Fintechs brasileiras
Alan Leite, CEO da Farm; Maxnaun Gutierrez, head de produtos e pessoa física do C6 Bank; and Romulo Pereira, diretor de produtos e customer service da iugu. Foto: Divulgação
Negócios

"Corrida regulatória": fintechs brasileiras percorrem caminhos diferentes para crescer

Empresas buscam licenças do órgão regulador para melhorar processos, aumentar área de atuação e não depender de intermediários

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Fundada em 2012, a plataforma de automatização de operações financeiras iugu recebeu em agosto do ano passado a licença do Banco Central do Brasil (BC) para operar como uma instituição de pagamento. Um passo que vai permitir à empresa se conectar diretamente ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e oferecer mais produtos e serviços aos clientes sem a necessidade de um intermediário.

O processo para a obtenção da licença começou em 2019, exigiu investimento em pessoas (o time de tecnologia dobrou, e os de compliance e prevenção de fraudes também cresceram) e se concretizou após muito escrutínio do BC. O retorno, segundo o diretor de produtos e customer service da iugu, Romulo Pereira, será sentido nos próximos meses, quando de fato começar a operar como instituição de pagamento.

“Temos agora um leque muito maior para os clientes, que podem contratar um serviço diretamente da iugu. Assim conseguimos aumentar o espectro de funcionalidades, mas também o nível de serviço, pois conseguimos ser mais rápidos e ter uma margem de manobra bem maior”, explica.

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O principal ganho, de acordo com Pereira, é a eliminação de intermediários na prestação de alguns serviços, deixando o processo mais eficiente em termos de custos. Além disso, estar sob o controle do Banco Central permite à empresa aumentar a carteira de clientes.

“Acabamos chegando em nichos e em tamanhos de clientes que não seria possível sem esse tipo de chancela. Muitas empresas, principalmente conglomerados e multinacionais, têm uma série de restrições de parcerias e exigem determinados níveis de proteção de dados. E no momento da licença, isso ficou chancelado pelo Banco Central. Agora fica mais fácil abordar esses clientes”, comemora.

A “corrida” pelas licenças do Banco Central

Esse movimento não é exclusividade da iugu. Cada vez mais as fintechs têm buscado se enquadrar em segmentos específicos regulados pelo Banco Central para aumentarem a oferta de produtos e serviços. Além de instituições de pagamento, algumas correm para se tornarem Sociedade de Crédito Direto (SCD) ou Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFI).

A Cora, que atua como conta digital para pequenas e médias empresas, obteve em julho passado a licença de SCD. De uma conta simplificada com recursos limitados, a fintech agora oferece cartão de débito — em breve disponibilizará a função de crédito — e já consegue gerar boleto diretamente, sem precisar de um intermediário.

No início de abril de 2021, a empresa recebeu aporte de US$ 26,7 milhões em uma rodada de investimentos Series A, liderada pelo fundo Ribbit Capital. Após a obtenção da licença, os recursos vão ajudar na expansão de serviços.

“Em pouco tempo, conseguimos desenvolver produtos que os clientes realmente amam e que impactam o dia-a-dia dos seus negócios. Com isso, estamos crescendo a base de clientes de forma consistente, dando início à transformação dos serviços financeiros para pequenos negócios no país”, comentou o co-fundador e CEO da Cora, Igor Senra, em comunicado à imprensa.

Atuando em um segmento distinto, o Mercado Pago, braço financeiro do Mercado Livre, evoluiu as licenças aos poucos. Em 2018 obteve autorização para atuar como instituição de pagamento e no ano passado se tornou uma instituição financeira após receber uma licença de Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento.

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Com isso, o Mercado Pago poderá oferecer novos produtos e serviços financeiros e de crédito diretamente ao cliente. Desde 2017, a empresa concedeu no Brasil mais de R$ 4 bilhões em empréstimos em parceria com outras financeiras. Agora poderá oferecer o mesmo serviço sem a necessidade de um intermediário.

Há também quem opte por começar a operar somente com a licença do Banco Central em mãos. E a mais abrangente. Foi assim com o C6 Bank, banco digital para pessoas físicas e digitais, que iniciou a operação em 2019 após ser autorizado a funcionar como um banco múltiplo.

“Achamos muito improvável que o cliente do banco queira ter cinco apps para gerenciar sua vida financeira, um para investimentos, outro para cartão de crédito, um terceiro para checar as contas e por aí vai. Por isso que, desde o começo, optamos por ser um banco múltiplo”, conta o head de produtos e pessoa física do C6 Bank, Maxnaun Gutierrez.

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A licença de banco múltiplo permite ao C6 Bank oferecer aos clientes não apenas a conta corrente, mas cheque especial, CDBs, transações de câmbio, além de investimentos em fundos e renda variável, tudo dentro do mesmo aplicativo, inclusive de produtos de gestoras terceirizadas. Uma carteira de produtos que segue aumentando.

“Desde o lançamento do banco, em agosto de 2019, conseguimos ampliar fortemente a oferta de produtos para pessoas físicas e jurídicas, de 6 para mais de 20 atualmente”, diz Gutierrez. “Na mesma plataforma, ele gerencia todos os seus gastos do cartão de crédito, pode usar seus pontos para adquirir produtos na C6 Store, ou ainda consultar sua conta internacional, com saldo em dólar ou euro”, completa.

Banco Central responde às demandas das fintechs

O Banco Central é figura fundamental no movimento das fintechs de se aproximarem do Sistema Financeiro Nacional. Nos últimos anos, o BC tem dedicado espaço para receber as demandas de startups do setor financeiro e não travar o crescimento delas, inclusive com regulamentações mais claras sobre a atuação das fintechs, especialmente no setor de crédito.

Para o diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Renan Schaefer, a aproximação entre as fintechs e o Banco Central é benéfica porque mostra uma compreensão sobre como a tecnologia é importante para o setor financeiro, especialmente quando há uma concentração muito grandes de instituições tradicionais.

Renan Schaefer, diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). Foto: Divulgação

“Isso abre muitas possibilidades para condições melhores para o mercado”, opina. “Por isso é normal que as empresas busquem essas novas licenças e a tendência é que esse movimento cresça cada vez mais. E pode haver mais possibilidades, não necessariamente com novas licenças, mas com abrangências maiores dentro de uma personalidade”, projeta.

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Ele alerta, no entanto, que estar sob o escrutínio constante do órgão regulador pode ser um problema se a regulação não for bem alinhada à realidade das startups. “Há nessa questão da regulação uma linha muito tênue entre ajudar e dar clareza e segurança jurídica, e o cuidado para não matar a inovação”, completa Schaefer.

É a mesma preocupação do CEO da aceleradora Startup Farm, Alan Leite, que pede um ambiente amigável para startups, incluindo as fintechs, com níveis de segurança, controle e regulamentação diferentes das grandes empresas tradicionais. “Vamos precisar, sim, de controle, não pode correr solto. Estamos em ambiente de muitas fraudes e é preciso que a legislação esteja atualizada e contemporânea”, diz.

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Para ele, os próprios bancos e financeiras precisam reconhecer o papel das fintechs e trabalharem de forma conjunta, investindo continuamente em tecnologia para garantir segurança para todos as partes envolvidas, seja o Banco Central, os bancos, financeiras, fintechs e os clientes. “Os bancos já entenderam o papel deles. Eles continuarão tendo muito serviços e produtos, mas com várias startups se conectando a eles e distribuindo outros serviços”, completa Leite.

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