A startup colombiana Picap nasceu em 2016 como um “Uber de motocicletas”. Em dezembro de 2019, o aplicativo estava em alta: 2 milhões de viagens e quase um milhão de dólares de receita líquida mensal, além de uma frota de 15 mil motoristas ativos por mês e operações na Colômbia, Argentina, México, Peru e Brasil.
E então, puf. Tudo sumiu. A startup viveu um pesadelo em 2020. Em maio do ano passado, teve de demitir quase metade de seus 300 funcionários, e viu o faturamento cair quase a zero. Isso aconteceu não apenas devido à pandemia COVID-19, que tem atrapalhado as operações dos aplicativos de mobilidade, mas também porque o governo colombiano considerou as operações da Picap ilegais, principalmente por questões relacionadas à segurança dos mototáxis.
E não foi só na Colômbia. A Picap também enfrentou processos no Brasil, quando da proibição do serviço de mototáxi em São Paulo. Mas, em setembro de 2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo concluiu que o serviço pode funcionar de acordo com uma lei federal de 2009, e que a cidade pode definir regras para fiscalizar as operações de mototáxis e motoboys.
Todo o imbróglio legal de transporte de pessoas levou ao desenvolvimento de uma segunda vertical de negócios: a Pibox, uma divisão de entrega de encomendas da Picap, com operações no México, Brasil, Paraguai, Guatemala e Colômbia.
A Pibox funciona no mesmo aplicativo que a Picap, mas é focada em logística, com um modelo de negócios semelhante ao da Loggi. Cresceu oito vezes desde 2020. A plataforma faz o processo de logística de meia milha, última milha, cross-docking (redistribuição rápida de encomendas, via concentração de pacotes em um armazém) e armazéns como serviço. Em outras palavras, com a Pibox a empresa trabalha num modelo B2B2C, atendendo empresas como Amazon, Mercado Livre, Grupo Salinas e Falabella.
No México e na Colômbia, a Picap lançou recentemente uma nova categoria de serviço, a Pibox Enterprise, uma ferramenta em nuvem que permite desde a gestão de encomendas corporativas à rastreabilidade de remessas aos clientes na última milha.

O LABS procurou Daniel Rodríguez, co-fundador e CEO da Picap, para falar sobre a legalidade do serviço de transporte por motocicleta, operação com motocicletas elétricas, e perspectiva de negócios na América Latina:
LABS – Por que você criou a Picap?
Rodríguez – A Picap começou há dois anos e meio. Eu moro em Bogotá com o cofundador da Picap, Hector [Neira Duque]. Bogotá é considerada a cidade com os piores engarrafamentos em todo o mundo. Segundo as estatísticas, as pessoas estão perdendo um mês dentro de um carro por causa dos congestionamentos.
Sou engenheiro e adoro resolver problemas. Há três anos, eu pedia ao entregador da empresa em que eu trabalhava que me desse uma carona em sua motocicleta quando eu estava com pressa. Percebi que estava economizando quase metade do tempo que gastaria usando um carro. Por isso decidimos lançar a Picap. Ela nasceu como uma plataforma de transporte de pessoas, mas em vez de usar carros, decidimos usar motos.
LEIA TAMBÉM: Unicórnio Loggi capta R$1.15 bilhão em uma rodada Série F, a maior de sua história
Após dois anos de lançamento da Picap, estávamos fazendo 2 milhões de corridas e tendo cerca de um milhão de dólares de receita líquida mensal. Tínhamos uma das maiores frotas da América Latina, com 15 mil motoristas ativos por mês. Percebemos que os motoristas estavam usando a Picap para fazer coisas como pagar a faculdade ou pagar o aluguel e, quando percebemos isso, ficamos realmente apaixonados pelo negócio. Estamos o tempo todo nos perguntando como podemos agregar mais valor a esses motoristas e como eles podem obter mais receita, e é por isso que temos testado outros tipos de verticais, uma delas é a vertical de logística.
Vocês tiveram que fechar as operações na Colômbia. Como tem sido o diálogo da Picap com os governos?
Temos vivido problemas regulatórios, especialmente na Colômbia. Há cerca de um ano e meio, o governo colombiano decidiu liquidar nossa empresa. Eles também decidiram banir o Uber completamente. Mas nós nunca saímos do país. Decidimos mudar o modelo para o que estamos fazendo agora, que é aluguel de um veículo com motorista – esse é o formato legal do que estamos fazendo agora.
O que sabemos é que estamos entregando valor aos nossos usuários, passageiros e motoristas. Se você criar produtos que as pessoas realmente estejam usando, o governo ouvirá.
Daniel Rodríguez, co-fundador e CEO da Picap
Estamos em um grupo com outros aplicativos de transporte por aplicativo, porque estamos conversando juntos com o governo [colombiano], e o governo está nos ouvindo agora. Já temos o primeiro rascunho da regulamentação, então esperamos que no final deste ano ou no início do próximo ano tudo seja regulamentado.
A Colômbia é o país mais difícil [para regulamentação]. Se conseguirmos algo na Colômbia, o resto será mais fácil. Se o governo começasse a regulamentar seria melhor porque poderá impôr suas regras de serviço, cobrar impostos, algo que eles não fazem hoje.
Vocês demitiram durante esse tempo?
A receita líquida caiu para quase zero. Naquela época, tínhamos cerca de 300 funcionários e perdemos quase metade disso. Mas agora somos uma empresa forte. Embora tenhamos menos receita líquida do que antes da pandemia, hoje somos uma empresa mais eficiente. Antes estávamos queimando dinheiro, hoje colocamos dinheiro na conta de forma inteligente.
A Picap está pensando em levantar investimentos agora?
Não estamos procurando nenhuma rodada de investimento no momento. A empresa hoje gera caixa e estamos usando o dinheiro para fazer mais pesquisa e desenvolvimento, e crescer mais rápido, expandir ainda mais.
O transporte de pessoas foi afetado pela pandemia na América Latina, onde as quarentenas foram fortes, mas o bom é que temos novas verticais como a Pibox, que nos permitiu continuar crescendo. O transporte está voltando porque as cidades estão reabrindo. Ainda assim, temos que dar mais tempo para que os números se recuperem. No total, até hoje, arrecadamos US$ 6 milhões do Vale do Silício. Talvez em seis meses seja um bom momento para levantar fundos novamente.
Como funciona a Pibox?
O motorista passou não apenas a transportar pessoas, mas também a transportar pacotes. Decidimos chamar essa vertical de logística de Pibox. No ano passado, a Pibox cresceu 8 vezes. Atualmente, a Pibox está entregando cerca de 400 mil pacotes por mês.
Começou como um serviço de última milha até que percebemos que as pequenas e médias empresas estavam usando nossa solução para seus negócios, então evoluímos rapidamente para construir uma solução B2B2C.
Um de nossos primeiros clientes de última milha na Colômbia foi a Linio (um site de comércio eletrônico). O negócio deles é um marketplace, eles têm muitos vendedores, muitos clientes e não era fácil entregar 20 pacotes para 20 motoristas diferentes no mesmo dia. Então o que decidimos fazer foi, de acordo com o vendedor deles, decidimos enviar um pequeno caminhão para pegar tudo uma vez por dia ou uma vez por semana. Enviamos todos os pacotes para nossos armazéns, de lá fazemos cross-docking.
Então, na Pibox, não estamos apenas fazendo a última milha, mas também a meia milha, cross-docking e armazéns como um serviço. Começamos na Colômbia, o primeiro mercado onde costumamos lançar tudo porque é a nossa casa. Mas estamos em expansão no México, Brasil, Paraguai e Guatemala. Estamos trabalhando para os maiores clientes nesses países, por exemplo a Amazon e Mercado Livre, Grupo Salinas no México e Falabella na Colômbia.
É o mesmo aplicativo da Picap, mas construímos outros softwares, de acordo com o tipo de cliente que atendemos. Somos mais parecidos com a Loggi, mas a Loggi é muito forte no Brasil, e estamos mais focados em outros países. Eles são muito fortes e bem financiados, e não faz sentido lutar contra isso, mas há uma grande oportunidade em outros países da América Latina, e é onde estamos trabalhando em logística.
Seria muito mais fácil se fôssemos do Brasil. Talvez pelo tamanho do mercado. Se você é do Vale do Silício e está procurando empresas para investir, os países mais atraentes são Brasil e México. Os outros são médios ou pequenos, então somos obrigados a expandir para um desses países.
Daniel Rodríguez, co-fundador e CEO da Picap
Como a Pibox está comprometida com o transporte sustentável?
Temos uma das cidades mais congestionadas do mundo e, da mesma forma, temos cidades como Medellín, que são muito poluídas. Eu realmente me importo com isso, algo vai acontecer no futuro. Estamos vendo grandes líderes fazendo coisas nessa direção e sabemos que o futuro será elétrico.
LEIA TAMBÉM: Olist recebe aporte de US$ 23 milhões da Goldman Sachs
Se você olhar o mercado de logística na América Latina (fora do Brasil), é um mercado de trilhões de dólares, mas nos próximos anos veremos uma consolidação dele, e algo semelhante vai acontecer nos espaços elétricos. Lançamos uma frota de 100 motos elétricas na América Latina, que está trabalhando com nossos clientes B2B. Estamos fazendo testes com essa frota para expandir até caminhões elétricos.
Qual é a principal meta de Picap para 2021?
Continuar a crescer mais rápido. Uma das nossas vantagens competitivas é que temos o transporte de pessoas e negócios, e não temos um grande rival nesse espaço. Como estamos nos concentrando em B2B2C, temos como objetivo mais empresas, estamos trabalhando para atender 4 mil grandes empresas até o final de 2021.
*Atualização: a primeira versão do texto dizia que a Picap tinha 3.000 funcionários, mas ela tinha 300.