A América Latina tem cada vez mais unicórnios (entre os mais recentes Clip, Creditas, Kavak, Loft, VTEX) construídos em cada vez menos tempo. Com o amadurecimento das empresas de tecnologia, os fundadores olham para os painéis reluzentes da Times Square e pensam na maneira óbvia de gerar liquidez para os investidores e para a empresa: tocar o sino do IPO. Também é possível fazer uma listagem direta (quando uma empresa lança suas ações pré-existentes em uma bolsa de valores, mas sem contratar bancos para subscrever a transação como em um IPO).
Mas um novo instrumento (criado há cerca de 20 anos nos Estados Unidos, mas que ganhou os holofotes no ano passado) quer oferecer às startups da América Latina uma forma mais rápida para listagem e criação de novas ações nos EUA: o SPAC. Até o momento, nenhuma empresa de tecnologia da América Latina foi listada por meio de um SPAC, mas a caçada pelo primeiro negócio já começou para quatro veículos recém-lançados: o Alpha Capital, o Valor Latitude, o SoftBank e a DILA Capital. O LABS procurou esses SPACs para falar sobre a busca das empresas alvo na região. Apenas o SoftBank disse que não vai comentar sobre seu SPAC de US$ 200 milhões lançado em janeiro deste ano por enquanto.
O SPAC (Special-Purpose Acquisition Company), também chamado de “empresa cheque em branco”, é um veículo que fornece aos negócios privados uma forma de entrar no mercado público de ações mais rapidamente do que em um processo de IPO – leva alguns meses, enquanto o IPO pode levar mais de um ano –, usando a arbitragem regulatória de fusões e aquisições, que é mais simples do que as regras para se listar uma empresa na bolsa. Ou seja: troca-se uma regulação por outra.

Mas como isso funciona? Geralmente, os SPACs têm como gestores líderes de corporações, empresários bem-sucedidos e grandes investidores que criam uma empresa sem operação. Esses gestores (também chamados de sponsors) levam o SPAC ao mercado por meio de um IPO regular, em um processo coordenado por bancos de investimentos. Esse processo como um todo é mais fácil, já que a empresa não tem uma história para passar por auditoria. Ela nasce com um único propósito: fazer uma fusão com outra empresa.
Os investidores acreditam na experiência do sponsor para filtrar as empresas e fazer um bom negócio e, mesmo sem saberem com qual empresa o SPAC fará a fusão, compram ações do SPAC por tradicionalmente US$ 10.
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Depois do IPO, o SPAC começa a procurar por uma empresa alvo que queira se tornar pública. Segundo a regulação, o veículo até pode fazer uma extensão de prazo, mas geralmente o SPAC tem dois anos para encontrar uma empresa e fazer um acordo.
Se isso não acontecer, o dinheiro volta para os investidores e o SPAC se dissolve. Mas, se o SPAC faz a fusão com uma empresa que quer se tornar pública, essa empresa alvo consegue seu lugar na bolsa de valores e o ticker do SPAC vira o nome da empresa alvo.
Como o SPAC segue a regra de fusões e aquisições, só pode fazer a fusão com uma única empresa. Depois da transação, os investidores da empresa de cheque em branco passam a ter ações na nova empresa listada e os gestores do SPACs normalmente recebem 20% dessas ações. Para levar outras empresas ao mercado público, os gestores podem criar outros veículos SPACs, o número II, III, por exemplo. É o caso da Union Acquisition Corp, que não é focada especialmente em tecnologia, mas que está no seu segundo SPAC com uma empresa da região.
O SPAC de uma empresa tradicional: o caso da Procaps Group
A Union Acquisition Corp. II é um SPAC de US$ 200 milhões liderado pelo empresário americano Kyle Bransfield e o político e milionário uruguaio Juan Sartori, que já escolheu sua empresa alvo: a Procaps Group, empresa farmacêutica da Colômbia. Esse é o segundo SPAC para América Latina dos gestores, que com o primeiro Union Acquisition Corp fizeram a saída da empresa de biotecnologia argentina Bioceres em 2019, que hoje tem os papéis em torno de US$ 15.
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“Aprendemos muito com esse processo. Este foi o primeiro SPAC em que levantamos um PIPE, quando fechamos esse negócio estávamos à frente do nosso tempo, as pessoas não sabiam o que era um PIPE, por isso estamos orgulhosos de termos criado um PIPE da qualidade dos investidores que fizemos”, afirma Daniel Fink, COO do Union Acquisition Group, em entrevista ao LABS.
Muitos SPACs têm o chamado investimento privado em capital público, o tal do PIPE (Private Investment in Public Equity). Esse mecanismo dá a possibilidade ao SPAC de agregar outros investidores caso o valor necessário para a fusão com o parceiro seja maior do que o SPAC comporta. Por exemplo, no caso da Union Acquisition Corp. II, o SPAC é de US$ 200 milhões. Mas se a fusão com a empresa alvo precisasse de US$ 500 milhões ou US$ 1 bilhão, o veículo juntaria outros investidores que não vão entrar no SPAC mas que investem nessa fórmula PIPE com os gestores.
Neste caso, os investidores dão uma carta intenção para os gestores. Se a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) aprovar, o dinheiro é liberado para o SPAC. Esse recurso vai diretamente para as ações da empresa fusionada e dá flexibilidade ao SPAC, que pode optar por fazer uma fusão de US$ 800 milhões, US$ 1 bilhão ou até US$ 5 bilhões, por exemplo. Recentemente, a Grab, startup de Singapura, fez um SPAC a US$ 40 bilhões.
Por essa lógica, a Union Acquisition poderia levar uma empresa como o Nubank ao mercado público com um PIPE, não apenas com o SPAC, por exemplo. Embora não descarte as startups, a Union Acquisition alega que o escrutínio de empresas de tecnologia é mais complicado do que o de empresas tradicionais, que possuem registros mais robustos dos resultados. O novo acordo de fusão da Union com a colombiana Procaps, do setor de saúde, passou por auditorias da Deloitte e da KPMG, por exemplo.
A transação foi anunciada no final de março. Os investidores têm o direito de pegar de volta o dinheiro antes da transação fechar em agosto, caso não gostem da empresa alvo. “Mas por que voltar atrás? Como você mostra um sinal da força de uma transação para o mercado para que o mercado se sinta muito confortável e queira ficar? A primeira coisa que nós fizemos foi levantar um PIPE.”
Segundo Fink, os investidores participantes provavelmente vão manter as ações na empresa por causa da promessa do uso do dinheiro pela Procaps na região: expansão pela América Latina. “Quando a transação for fechada, se o preço das ações despencarem, logicamente, eles poderiam resgatar o dinheiro em agosto. Estamos no processo de conseguir a base de acionistas certa para substituir os acionistas potenciais do SPAC que têm algumas restrições de liquidez.”
“Uma das coisas em que estamos muito focados na Union é no próximo ano tornar a empresa totalmente compatível com o padrão das ações da Nasdaq. Essa é parte da razão pela qual as empresas de tecnologia são mais difíceis de avaliar [em termos de] expectativas financeiras, são um pouco mais nebulosas [nesse sentido]. Para uma empresa como a Procaps, que existe há 40 anos com os livros contábeis, os registros, não é tão preocupante que a empresa realmente dê conta do mercado público de uma maneira profissional”, conta Fink.
Apesar das preocupações de alguns investidores de que empresas SPACs não passem por todo o escrutínio de um IPO, Ruben Minski, dono do Grupo Procaps, disse ao LABS que a avaliação que a SEC fez de sua empresa foi exatamente a mesma de um IPO.

“Eles estavam indo exatamente para a mesma quantidade de detalhes. Portanto, o escrutínio é semelhante a um registro de IPO regular na Nasdaq. Encontramos no SPAC uma maneira muito mais rápida de capitalizar e uma oportunidade para entrar no mercado da Nasdaq para financiamento público e a visibilidade como empresa de capital aberto. Estávamos pensando que íamos fazer um IPO em 2023, mas quando encontramos o SPAC; a Union tinha uma reputação tão grande e grandes parceiros, sentimos a oportunidade de aproveitar. Encurtamos nosso tempo para irmos ao mercado em 18 meses e no final obtivemos exatamente o mesmo resultado. Esperamos servir como modelo de sucesso, achamos esse veículo muito interessante.”
Por que o mercado de SPACs para startups acelerou?
Segundo o CEO e cofundador da Alpha Capital, Rafael Steinhauser e o gestor da DILA Capital, Alejandro Diez Barroso, a falta de capital para investimentos late-stage em startups da região força a entrada dos unicórnios no mercado público de ações. Steinhauser argumenta que além do custo menor de uma saída por SPAC em relação ao IPO, maior flexibilidade e menos tempo, no SPAC não há o risco do chamado “pop”, efeito que muitas empresas de tecnologia sentem quando se tornam públicas.
O pop é a diferença entre o preço de lançamento e o valor no fim do primeiro dia. Em alguns casos, a volatilidade causada pela pandemia do novo coronavírus tem frustrado as expectativas.
“A empresa que se torna pública vende um pedaço dela por uma certa quantidade de dinheiro. Mas o que interessa a outra parte é fazer um bom negócio. Então o preço da ação é estabelecido e você tem esse efeito chamado pop que no ano passado foi de 39%. No SPAC não existe isso. Você acorda um preço justo para as duas partes e acabou”, diz Steinhauser.

Além disso, Steinhauser lembra que enquanto fazer projeções (forward looking statements) é algo proibido para uma empresa que se prepara para o IPO, para o SPAC não há essa restrição. “Se você é uma high growth company o interesse maior é seu futuro, não seu passado. Você fala o que vai conquistar com o dinheiro, que vai fazer M&A, expandir internacionalmente, contratar mais gente, criar uma fintech dentro da empresa, etc. Isso é o que é interessante, não o passado, que talvez seja muito curto. O valor da empresa está no futuro. No SPAC isso é o tema central.”
Em fevereiro, a Alpha Capital fez o IPO de seu SPAC para US$ 230 milhões, mas a demanda foi 15 vezes maior. Os investidores ofereceram quase US$ 3 bilhões para Steinhauser e Alec Oxenford, os argentinos gestores. “Não era certo que o investidor americano iria comprar. Nós vendemos a ideia e eles compraram. Talvez compraram pela ideia, ou pelo Alec ou por mim. Como tivemos 15 vezes mais oferta do que o tamanho do nosso SPAC, isso nos permitiu escolher a dedo quem queríamos como investidor. Isso é muito importante porque queríamos investidores que tivessem presentes no IPO e no De-SPAC (quando a empresa da fusão se torna pública) e depois no day after. Que eles fiquem, que sejam long-term e não especuladores, porque esse caminho é muito perigoso”.
O primeiro SPAC não pode “queimar o filme do setor”
“Queremos fazer um grande deal com uma grande empresa. Se não, não faremos. Porque não é apenas por nós. Como somos o primeiro SPAC de tech LatAm, tem que ser muito bom. Não queremos queimar o filme, se não é difícil para o futuro do setor”, diz Steinhauser.
A Alpha Capital está interessada em startups capazes de replicar seu modelo de negócios globalmente. “Tem as empresas que mexem com átomos (produtos físicos) e as que trabalham com bits. Se você mexe com átomos, é muito mais difícil replicar, você depende de investimento dessa matéria prima, depende de regulação. Quando se trabalha com bits, você faz uma plataforma e se é boa pode funcionar para o mundo inteiro. Então gostamos de fintechs, SaaS, marketplaces de e-commerce, edtech e proptechs”.
Além desses setores em comum com a Alpha, a Valor Latitude, que tem entre os fundadores Scott Sobel, do Valor Capital Group, também procura empresas de logística e health techs para fazer a fusão na região. Estatisticamente falando, a probabilidade é maior de que as empresas alvo desses SPACs estejam no Brasil, já que 70% das empresas de tecnologia da região estão no país.
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Já Barroso, da mexicana DILA Capital, diz que seu SPAC de US$ 55 milhões, que fez IPO nesta terça-feira (15), está focado em empresas da América Latina hispânica, ou seja, sem contar o Brasil. O SPAC também pode incluir empresas do estado da Flórida, nos Estados Unidos, que têm forte presença de empreendedores latinos. Por investir em capital de risco na região há 15 anos, ele explica que faz sentido que a empresa faça a fusão com alguma startup da região, mas não descarta fusões com setores mais tradicionais.

“Acreditamos que esta oportunidade é única dado o tamanho do nosso SPAC. Achamos que um SPAC de US$ 50 milhões é pequeno em relação ao resto, o que nos dá muitas opções para buscar empresas que não sejam tão grandes, porque outros SPACs são maiores e, portanto, têm como alvo empresas maiores”, disse ele ao LABS.
Mario Mello, CEO do Valor Latitude, conta ao LABS que há espaço para todos os competidores SPACs na região. O SPAC de US$ 200 milhões da Valor fez seu IPO em Nasdaq no início de maio. “Não estou falando que tem SPAC bom e SPAC ruim, acho que tem um tipo de investidor que gosta mais de infraestrutura, investidor de tecnologia, investidor de fintechs, então você tem que alinhar investidores. Eu acho que tem espaço para muita gente. Principalmente em um mercado que não tem o mesmo nível de concorrência que tem o mercado americano.”

O entusiasmo dos investidores pelo mecanismo pode ter diminuído com o maior escrutínio da SEC pelas transações depois que as ações de alguns veículos no mercado americano recentemente apresentaram um desempenho ruim. Dados do Bank of America compartilhados com o LABS mostram que no primeiro trimestre de 2021, houve 296 transações SPAC – mais que os 248 acordos de todo 2020, mas bem menos que as 10 transações SPAC do segundo trimestre (até abril).
O BofA esteve envolvido nas ofertas da Alpha e da Valor Latitude. “A gente tinha um volume médio de quase US$ 10 bilhões semanalmente de SPACs globais, isso caiu para algo como menos de US$1 bilhão. Isso mostra que, de um lado o investidor está querendo ver um pouco mais de resultado das combinações de negócios, o que a gente chama de De-SPACS, que é o caixa desses veículos que foram levantados de fato sendo utilizado para comprar e fazer uma fusão com empresas,” diz Pedro Pereira, responsável por tecnologia para a América Latina no BofA.
Para ele, também há um desejo dos investidores de realmente comprarem histórias de sucesso dos SPACs por meio dos sponsors bem-sucedidos, e o universo de gestores elegíveis diminuiu.