O crescimento implacável do e-commerce no Brasil trouxe grandes desafios. A legislação tributária do país, feita para um mundo analógico, não estava preparada para o boom da Economia Digital no maior mercado da América Latina.
Na busca pela garantia da melhor experiência de compra para o consumidor, reduzir a burocracia em torno da multicanalidade se tornou uma das principais prioridades. As empresas que operam vendas multicanal no Brasil precisam, hoje, driblar algumas dificuldades tributárias e logísticas. A boa notícia é que esse cenário está prestes a acabar.
Depois de identificar a urgência de destravar a multicanalidade no Brasil, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) se reuniu com players do varejo, com advogados especializados em tributação e com políticos para formular a melhor maneira de reduzir a burocracia das vendas multicanal. Foi assim que surgiu o Projeto de Lei (PL) 148/2019, conhecido como PL do omnichannel ou PL da Multicanalidade.
Em tramitação da Câmara dos Deputados, o projeto, apresentado pelo deputado federal Enrico Masasi (PV-SP), propõe uma atualização fiscal que, entre outros pontos, facilita a abertura de pontos de coleta e retirada de produtos adquiridos online e permite uma logística reversa menos onerosa aos e-commerces.
Com a aprovação do projeto, comprar online e retirar ou devolver em lojas físicas será bem mais simples no país e, por isso, os números tendem a crescer. Pesquisas da ABComm indicam que as vendas do e-commerce seriam 25% maiores, um aumento de 75 milhões de pedidos por ano já em 2020.
Esse número por si só já é um grande benefício da aprovação do projeto.
Guilherme Martins, diretor do Comitê de Omnichannel da ABComm.
Em uma entrevista para o LABS, o diretor do Comitê de Omnichannel da ABComm, Guilherme Martins, explica que o projeto pretende solucionar duas barreiras principais para o omnichannel no Brasil: a complexidade fiscal da criação de pontos de coleta e retirada e a possibilidade de uma logística reversa integrada.
Atualmente, a legislação brasileira acaba restringindo a possibilidade do consumidor comprar online e retirar em um estabelecimento físico. Para as empresas, oferecer a multicanalidade se torna uma tarefa complexa.
Os players que possuem lojas físicas e as redes de franquia enfrentam uma burocracia menor. No Brasil, alguns exemplos de e-commerces que já operam a multicanalidade são as lojas de roupas e acessórios Amaro, C&A e Renner.
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Já os “pure players”, aqueles que vendem apenas online, não conseguem credenciar estabelecimentos parceiros como pontos de coleta e retirada, uma limitação às operações multicanal.
“Para abrir um locker de coleta e retirada, os e-commerces precisam criar um CNPJ específico para ele, fazer uma contabilidade própria para ele e retirar o Imposto de Renda de forma segregada. Na nossa avaliação, essa legislação não considera os avanços digitais no ramo do varejo e é por isso que a gente precisa integrar o mundo físico e o virtual.”, explica Martins.
Ao sugerir a simplificação da legislação tributária e a possibilidade do credenciamento de estabelecimentos físicos para a coleta e retirada, o PL do omnichannel propõe a redução drástica da burocracia da venda multicanal no Brasil.
Além disso, o projeto vai promover avanços ao integrar a logística reversa de mercadorias. Hoje, a legislação brasileira não autoriza a emissão de uma nota fiscal de devolução por arrependimento ou insatisfação, apenas por garantia ou troca. Com a ausência dessa previsão legal, os e-commerces acabam pagando impostos sobre uma compra que não se realizou.
Para Martins, a facilidade de credenciar pontos de coleta e devolução próximos ao consumidor vai simplificar a logística reversa no país. “Haverá uma facilidade enorme pra ofertar, a esse cliente que se arrependeu da compra, que, em vez de ir até os Correios e enviar o produto, ele simplesmente vá à loja mais próxima daquela rede ou a um ponto de coleta para fazer no ponto que for mais próximo dele”, explica.
Lojas e consumidores, todos sairão ganhando
“Sem a necessidade de investir um real, apenas adequando a legislação, é possível dar um incremento real no mercado. É um projeto que não faz mal a ninguém”, avalia Martins, ressaltando o otimismo com as chances de aprovação da Lei do Omnichannel. Em outras palavras, todos saem ganhando: os consumidores, os e-commerces e as pequenas e médias lojas físicas.
Para os grandes players do mercado, que já vêm buscando formas alternativas para operar a multicanalidade no Brasil, a alteração na legislação fiscal vai contribuir com a redução de custos dessas operações, principalmente das despesas ligadas à tributação excessiva e ao frete.
Com esse amadurecimento, o Brasil vai se aproximar da realidade de mercados mais maduros, como Estados Unidos, Reino Unido e Japão, onde o omnichannel já é prática consolidada e irreversível.
Os benefícios para os grandes players de crossborder que operam no Brasil são vários. Além da simplificação tributária prevista no projeto de lei, a multicanalidade vai proporcionar uma penetração ainda maior das entregas em regiões de difícil acesso.
Em um futuro próximo, por exemplo, o AliExpress, gigante do e-commerce que aposta no mercado brasileiro, poderá chegar com mais facilidade a consumidores que residem em estados mais afastados ou a localidades sem uma infraestrutura logística adequada.
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Os pequenos e médios e-commerces e lojas físicas também têm a ganhar. O e-commerce de menor porte não possui uma rede de lojas físicas em que ele possa empreender esse modelo de integração. Quando o PL facilita a criação de parcerias com lojas físicas para coleta e retirada, esses e-commerces conseguem alcançar um número maior de consumidores.
As lojas físicas menores, que ainda operam no modelo de venda tradicional e analógico, também entrarão em um cenário mais promissor. “Ela vai se tornar um ponto de coleta e retirada sem complexidade e isso gera pelo menos dois benefícios. Em primeiro lugar, a comissão que ela vai receber das vendas que forem emitidas para lá e, em segundo lugar, o aumento de fluxo na própria loja, com um maior número de vendas”, ressalta Martins.
Com relação ao consumidor, o PL também tem o potencial de democratizar o acesso ao e-commerce em regiões mais afastada e carentes, conhecidas como regiões de risco. Por serem violentas ou distantes dos grandes centros, algumas comunidades não recebem os serviços de transportadoras ou dos próprios Correios. Com a facilidade de criar pontos de coleta e retirada acessíveis, essa parcela da população seria incluída ao mundo do e-commerce, que geralmente têm preços mais acessíveis.
“Isso traz benefícios para toda a logística. Se é possível centralizar a entrega em um só ponto da comunidade, ao invés de passar por 100 endereços, nós teremos a redução de custos e isso beneficia o consumidor diretamente”, complementa Martins.
Não menos importante é o incentivo que a aprovação do PL dará à inovação no Brasil. A simplificação da multicanalidade abrirá espaço para o surgimento e o amadurecimento de startups voltadas para o desenvolvimento de inovação e soluções logísticas, as chamadas “LogTechs”.
Os benefícios do projeto são muitos e, de acordo com Martins, a sua tramitação no Congresso Nacional não deve enfrentar resistência. Atualmente, a proposta está sendo avaliada pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados. Se for aprovado nas demais comissões e no plenário, segue para a avaliação do Senado Federal.