B3 começou efetivamente a operar a sua registradora de recebíveis ou faturas de cartões em março. É a quarta registradora a entrar na “festa” dos recebíveis, um mercado que movimentou R$ 2,65 trilhões no ano passado, segundo dados da Abecs, e é ainda altamente concentrado — a CERC, primeira registradora de recebíveis de cartões autorizada pelo Banco Central em 2018, concentra praticamente 80% das operações e é voltada muito para o varejo. Completam o quadro a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), fundada em 2001 e controlada por grandes bancos, o que também quer dizer que concentra a maior parte esmagadora dos recebíveis de credenciadoras como SafraPay, Cielo, Rede, GetNet, e a TAG, criada pela Stone

O lado bom de chegar por último na festa é que a B3 não tem amarras com bancos e credenciadoras, nem legado tecnológico engessando as possibilidades de atuação da empresa. É por isso também que a B3 vem olhando para as fintechs e anunciou a Marvin como sua primeira cliente – o que quer dizer que os primeiros contratos registrados na B3 são de clientes da Marvin.

A fintech, que criou um arranjo para transformar os recebíveis em um método de pagamento, foi a primeira a se conectar ao ambiente em produção (operando para valer) da B3, mas também está plugada às outras três e isso deve continuar por um bom tempo. “Apesar de a nova regulamentação prever a interoperabilidade, nós sabíamos desde o início que isso seria problemático. Então tomamos a decisão de ‘nascer’ em todas as registradoras, para operar somente ‘na borda’. Isto é, eu só opero [recebíveis] da Stone na TAG, ou só opero Rede na CIP porque é onde a Rede tá, e assim por diante; para mitigar o desafio da interoperabilidade, que não é o único mas é um dos principais desafios do ecossistema. Mas quando a gente olha a médio e a longo prazo, isso não faz sentido nenhum”, explicou cofundador da Marvin, Bernardo Vale, ao LABS. “Por outro lado, eu nunca vi a B3 entrar em um segmento onde não vire o principal ou um dos principais players. Além disso, vimos que o fato de eles estarem nascendo de uma base zero nos dava a oportunidade de ajudá-los com inputs do melhor do que a gente vê nos demais players”, complementou Vale.

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“Temos uma interdependência entre as quatro registradoras, porque se uma não estiver operando as outras também não estarão. Esse é um dos principais aprendizados. O mercado quase parou lá naquela primeira semana [pós-regulamentação]. Tem iniciativas para que as coisas funcionem como devem. Mas ainda vejo que o fato de termos diferentes arquiteturas sistêmicas é um desafio. Mesmo a nossa entrada [da B3] em produção foi bastante desafiadora e levou um pouco mais de tempo do que a gente imaginava porque para conseguir se conectar a cada das outras casas exigiu um esforço dedicado a cada uma delas. O fato de estarmos funcionando com uma não garantia que ‘conversaríamos’ com as outras duas. Isso por si só cria uma complexidade adicional de gestão. A gente já construiu nossa plataforma ciente desse desafio. E o próprio fato de não termos um legado de clientes que dependem da gente nos permite aprender com o carro em movimento”, salientou Fernando Bianchini, superintendente de produtos de recebíveis da B3. Vindo de outros “dois lados” do balcão – sete anos na Rede e outros tantos no Grupo Santander – ele entende bem também o que os clientes da registradora precisam.

Uma das maiores empresas de infraestrutura financeira do mundo, a B3 recebeu autorização do Banco Central para criar a sua registradora de recebíveis de cartão em agosto do ano passado, dois meses após a entrada em vigor da nova regulamentação do setor. As novas regras estabeleceram que toda fatura de cartão precisava ser registrada, pelas credenciadoras e sem custo, em centrais de registros. Essas centrais, por sua vez, teriam de fazer suas estruturas tecnológicas “conversarem” entre si.

Com todas as faturas registradas em centrais, os lojistas podem começar a dividir essas informações com mais de uma instituição financeira ou fintech interessada em fornecer a eles crédito ou outro tipo de serviço com base em pagamentos futuros. Na prática, todas essas mudanças destravaram uma nova fonte de capital de giro e crédito com garantia. Antes disso, os lojistas só podiam pedir fazer operações de antecipação com os bancos onde tinham conta ou com as credenciadoras (por meio do chamado crédito “fumaça”), que em grande parte também são controladas pelos mesmos bancos.

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Esse quadro muda quando os lojistas passam a poder dividir sua “agenda” de recebíveis com mais de um financiador ao mesmo tempo, negociando melhores condições. Isso é possível porque os financiadores só podem reter como garantia o volume de recebíveis equivalente ao valor emprestado ou negociado, em vez de reter todo o fluxo de recebíveis do lojista, ainda que o valor emprestado fosse menor, como acontecia antes da regulamentação.

O objetivo final do Banco Central com a nova regulamentação era o aumento da competição e a consequente redução de taxas de juros e do spread, especialmente para micro e pequenas empresas. Isso, efetivamente, ainda não aconteceu, justamente pela concentração de agentes ainda existente nesse mercado e também questões conjunturais, como inflação e Selic altas. Ainda assim, o fôlego que o mercado de recebíveis traz às empresas já é perceptível.

A Marvin foi lançada em maio do ano passado, de olho numa parte específica da nova regulação, a circular 3.952 do BC, de 2019, que “liberou” o saldo das maquininhas para que os varejistas pudessem usar os recebíveis para pagar diretamente seus fornecedores sem precisar antecipar o recebimento das vendas na forma de crédito. Levantou sua segunda rodada em agosto.

“Se você perguntar para qualquer indústria se ela daria mais prazo ao franqueado ou lojista do que, por exemplo, 15 dias no boleto, para que ele pague pelo produto, se isso não representasse risco de crédito, a resposta vai ser sim. A indústria quer vender mais, mas não quer tomar risco de crédito. O varejo precisa comprar mais para vender mais, mas o fluxo de caixa, segundo Sebrae, é o que mata mais de 50% das empresas. Antes você ficava nessa discussão, do ovo ou a galinha, e não tinha solução. A gente criou um método de pagamento onde eu pego o saldo da maquininha do lojista e dou, total ou parcialmente, em pagamento para a indústria. A indústria baixa o ‘contas a receber’ que ela tem com esse lojista e abre outro com Cielo, Rede etc. Com isso, você destrava toda e qualquer indústria com o varejo”, explicou Vale.

Bernardo Vale, cofundador da Marvin. Foto: Divulgação.

A Bolsa tem atualmente mais de 400 empresas listadas e muitas delas não tem ideia de como podem se beneficiar desse novo mercado. Estamos de olho nisso.

Bernardo Vale, cofundador da Marvin.

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Atualmente, a fintech tem 26 grandes clientes industriais ligados a mais de 400 mil pontos de venda (PDVs, no jargão do setor de pagamentos). Um desses clientes é o Grupo Boticário. A Marvin, inclusive, vai participar da 2ª edição do GB Ventures, programa de aceleração de startups a gigante de cosméticos. Entre os clientes da fintech há ainda grandes indústrias de combustíveis, alimentos e até calçados. A meta da Marvin, segundo Vale, é chegar ao fim de 2022 com pelo menos 25 mil PDVs pagando os clientes industriais da fintech com recebíveis de cartões.

Para 2022, a Abecs estima que o mercado de cartões crescerá 21%, para R$ 3,2 trilhões. Não só isso: é esperado que essa indústria cresça a dois dígitos até 2025. Por isso, mesmo um pedaço pequeno desse mercado, é bastante coisa.

Com os clientes já operando com uma das concorrentes, a gente sabe aqui que teremos de ser hunters [caçadores]. Algo, inclusive, bem diferente para a B3. A gente sabe que para ser a primeira escolha nós precisamos trazer as grandes credenciadoras. E esse talvez seja nosso próximo passo; como criar estrutura e diferenciação de produto para trazer esses grandes players e aí, sim, ir atrás da relevância de posição de mercado que a B3 sempre busca. Não é uma corrida de curta distância (…) Do outro lado, ao tentar entender quem estaria mais disposto a nos apoiar nessa jornada, vimos que seriam as fintechs, que numa dessa no meio do gigantismo desse mercado não vinham sendo bem assistidas. A Marvin é a primeira que estamos anunciando, mas temos outras [no pipe]

Fernando Bianchini, superintendente de produtos de recebíveis da B3.
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