Negócios

Primeiro cheque liderado pela Canaan Partners na América Latina vai para a Marvin

A terceira captação da Marvin, fintech de recebíveis como pagamento, chega um ano depois da criação da startup e em um momento complicado do mercado como um todo, com investidores cautelosos diante de um cenário de inflação e juros acima do esperado e fundadores cortando projetos paralelos, gastos e até mesmo demitindo. O cheque de US$ 15 milhões é o primeiro encabeçado pela gestora americana Canaan Partners na América Latina — em março, o fundo tinha participado da Série A da Cayena. “E eles responderam pelo aporte quase que inteiramente. Tornaram-se sócios mesmo da Marvin. Dois dos investidores anteriores, Canary e Mauá Capital [gestora do ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo] também acompanharam [a rodada], dobrando a aposta na Marvin, e o mais interessante: trouxemos uma série de investidores-anjo que, tenho certeza, serão transformacionais para a empresa, assim como o Eduardo Gouveia [ex-CEO da Cielo que ajudou a completar a rodada seed da Marvin em agosto] foi para gente”, diz Bernardo Vale, CEO e cofundador da Marvin ao lado de Henrique Echenique.

Entre os investidores que fazem os olhos dos cofundadores da fintech brilharem estão Carlos Selonke (hoje CIO do Revolut), Juan Pablo Ortega (cofundador do Rappi), Israel Salmén (cocriador da Méliuz), Lucas Amoroso (fundador da Lupa Capital) e Doug Scherrer (ex-CFO do Nubank). 

Antes de assinar o termo de acordo da rodada, ainda em abril, eles conversaram com mais de 120 fundos. “Esse ajuste que aconteceu no mercado veio em um bom momento para gente mostrar que nosso crescimento até aqui aconteceu sobre bases sólidas. Não mudamos nosso valuation e nem o montante que gostaríamos de levantar”, pontua Vale.

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A Marvin nasceu em maio do ano passado, de olho, principalmente, na circular 3.952 do Banco Central, de 2019, que “liberou” o saldo das maquininhas para que os lojistas pudessem usar os recebíveis para pagar diretamente seus fornecedores sem precisar antecipar o recebimento das vendas na forma de crédito. Em junho de 2021, com algum atraso, novas normas para a operacionalização do registro desses recebíveis e a negociação deles com financiadoras complementaram as mudanças regulatórias já há muito esperadas pelo setor.

As novas regras estabeleceram que toda fatura de cartão precisava ser registrada, pelas credenciadoras e sem custo, em centrais de registros. Essas centrais ou registradoras, por sua vez, teriam de fazer suas estruturas tecnológicas “conversarem” entre si.

Com todas as faturas registradas em centrais, os lojistas podem começar a dividir essas informações com mais de uma instituição financeira ou fintech interessada em fornecer a eles crédito ou outro tipo de serviço com base em pagamentos futuros.

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Na prática, todas essas mudanças destravaram uma nova fonte de capital de giro e crédito com garantia. Antes disso, os lojistas só podiam pedir fazer operações de antecipação com os bancos onde tinham conta ou com as credenciadoras (por meio do chamado crédito “fumaça”), que em grande parte também são controladas pelos mesmos bancos.

Esse quadro muda quando os lojistas passam a poder dividir sua “agenda” de recebíveis com mais de um financiador ao mesmo tempo, negociando melhores condições. Isso é possível porque os financiadores só podem reter como garantia o volume de recebíveis equivalente ao valor emprestado ou negociado, em vez de reter todo o fluxo de recebíveis do lojista, ainda que o valor emprestado fosse menor, como acontecia antes da regulamentação.

O objetivo final do Banco Central é aumentar a competição e, consequentemente, ver as taxas de juros e o spread das operações com recebíveis cair, especialmente para micro e pequenas empresas.

Para destravar esse potencial de capitalização para os lojistas, a Marvin tem atuado primeiro com as indústrias que fornecem para eles. São 26 grandes fabricantes, de diferentes segmentos, como Grupo Boticário (cosméticos e bem-estar), Ale (combustíveis) e Alpargastas (calçados).

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A Marvin só consegue fazer a ponte entre fornecedores e lojistas por está conectadas com todas as registradoras de recebíveis habilitadas pelo Banco Central: a CERC (primeira registradora de recebíveis de cartões autorizada pelo Banco Central em 2018 e que concentra praticamente 80% das operações), a CIP (ou Câmara Interbancária de Pagamentos, fundada em 2001 e controlada por grandes bancos, o que também quer dizer que concentra a maior parte esmagadora dos recebíveis de credenciadoras como SafraPayCieloRedeGetNet), a TAG, criada pela Stone, e B3, última a entrar na “festa dos recebíveis”.

Apesar de prevista nas novas normas do BC, a interoperabilidade do sistema ainda não é uma realidade. É por isso que a Marvin atua no que chama de “borda” do setor, conectando-se à TAG quando precisa ter acesso a recebíveis da Stone, à CIP quando precisa operar com Rede, e assim por diante.

“A dificuldade ainda está, principalmente, em as credenciadoras acatarem as informações das registradoras. O que aconteceu, na prática, é que as credenciadoras não mudaram realmente seus sistemas. Elas fizeram um puxadinho para aglutinar as transações mercantis em unidades de recebíveis para atender a norma, que teve sua entrada em vigor postergada mais de três vezes não à toa. Tendo conseguido implementar o que a gente chama aqui de ‘intermarvin’ [em referência à interoperabilidade que o sistema deveria ter], a gente consegue capturar essas transações e mitigar o problema. Mas se a gente consegue fazer isso, está bem claro que o problema não está exatamente nas registradoras”, explica Echenique. Para ele, é de certa forma esperado que isso fosse acontecer visto que quanto mais interoperabilidade e financiadoras houver atuando no setor, menos antecipação de recebíveis as credenciadoras farão. “Mas uma hora tudo se encaixa”.

“A equipe entende sobre a nova regulação melhor do que ninguém, e é por isso que este investimento é o nosso maior na América Latina até hoje. À medida que o Brasil deixa de ser uma sociedade centrada no dinheiro em espécie e passa a ser um dos mercados de pagamentos digitais mais dinâmicos do mundo, estamos entusiasmados para ver a Marvin desempenhar um papel de liderança e construir novas oportunidades financeiras para os varejistas de todo o país”, disse Brendan Dickinson, sócia da Canaan, em comunicado à imprensa. 

O objetivo a longo prazo da Marvin é a de ter 1 milhão de PDVs (pontos de venda) utilizando a solução da fintech. A curto prazo, a startup também já tinha revelado ao LABS que quer estar presente em pelo menos 25 mil PDVs até o fim de 2022.

Equipe da Marvin. Fintech tem pouco mais de 50 colaboradores no momento. Foto: Julio Grossi/Divulgação.

Para isso, os novos recursos serão usados principalmente na atração de talentos e executivos de peso. “É praxe para gente. Sempre que trouxemos grandes nomes, essas pessoas trazem outras pessoas e o crescimento acontece. Então nosso investimento agora será mesmo em pessoas e na divulgação da nossa marca com os lojistas”, explica Vale.

This post was last modified on maio 24, 2022 6:15 pm

Fabiane Ziolla Menezes

LABS Editor-in-chief Fabiane has more than 15 years of experience reporting on business, finance, innovation, and cities in Brazil. This last passion took her back to the classroom not long ago and made her a Master in Urban Management at PUCPR. At LABS, she tries to always keep on game-changing businesses and people driving these changes in Latin America.

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Fabiane Ziolla Menezes

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