O diretor de experiência ao cliente da Magalu, Vinicius Porto. Foto: Divulgação/Magalu
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De rede a maior ecossistema do varejo brasileiro: os próximos passos do Magazine Luiza

Em entrevista ao LABS, o diretor de experiência ao cliente da Magalu, Vinicius Porto, falou sobre aquisições, super-app e 5G

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Uma das maiores redes varejistas do Brasil, e hoje a mais valiosa delas (R$ 170 bilhões no terceiro trimestre de 2020),o Magazine Luiza (ou Magalu, como é mais conhecido no comércio eletrônico) agora se apresenta como o maior ecossistema para comprar e vender do Brasil. O principal veículo desse ecossistema é o aplicativo da Magalu. Originalmente criado para ser mais um canal de vendas lá em 2015, o app vem gradualmente aumentando suas funcionalidades. Mais recentemente, passou a vender peças de vestuário, itens de higiene e até comida.

Em janeiro de 2020, o Magalu criou sua própria conta digital, batizada de MagaluPay e administrada por uma subsidiária dedicada ao negócio de pagamentos digitais da companhia. É mais um passo no caminho para se tornar um super app, originalmente trilhado por gigantes chineses como o WeChat, que nasceu como aplicativo de mensagens e passou a oferecer serviços bancários e compras. O Magalu fechou o terceiro trimestre de 2020 com mais de 2 milhões de usuários na Magalu Pay, e uma média de 30 milhões de usuários ativos mensais em todas as suas plataformas.

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Para entender a mudança de uma rede de varejo físico criada em 1957 para um ecossistema que hoje hospeda 40,000 vendedores parceiros e conta com serviços de logística, financeiro e publicidade, o LABS conversou com Vinicius Porto, diretor do Luizalabs, um laboratório de Tecnologia e Inovação criado em 2014 dentro do núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento da Magalu. 

Porto trabalha no Magazine Luiza há pouco menos de dois anos. Chegou à empresa por meio de uma startup adquirida, uma estratégia que tem sido muito usada pela Magalu para o rápido crescimento em direção a um ecossistema digital. Só no ano passado a Magalu comprou a Estante Virtual, Stoq Tecnologia, Canaltech, InLoco, AiQFome, HubSales, GFL, SincLog e Hub Prepaid

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Porto foi co-fundador da PorqueNão, que prestava serviços e produtos digitais para o Luizalabs e outras grandes empresas como Heineken, Suvinil, Dotz, Itaú e Reserva. No final do ano passado, o Magazine Luiza passou por uma reorganização da estrutura da empresa com a criação de uma nova diretoria, dedicada à experiência do cliente, que passou a reportar diretamente para o CEO Fred Trajano. Porto agora gerencia essa área, além do design, P&D, social branding e CRM.  

Em conversa com o LABS, ele explicou que o objetivo da Magalu é se tornar o sistema operacional do varejo brasileiro. Por isso, a empresa tem investido em marketing para o Parceiro Magalu, uma plataforma para atrair pequenos varejistas à digitalização implementada durante a pandemia da COVID-19.  

Desde seu lançamento, o app do Parceiro Magalu (que cobra 3,99% do pequeno varejista) adicionou recursos, como o cadastro de produtos pelo código de barras, rastreamento do pedido via Correios, adição de vários itens simultâneos via planilhas e uma seção de inteligência com dados de venda e gestão unificada (físico e digital), além do “Comércio Local”, no qual o cliente consegue ver quem são os pequenos varejistas da região que estão na plataforma. Segundo a Magalu, 75% dos pedidos vendidos pelo Parceiro Magalu têm frete grátis, considerando entrega local ou nacional.

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As mais de mil lojas físicas espalhadas pelo país (grande parcela delas em cidades com até 500 mil habitantes) foram aliadas para um dos projetos mais audaciosos da empresa em 2020: o frete rápido. No total, o Magalu está presente em 21 dos 26 estados, e recentemente passou a atuar no Norte brasileiro, mas tem importantes rivais na região, como a Bemol no Amazonas. Por isso, Porto acredita que ainda “há chão” para a empresa crescer no Brasil antes de expandir para a América Latina. Acompanhe os principais trechos da entrevista abaixo: 

LABS – De onde surgiu a ideia para o ecossistema do Magalu? 

A empresa sempre teve muito claro que não queria ser um varejo tradicional com uma área digital, mas sim ser uma plataforma digital que tem pontos físicos e calor humano, até porque essa é a origem do Magazine Luiza. O atendimento humanizado, caloroso. A gente não poderia perder esse asset que é extremamente estratégico para nós. Fora isso tem a missão da empresa. A missão do Magalu é dar acesso a muitos o que é privilégio de poucos, isso desde o início da empresa há 63 anos. 

A releitura disso para os tempos atuais, ou seja, como a gente cumpre essa missão, é através da digitalização do Brasil. Só que para digitalizar o Brasil, um país dessa dimensão, não tem como a gente fazer isso sozinho. Passa por construir, formar esse ecossistema e empoderar os milhares de negócios que estão espalhados pelo País e que não têm recursos para a digitalização. Hoje a gente entende que somos o sistema operacional do varejo brasileiro e a gente está digitalizando o pequeno varejista, facilitando o comércio online através do marketplace e dos diversos serviços que a gente começou a crescer com o Magalu as a Service.

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E todas as aquisições fizeram parte da estratégia do Magazine Luiza de virar um ecossistema? 

Só no ano passado foram feitas 11 aquisições de diversos tipos, tecnologia em serviços financeiros com a Hub Fintech, a parte de conteúdo com o Canaltech, o delivery de comida AiQfome, a Estante Virtual para o mercado de livros usados e 3P (third-party seller). A gente fez uma série de aquisições ao longo do ano para conseguir formar esse ecossistema de compra e venda. Essa é a maneira como a gente vem se organizando para conseguir cumprir essa missão da digitalização no Brasil. 

Devemos continuar fazendo aquisições, mas eu não posso especificar qual empresa está no pipeline de aquisições. O Fred Trajano, nosso CEO, deixou bem claro em algumas entrevistas no ano passado que “não se surpreendam se a gente começar a fazer aquisições que são completamente diferentes do nosso core business”. Então, a gente está olhando para as startups e para as empresas que de alguma forma ajudem a gente a cumprir aquela missão: transformar o Magazine em uma grande plataforma que ajude a fomentar esse ecossistema que a gente está falando, do varejo brasileiro. 

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As lojas físicas do Magalu tem atuado como centros de distribuição no interior do Brasil para facilitar a logística?

Temos mais de 1,100 lojas hoje espalhadas pelo Brasil, e pouco mais de 10 grandes Centros de Distribuição. As lojas começam a fazer esse papel de ter a locação correta da mercadoria que tem mais fit com aquela região. E aí entra um monte de análise de dados e de inteligência artificial, que ajudam a gente a fazer essa alocação correta. Para a gente isso é muito fundamental. Em qualquer empresa de e-commerce, o que o consumidor está esperando é um preço justo e uma entrega rápida, e os prazos de entrega do Magalu realmente estão caindo drasticamente. 

Então hoje a gente constrói essa plataforma que a gente chama de ship from store. Ela vem ganhando cada vez mais participação. As nossas entregas acontecem cada vez com mais velocidade em nível nacional. 

Porque uma coisa é falar que eu entrego em um dia ou dois em São Paulo, que é um dos grandes centros mas que atende uma pequena parcela da população. Quando você pensa em atender a região Norte e Nordeste, no passado chegava até 16 dias de entrega até lá, esse tipo de coisa é inaceitável. 

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Temos de cuidar do consumidor do Norte e Nordeste como a gente cuida do consumidor em qualquer outra região do Brasil. Hoje mais de 40% dos nossos pedidos do 1P (first party) chegam em até 24 horas na casa dos consumidores e 65% em até 48 horas. Isso muito graças à estratégia de ter as lojas físicas, sem dúvida nenhuma é um diferencial competitivo nosso. 

Há diferença do consumidor do Magazine Luiza nas lojas físicas e o da loja virtual?

A gente não diferencia o consumidor online e físico. Entendemos que eles têm perfis diferentes naturalmente, até porque a gente tem como uma grande base do nosso consumidor um cliente de classe média, e entendemos que parte desses consumidores ainda estão passando por um processo de digitalização no e-commerce também. 

O e-commerce representava um percentual muito pequeno do varejo brasileiro, se eu não me engano estava na casa de 5% a 7% antes da pandemia, e acelerou muito em função da COVID-19. 

Então o que a gente vê é cada vez mais os consumidores interagindo em ambos os canais, mas somos bastante agnósticos em relação ao canal. Isso também foi muito refletido com essa reorganização que a gente fez no final do ano passado, internamente deixamos de ter esse tipo de divisão [físico e virtual].

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Hoje os diretores de unidade de negócio pensam em todos os canais porque para a gente não importa o canal, mas sim o consumidor. O consumidor é único. Ele pode cumprir a jornada [de compra] de diversas formas. Pode começar e terminar em um canal. Pode começar em um, partir para o outro e voltar para o primeiro. Não podemos ter esse tipo de segregação na cabeça porque a gente vai acabar atendendo mal. 

Acho que no passado existia essa distinção mais clara, mas principalmente com a invenção do smartphone, todo mundo está o tempo inteiro digital. Não tem mais esses momentos on e offline. A gente está online o tempo inteiro. 

Mas vocês conseguem distinguir a diferença entre a experiência do usuário na forma online e na forma física?

Um dos primeiros produtos que o Luizalabs construiu chama-se Bob, um sistema de recomendação proprietário [o Bob é responsável por todas as recomendações de produtos do magazineluiza.com]. É claro que no meio digital é mais fácil. Porque a navegação está identificada, então a gente consegue cruzar com o histórico de compras com o histórico de visualização, e a partir disso a gente oferece produtos que têm mais fit

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Mas o que é mais importante lembrar, e isso tem a ver com a história de não sermos um varejo só com o digital, hoje uma grande parte do Luizalabs se dedica a construir produtos digitais para o staff

A gente também está oferecendo muita tecnologia para as lojas para que esse atendimento também seja otimizado dessa forma. Temos até um caso de uns três, quatro anos atrás onde a gente implementou um sistema de venda que reduziu absolutamente o tempo da transação com o vendedor de loja. Era o tempo de 40 minutos até concluir uma transação e passou a ser 10 minutos. 

Estamos com o máximo de força tentando levar mais dados para o varejo físico. É claro que entram outras questões aí. Como é que você identifica uma pessoa que está dentro do estabelecimento? Você identifica em outro momento da jornada, você não identifica que ela entrou na loja, mas talvez no momento da transação. Mas a gente tem informações que hoje alimentam os nossos vendedores para que eles consigam oferecer uma experiência mais customizada. 

E no fim do dia é isso que a gente precisa, que cada um se entenda e seja reconhecido como um indivíduo único. Queremos dar um atendimento personalizado. Essa é até uma característica do Magazine Luiza, o número de lojas que estão em cidades com menos de 500 mil habitantes. A grande parcela das nossas lojas está nesse tipo de cidade. Então o relacionamento é super importante nesse contexto também. A gente não pode se preocupar em ter um tipo de experiência super customizada no online mas não conseguir oferecer nenhum tipo de customização no offline. 

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E para você qual será o papel do 5G nisso?

O 5G ainda está em desenvolvimento, mas vai trazer uma série de benefícios, pensando no ponto de venda físico, principalmente em IoT (Internet das Coisas) porque a gente vai conseguir transacionar um volume muito maior de dados com muito mais velocidade e permitir respostas mais rápidas aos sistemas que estão presentes naquele ambiente. 

Com esses outputs o que que a gente faz com essas informações para melhorar essa experiência do cliente? Ainda as coisas estão muito no campo das hipóteses. O 5G não está implementado ainda, temos algumas visões de como isso pode melhorar, mas de fato a gente ainda não tem nada operacional pensando em 5G, embora seja muito promissor.

Como o 5G pode melhorar o sistema de atendimento da loja física?

O 5G pode ajudar a evoluir o sistema [de atendimento na loja física], não simplesmente ficar em cima do sistema atual. Existe uma startup que ajuda na parte de identificação do cliente entrando em loja. Hoje a gente já fala muito do reconhecimento facial, esse tipo de coisa. Uma ideia é tentar fazer todos esses cruzamentos, com esse tipo de tecnologia a gente consegue identificar a pessoa com mais antecedência na jornada, respeitando obviamente todas as questões de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).  

A partir do momento que a pessoa entra na loja, eu reconheço ela como um indivíduo único e passa a ser quase uma “navegação do mundo físico” totalmente identificada para me permitir entregar para esse usuário uma experiência muito superior pelo fato de que eu teria um volume de informações dele muito mais rico do que eu tenho hoje. 

VINICIUS PORTO, DIRETOR DE CX DO MAGALU

Com as questões dos dados bem protegidos e com permissão do nosso consumidor, que é uma coisa que a gente respeita muito, é um tipo de coisa que seria possível. A partir do momento que a pessoa entra na loja, eu reconheço ela como um indivíduo único e passa a ser quase uma “navegação do mundo físico” totalmente identificada para me permitir entregar para esse usuário uma experiência muito superior pelo fato de que eu teria um volume de informações dele muito mais rico do que eu tenho hoje. 

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O MagaluPay pretende fornecer serviços de investimento?

Se olharmos para as aquisições que foram feitas, até para a Hub Fintech, já traz muitos indícios do caminho. Hoje a gente usa o MagaluPay não só para facilitar e dar velocidade ao pagamento mas o benefício está muito setado em cashback. 

O consumidor usa muito o MagaluPay porque é a forma como ele recebe o cashback e o reutiliza. Claro que a estratégia de ter uma wallet, uma carteira integrada, tem a ver com recorrência, com frequência. Esse é o objetivo de qualquer negócio centrado em cashback. 

Aquele consumidor que está com a gente permanece com a gente porque ele entende que ali ele tem o benefício. A gente até brinca “não posso ver dez reais parado ali que eu já quero achar alguma coisa para comprar”. Sem dúvida nenhuma tem a ver com trazer velocidade, um processo cada vez com menos fricção e também a fidelização. 

Vocês consideram trabalhar com social commerce e voice commerce?

A empresa sempre foi muito orientada à inovação, buscando novas maneiras de melhorar a experiência com o cliente. Não posso ser tão específico, mas sem dúvida nenhuma é um caminho sem volta. Hoje, o volume de transações por social commerce no Alibaba acho que ultrapassam 300 mil por dia. Isso está tomando forma e em algum momento isso deve também fazer parte da nossa realidade. A questão da interface de voz também acho que é um caminho natural. Ainda é pequeno, pensando da perspectiva transacional hoje, as pessoas estão primeiro se acostumando com esse tipo de interface, entendendo as possibilidades, e talvez daqui a pouco isso se torne comum, fazer uma compra através de voz. 

Hoje isso ainda é estranho, talvez para alguma compra que seja mais recorrente, de algum produto que você já tem conhecimento, tudo bem. A questão do visual ainda é muito forte hoje para o varejo de forma geral. Então cabe a nós que estamos desse lado da cadeira aqui pensar com carinho como resolver esses issues nas interfaces de voz. Mas não tenho dúvida que é um caminho natural. 

O Magazine Luiza pretende expandir para a América Latina?

É uma visão mais pessoal e extraoficial. Estamos em um país tão grande que me pergunto por que deveríamos tirar o foco daqui para começar a buscar outros mercados nesse momento. O trabalho de digitalização do Brasil ainda é o principal, e ainda está longe de ser concluído, são baby steps. Mas nada impede que no futuro a gente possa fazer algum movimento nesse sentido, mas não acho que é a prioridade. 

Acho que nossa prioridade agora é executar com excelência aquilo que a gente se propõe no Brasil. A questão do frete rápido é um dos principais assets do Magalu. A gente quer entrar em mercados onde a gente possa atender com muita qualidade. No próprio Brasil a gente não está em todos os estados ainda. Recentemente entramos no Pará, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Ainda temos muito espaço para crescer dentro do Brasil. Talvez começar a mirar outros territórios agora seja uma perda de foco. 

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