Fabenne, startup de vinho em caixinha
Foto: Fabenne/Divulgação
Negócios

Com vinho bom na caixinha, a Fabenne quer “desritualizar” a bebida no Brasil

Ao passar mais tempo dentro de casa, o brasileiro descobriu o vinho - em 2020, o consumo da bebida aumentou 30% em relação a 2019. A Fabenne quer aproveitar o momento para descomplicar o seu consumo

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Ao passar mais tempo dentro de casa, o brasileiro descobriu o vinho. A bebida, que por aqui está associada a ocasiões especiais e preços elevados, ganhou espaço nas listas de compras devido à pandemia e alta do dólar. A Fabenne, uma startup de vinhos com sede no bairro da Mooca, em São Paulo, quer aproveitar esse momento para levar o vinho aonde ele nunca esteve: em uma noite de terça-feira qualquer, nada especial, na vida do brasileiro.

Dados de consumo traduzem a ascensão do vinho em meio à pandemia. Segundo a Ideal Consulting, em 2020 o consumo de vinho no Brasil subiu 30% em relação ao ano anterior e chegou a 2,78 litros por pessoa maior de idade, um patamar histórico. Foi um ano atípico não só para os bebedores, mas também para os produtores daqui. Graças ao dólar caro e a uma boa safra nacional, os vinhos finos brasileiros dobraram sua participação e chegaram a 6% de participação no mercado.

Ainda é pouco, mas há empresas que viram nesse salto um enorme potencial inexplorado. A Fabenne, que se apresenta como uma startup de vinhos, foi criada em 2017, em São Paulo (SP), com um produto bem específico: o vinho na caixa, ou “bag-in-box”. A tecnologia, criada nos anos 1970 nos Estados Unidos para transportar baterias de lítio, foi posteriormente adaptada na Austrália para o vinho e virou um sucesso mundial. “Na Austrália, quase 50% do consumo de vinho já é em bag-in-box. As duas maiores marcas de vinho do mundo, Franzia e Bota Box, ambas norte-americanas, são bag-in-box”, diz Adriano Santucci, um dos co-fundadores e CEO da Fabenne.

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A vantagem do bag-in-box é a durabilidade que a tecnologia confere ao vinho. Dentro da caixa, a bebida é acondicionada em uma camada de resina especial e tem um “dispenser” hermético, que impede a entrada de ar quando se serve a taça. Com isso, o vinho pode ser consumido por até 30 dias sem perda de qualidade.

Cada bag-in-box da Fabenne contém 3 litros de vinho. Por ora, são oferecidos três varietais fixos no portfólio — Cabernet Sauvignon, Moscato Giallo (branco) e Rosé —, todos vindos direto da cooperativa Vinícola São João, de Farroupilha, na Serra Gaúcha. A previsão da Fabenne é aumentar o portfólio e pular de três para oito varietais até o fim de 2021. 

Três anos de muitas mudanças

O primeiro ano de operação para valer da Fabenne, em 2018, foi de experimentação, conta Adriano: “A gente fez muito teste de canal. Vendemos para restaurante, eventos, casamentos, varejo, empórios e venda direta também”. Em 2019, a startup decidiu focar em food service e na venda direta, com captação de clientes no próprio site. Naquela época, o food service, ou seja, a venda para restaurantes, respondia por 75–80% do negócio.

No final de 2019, a Fabenne levantou um investimento com familiares e amigos — ao todo, eles injetaram R$ 1,7 milhão no negócio. O dinheiro seria usado para intensificar os esforços nos dois canais em que já trabalhavam. Mas aí veio a pandemia e o que eram dois canais praticamente virou um só, o de venda direta via internet. “A gente fez mudanças em praticamente tudo”, lembra o CEO.

Até 2019, o nosso modelo de entrega era para restaurante, com agendamento, sempre de segunda a sexta em horário comercial, e de repente passamos a ter um volume de pedidos para a casa do consumidor, de São Paulo ao Tocantins. Tivemos que mudar nossa malha logística, de manuseio… toda a nossa operação foi adaptada para conseguirmos chegar o mais rápido possível na casa do consumidor.

aDRIANO SANTUCCI, CO-FUNDADOR DA FABENNE

Mesmo com o aperto da pandemia, ele e os seus dois sócios, Arthur Garutti e Thiago Santucci, ainda tinham opções. No caso, ir para o e-commerce próprio ou para o varejo, ou seja, vendendo em grandes redes de mercados. Optaram pelo e-commerce porque, segundo Adriano, o produto é de alta recorrência e oferece previsibilidade, de modo que a Fabenne conseguiu criar uma régua de comunicação para o cliente nunca ficar sem vinho. “A gente brinca que o vinho da sexta-feira está sempre garantido”, diz. 

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A escolha parece ter sido acertada. A Fabenne fechou 2020 com 10 mil clientes e faturamento de R$ 4 milhões, aumento de 315% em relação a 2019. Boa parte desse crescimento veio da venda direta, embora uma pequena base de restaurantes parceiros, cerca de 350, continue comprando. Os restaurantes, que já foram o grosso da clientela da Fabenne, hoje representam apenas 10% do faturamento.

Para 2021, o objetivo da Fabenne é quintuplicar a operação, chegando a 50 mil clientes e R$ 16 milhões de faturamento.

“Desritualizando” o vinho

Alguns fatores explicam a elevação no consumo de vinho entre os brasileiros e, consequentemente, o crescimento da Fabenne. O dólar alto e a boa safra das vinícolas nacionais no ano passado, por exemplo. Mas para Adriano, a pandemia foi, de longe, o principal fator que impulsionou essa mudança comportamental.

“Quando você perde o que a gente chama de ‘high-energy’, os bares e as baladas que ficam [abertos] até mais tarde, você diminui o consumo de bebidas destiladas e vai para dentro do lar”, explica.

Em casa, você escolhe um pouco diferente. Vinho é uma bebida que entrega uma energia média, é uma bebida de 12–14% de teor alcoólico, e você não precisa de uma balada, de musica ao vivo; você pode tomá-la lendo um livro. Então o vinho se torna um tipo de bebida muito mais fácil de ter no dia a dia.

Adriano santucci, co-fundador da fabenne

Paralelo ao vinho, a Fabenne vende histórias. “A gente acredita que o brasileiro só não toma mais vinho porque é caro”, explica. Por isso, a startup quer “desritualizar” a bebida, ou seja, torná-la mais acessível, tanto para o bolso quanto para as ocasiões em que um bom vinho pode ser tomado.

“A gente vê que o bag-in-box é uma forma muito legal de gerar acesso porque desconstrói aquele negócio do ritual, de abrir uma garrafa de vinho, de harmonizar com comida A, B e C, porque o formato já desconstrói tudo isso e o preço por taça é provavelmente o melhor dentro dos vinhos secos”, diz.

Cada bag-in-box com 3 litros da bebida custa R$ 99 e rende cerca de 20 taças, o que resulta num custo de R$ 5 por taça. Nesse valor, “você já consegue tomar vinho em momentos que talvez não considerasse antes”, diz o executivo. Alguém que, numa terça-feira normal, quisesse beber um vinho, exemplifica, talvez reconsiderasse a decisão com uma garrafa, porque nesse recipiente a bebida perde qualidade já no dia seguinte. Com a bag-in-box, ele pode beber sem correr o risco de comprometer o restante do vinho e sem a tentação de beber tudo e acabar acordando no dia seguinte (um dia útil!) de ressaca.

Adriano Santucci, um dos co-fundadores da Fabenne, quer desritualizar o consumo de vinho no Brasil. Foto: Fabenne/Divulgação

Essa história que a Fabenne conta tangencia um possível confronto com os vinhos de garrafa. E é proposital: “Nosso discurso está muito mais conectado em construir o bag-in-box do que roubar o mercado das garrafas”, diz Adriano. Para ele, o vinho na caixinha pode muito bem co-existir com os de garrafa, sendo que esses continuariam reservados para ocasiões especiais, como uma refeição mais requintada ou em uma reunião de amigos.

“Você coloca uma bebida na mesa muitas vezes por conta de uma imagem social. A nossa ideia não é essa”, explica. “A gente foi criado com vinho no almoço de domingo, nossas nonas aqui da Mooca sempre deram vinho pra gente, e era macarrão com almôndegas, sem frescura. Queremos mostrar ao brasileiro que é assim que se toma vinho no mundo inteiro”, referindo-se a países europeus onde o vinho é servido em qualquer lugar e a taça custa € 2. “É totalmente ‘desritualizado’, não é um negócio que distancia o consumidor”. 

Para o CEO da Fabenne, o vinho no Brasil tem fama de produto caro e as vinícolas e importadoras reforçam esse estigma, que por vezes afasta potenciais consumidores, graças a “uma comunicação elitista, com nomes de uvas impronunciáveis”.

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Ao romper com esse discurso e apresentar um produto mais casual e barato, mas mantendo um padrão de qualidade alto, a Fabenne espera educar o consumidor para que, quando as baladas com os destilados e os churrascos regados a cerveja voltarem, o vinho não suma da sua rotina. “Vinho é pra todo mundo. Você não precisa ser rico ou estar em uma ocasião especial para tomar vinho.”

Nossa missão inicial é ser um dos líderes na mudança de comportamento do consumidor brasileiro que entra e se relaciona com a categoria de vinhos.

ADRIANO SANTUCCI, CO-FUNDADOR DA FABENNE

Para Adriano, há muito espaço para multiplicar o consumo médio por pessoa no Brasil — ele fala num salto de até dez vezes. Por esse motivo, a startup ainda não tem planos de expansão internacional. “O brasileiro gosta de bebida alcoólica, mas precisa de um intermediador, de alguém que conte a história certa, que o ensine. A gente gosta de fazer esse papel e acredita que com isso o mercado vai se desenvolver muito rápido.”

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