Em menos de uma década, o celular passou de extravagância para uma peça importante — às vezes, central — na vida das pessoas. Para quem tem mais idade, aqueles que cresceram em um mundo analógico, essa mudança pode ter sido turbulenta. Em Minas Gerais, a Obabox viu no público da terceira idade uma oportunidade para aplicar sua estratégia de diferenciação no varejo, um dos mais disputados do Brasil.
O ObaSmart é um celular Android criado para pessoas mais velhas. Ele traz um “launcher” (interface) adaptada, com atalhos rápidos, botões e fontes grandes, cores destacadas e até um botão de SOS, que alerta contatos pré-cadastrados quando acionado. Aplicativos populares já vêm pré-instalados. O consumidor que leva um ObaSmart ainda conta com uma central de atendimento do tipo tira-dúvidas e ganha acesso a um infoproduto que ensina a usar o celular e a fazer tarefas corriqueiras na internet.
“O que nasceu como um smartphone se transformou numa solução de acessibilidade incrível”, explica Carlos Soares, co-fundador e CEO da Obabox, empresa mineira especializada em varejo e, nas palavras dele, também uma “fábrica de ideias”.
A Obabox nasceu em 2004, pegando carona no então nascente comércio eletrônico. Carlos trabalhava com lubrificantes automotivos e seu sócio, Leonardo Davi, fabricando e vendendo camisetas promocionais. A união para explorar o comércio via internet visava sanar algumas dores comuns aos empreendedores: “A margem muito apertada, a gente só vendia para Minas Gerais — eu tinha vendedor rodando de carro Minas Gerais inteiro —, a gente tinha muito problema com inadimplência”, relembra Carlos.
Durante o planejamento, a dupla tinha certeza que era questão de tempo para que os grandes players do varejo nacional embarcassem no ambiente digital, por isso desde o início a Obabox apostou em diferenciação. “Como uma pessoa compraria uma geladeira com a gente em vez de comprar na Casas Bahia? Já tínhamos essa percepção”, afirma.

O celular, que hoje é um dos carros-chefes da Obabox na figura do ObaSmart, esteve envolvido no primeiro grande sucesso da empresa. Na época, os modelos eram rudimentares e foi numa das suas deficiências que Carlos e Leonardo vislumbraram uma oportunidade: “As pessoas começaram a dirigir [carros] e a falar ao celular ao mesmo tempo”, explica. Não havia Bluetooth e alguns celulares sequer tinham alto-falantes. Enquanto isso, os acidentes provocados pelo uso do celular ao volante já tinham gerado leis proibindo a prática.
“Achamos, na China, um produto que você acoplava em qualquer aparelho de telefone, era plug-and-play, e ele direcionava o que a pessoa estava falando para você a uma estação de rádio. Ele vinha com uma estação que você tinha que sintonizar, sei lá, 92,7, e ele transmitia ao rádio do seu carro o que a pessoa estava conversando, e o que você estava falando o próprio telefone captava”, explica.
A Obabox trouxe o receptor da China. Aqui, desenvolveu uma embalagem própria, traduziu o manual, ofereceu garantia estendida e colocou baterias extras no pacote. Emplacou.
Se a gente pega o que fazemos hoje, a essência é a mesma: de um lado, entendemos cada vez mais de pessoas, o que as pessoas precisam, e desenvolvemos soluções relacionadas a produtos. E, às vezes, elas vão até além de produtos; entra serviços, tecnologia, pensar nas soluções mesmo, e vender direto para o consumidor final, sem atravessador.
Carlos Soares, co-fundador e CEO da Obabox
Viva, Conviva e Reviva
Em linhas gerais, o modelo de negócio da Obabox não se distingue muito do de outras marcas brasileiras, como a Multilaser, que neste ano abriu capital na B3. Consiste em importar ou desenvolver produtos, localizá-los, estampar uma marca própria e vendê-los ao público brasileiro.
A popularidade nos últimos anos da compra direta em lojas chinesas, como AliExpress e Shein, não inviabilizou a atuação de empresas brasileiras que fazem esse meio-campo.
Para a Obabox, o modelo funcionou bem, sem exigir maiores alterações, até 2015. Naquele ano a empresa empregava cerca de 50 funcionários e faturou R$ 25 milhões. Mas aí veio 2016 e as crises política e econômica no país, somadas à reforma tributária que alterou as regras do ICMS. Tudo isso impactou diretamente a Obabox e colocou sua operação em risco.
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Em 2016 e 2017, a Obabox encolheu um bocado, passou a dar prejuízo. Em 2017, o faturamento foi de R$ 14 milhões, com um rombo de R$ 1,5 milhão. Vendo os números despencarem, os sócios pediram ajuda. Recorreram ao marqueteiro Júlio Alves, que já tinha em seu currículo grandes “cases” no varejo nacional como o das lojas temáticas da Centauro e a promessa de preços baixos da Ricardo Eletro. O brief era dar uma repaginada na marca; Júlio apresentou uma reformulação profunda do que a Obabox deveria ser, praticamente uma nova estratégia. “Ele apresentou para nós, em abril de 2017, um projeto que veio a se tornar a Obabox”, diz Carlos.
A nova estratégia passava por simplificação e um retorno à essência da Obabox. Àquela altura, a empresa trabalhava com 7 mil SKUs — “a gente estava vendendo até super bonder na loja”, brinca Carlos. Para implementar a nova visão, a Obabox queimou todo aquele estoque e passou a focar em uma linha de produtos muito mais enxuta. “Hoje, a gente está com aproximadamente 12 produtos no nosso portfólio. Vamos fechar o ano com 20 produtos exclusivos, próprios, da nossa marca”, diz Carlos.

Além do ObaSmart, a Obabox vende robôs aspiradores de pó, vitrolas e caixas de som Bluetooth. É difícil encaixar os produtos do portfólio em categorias tradicionais, e isso é proposital. Na nova Obabox, eles se dividem em três “universos”:
- Viva, para produtos que “vão te ajudar a fazer o que você precisa fazer, mas que você não necessariamente gosta de fazer, para você ter tempo de fazer o que gosta de fazer, entendeu?” O robô aspirador de pó entra aqui.
- Conviva, “aqueles produtos para você consumir com quem você gosta, que motivam você a estar perto de outras pessoas”. Caixas de som e panelas integram essa vertical.
- Reviva, onde ficam coisas como o celular e as vitrolas. “A palavra reviva é muito bonita, ela tem duas linhas: reviva traz vida para algo que não tem, está assim apagado, mas também te ajuda a trazer lembranças do passado”, justifica Carlos.
Cada produto do portfólio atual foi gestado com o auxílio dos clientes, de acordo com Carlos. Como toda empresa moderna, a Obabox devora dados (“nascemos no digital, somos alucinados com dados”), mas não deixa de lado a boa e velha conversa. Quase metade dos seus cerca de 100 funcionários estão alocados no atendimento — tanto da central de tira-dúvidas do ObaSmart como em televendas, canal que responde por 1/3 das vendas da Obabox. “Eles [funcionários] ligam para as pessoas, pesquisam, entram nas comunidades em que essas pessoas estão presentes, coisas que muitas vezes vão além de um simples dado geográfico ou demográfico.”
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É nesse contato mais próximo com o consumidor que, segundo Carlos, reside um dos dois grandes diferenciais da Obabox. Ao contrário de outras empresas rivais, que, na visão dele, criam produtos para depois buscar consumidores, a Obabox inverte esse caminho:
A gente entende as pessoas e aí começa a desenvolver produtos para os clientes, e não clientes para os produtos. É o contrário.
CARLOS SOARES, CO-FUNDADOR E CEO DA OBABOX
O outro pilar de diferenciação é no ecossistema que se cria em torno de alguns produtos. O ObaSmart, celular para o público da terceira idade, é o grande exemplo dessa abordagem. Não se trata apenas de um aparelho, mas sim de um conjunto de soluções: a camada de software que reveste o Android é desenvolvida internamente; há o infoproduto, com aulas que ensinam os usuários a mexerem no celular; e o teleatendimento, que tira dúvidas do celular e quaisquer outras envolvendo tecnologia. Todos esses serviços estão embutidos no preço do celular, ou seja, não há cobranças extras ou recorrentes. A previsão da Obabox é vender 100 mil unidades do ObaSmart neste ano de 2021.
(Apesar da rivalidade, a Obabox vende alguns produtos Multilaser em seu site e trabalhou em conjunto na construção do ObaSmart 3, versão atualmente à venda do seu celular Android.)
A caminho do mundo físico
Das conversas com os atuais clientes vieram as próximas novidades no portfólio da Obabox. Os próximos robôs aspiradores de pó, por exemplo, terão nomes e opções de personalização, como adesivos de chapéus, bigodes e maquiagem, porque a empresa descobriu que é comum, entre os consumidores do atual ObaDuster, tratarem-no como se fosse um bichinho de estimação.
O ObaSmart virará uma linha, com celular simples (feature phone) com acesso ao WhatsApp e uma versão do modelo com Android mais sofisticada, atendendo à demanda de parte da clientela que gosta dos facilitadores da Obabox, mas sente falta de mais poder de processamento no modelo que está à venda. (E também agradar a crítica especializada, que não gostou muito do atual modelo, o ObaSmart 3…)
Os últimos produtos lançados pela Obabox são a Gira!, uma escova elétrica multifuncional, e a ObaSound Pool, uma caixa de som Bluetooth resistente à água e com 14 W RMS de potência.
A chacoalhada na Obabox surtiu efeitos quase que imediatamente. Em 2018 a empresa voltou ao patamar pré-crise, com faturamento de R$ 20 milhões. Em 2019, cresceu 40% e em 2020, bateu R$ 62 milhões. O grande objetivo da Obabox é tornar-se uma empresa que vende R$ 1 bilhão por ano. Pelas projeções, esse marco deve ser alcançado em 2025.
Para tanto, o próximo passo operacional da Obabox é chegar ao varejo físico. Hoje, ela vende em três canais: e-commerce próprio, marketplaces e televendas, com uma divisão quase uniforme entre eles — cada um responde por 1/3 das vendas. “A gente acredita muito nessa experiência integrada e nos próximos anos vamos buscar encaixar essa peça que está faltando, que é a da experiência do cliente nosso no mundo físico”, diz Carlos.