Empresas descobrem que diversidade não é só marketing — também faz bem ao negócio
Foto: Shutterstock
Negócios

Impulsionando a diversidade: uma organização sem fins lucrativos tem a missão de trazer mais latinos para o mundo do venture capital

O número de latinos em capital de risco é desanimador. A LatinxVC, uma organização sem fins lucrativos construída por profissionais de VC e financiada pelo Silicon Valley Bank, planeja aumentar a representatividade nas salas onde as decisões acontecem

Read in englishLeer en español

Quando você escuta o termo “investidor de risco” será que seu imaginário desenha essa cena: salas de reunião cheias de homens brancos abastados e bem relacionados que dão todas as cartas? Se não, deveria. A falta de diversidade, especialmente em empresas de tecnologia e venture capital do Vale do Silício e além é, dificilmente, um segredo.

Muito se fala sobre os benefícios inerentes à diversidade e como é preciso melhorar nesse quesito, mas as mudanças reais são escassas. “Torres de marfim” permanecem dessa cor por uma razão.

Em 2019, o sócio da Equal Ventures, Richard Kerby, compilou alguns dados contundentes e que merecem ser levados em consideração. Ele descobriu que 58% dos executivos de venture capital são homens brancos, 20% homens asiáticos, 11% são mulheres brancas e 6% são mulheres asiáticas. Apenas 2% dos VCs são homens negros e 1% são mulheres negras, enquanto 1% são homens latino-americanos e perto de 0% são mulheres latino-americanas.

LEIA TAMBÉM: Empresas brasileiras finalmente descobrem que diversidade não é só marketing — também faz bem ao negócio

Tem mais, Kerby detectou que, de 1.500 VCs, 40% deles vinha apenas de duas faculdades — Harvard e Stanford — resultando no que Kerby chama de falta de diversidade racial, de gênero e cognitiva. No entanto, a falta de diversidade em firmas de venture capital é ainda pior do que parece. A maioria dos VCs — 58% deles são homens brancos — controla 93% de todo o capital investido nos EUA.

Contra esses dados não há argumentos; o fato é que o capital de risco tem um enorme problema de diversidade. Mas como qualquer VC que dá valor ao seu portfólio sabe, grandes problemas trazem grandes oportunidades. Vamos dar uma olhada em um grupo que está liderando o movimento para aumentar a representação latina no capital de risco.

A missão de trazer mais latinos para as mesas de VC

Em junho de 2019, nove executivos de venture capital latinos se reuniram para dividir observações sobre o estado do mercado de venture capital e discutir maneiras de melhorar a representação de profissionais da América Latina na indústria. Eles entraram em contato com mais de 30 outros parceiros latinos de empresas capital de risco do Vale do Silício — incluindo empresas como Base10, Cowboy Ventures, Menlo Ventures, NEA, Norwest, Reach Capital e Shasta Ventures — e fizeram um brainstorming para definir prioridades e metas que poderiam conduzir a uma mudança na diversidade de empresas de VC.

Essa é uma versão bastante resumida da história de origem da LatinxVC, uma organização sem fins lucrativos cofundada por Maria Salamanca, sócia da Unshackled Ventures e Rami Reyes, cofudador da NextEquity Partners. Só que essa história está só começando a se desenrolar. O objetivo da organização é simples, apesar de desafiador: aumentar o número de profissionais da América Latina em empresas de investimento de risco e fornecer suporte contínuo para esses executivos.

Maria Salamanca, cofundadora da LatinxVC. Foto: Divulgação

A representação de profissionais com origens na América Latina nas firmas de venture capital não mudou muito desde os dados levantados por Kerby em 2019. No seu primeiro relatório anual, o State of Latinx VCs Report, a organização sem fins lucrativos aponta que a população latina representa 29% do total dos EUA, só que apenas 2% dos profissionais com nível de parceiros das firmas de venture capital — por exemplo, companhias com um fundo ativo de pelo menos US$ 100 milhões em ativos sob gestão (AUM, na sigla em inglês) — são latinos.

A representação quando falamos desses fundos em níveis menores é ainda pior: apenas 1% dos profissionais são latinos. Uma hipótese para esse fato é que profissionais em estágios menos avançados da carreira trabalham em fundos emergentes, com menos de US$ 50 milhões de AUM. Esses fundos — iniciados normalmente por pessoas de fora que desejam desafiar os VCs maiores — tendem a ser mais abertos para profissionais júniores e feralmente não exigem o que Salamanca chama de “pedigree do Goldman Sachs”.

LEIA TAMBÉM: Bancos digitais voltados para minorias começam a despontar no Brasil com ofertas personalizadas

Mas Salamanca e outros estão determinados a construir e manter um canal maior para profissionais latino-americanos em todo o ecossistema de VC.

“A representação é importante especialmente em uma indústria que depende profundamente de experiências anteriores e da construção de relacionamentos”, disse Salamanca. “Essas redes oferecem uma vantagem real porque as pessoas investem pesadamente no que sabem e no que é familiar.”

A inspiração para formar a LatinxVC veio quando Salamanca e Reyes viram outras organizações sem fins lucrativos com características demográficas — como All Raise e BLCK VC — fazerem uma diferença real para mulheres e investidores negros, respectivamente. Ainda assim, Salamanca e Reyes reconhecem um problema específico da comunidade latina.

Ao contrário dos investidores negros ou mulheres que se identificam como investidores, quando você acessa a página da equipe de uma empresa de capital de risco nem sempre é fácil descobrir quem tem origem latina. Abrangemos todas as raças, culturas e religiões e, embora suspeitássemos que os números fossem baixos, não sabíamos como eram os dados para nosso grupo demográfico específico.

Maria Salamanca, cofundadora da LatinxVC

No entanto, a dupla sabia que tinha uma oportunidade de fazer um bom trabalho semelhante a All Raise e BLCK VC: aumentando o número de pessoas que se identificam com a latinas em firmas de venture capital, fornecendo oportunidades de mentoria e crescimento profissional para desenvolver carreiras e redes, aumentando o AUM para investidores de risco latinos e dando apoio às pessoas que já trabalham nesse mercado.

Positivo, mas pragmático, a LatinxVC trabalhou para identificar os problemas nos quais a organização se concentraria para ter o maior impacto.

“Existem muitas questões raciais estruturais, mas não estamos tentando ferver o oceano”, disse Salamanca. “Decidimos nos concentrar em algumas coisas capazes de mover a agulha.”

LEIA TAMBÉM: O que pensam seis das principais executivas de liderança da América Latina

O que começou com eventos da comunidade para conhecer uns aos outros, construir relacionamentos e compartilhar negócios logo se transformou em algo maior.

“Percebemos que não mudaríamos os números, a menos que começássemos a colocar mais pessoas empregadas em firmas de venture capital”, disse Salamanca. “Foi daí que surgiu a ideia do programa LatinxVC Fellowship: Breaking into VC.”

O programa de oito semanas foi, projetado para pessoas que se identificam como hispânicas ou latino-americanas e estão interessadas em uma carreira em capital de risco, fornece ferramentas e apoio à comunidade para prepará-la para empregos de sucesso como analistas, associados ou associados sênior. A turma inaugural — que somava 22 participantes — se formou recentemente com resultados promissores.

LEIA TAMBÉM: SafeSpace capta R$ 11 milhões para combater má conduta nas empresas

Vários membros agora estão trabalhando em empresas de capital de risco, e mais deles estão nos estágios finais de seleções, enquanto outros, interessados ​​em investimentos em estágio avançado, optaram por ganhar ainda mais experiência trabalhando em uma startup antes de entrarem no mercado de venture capital.

“Como organização, podemos construir a comunidade, ajudar esses talentos a terem sucesso e, eventualmente, levá-los a um ponto em que o capital de risco faça parte de suas carreiras”, disse Salamanca.

LatinxVC e Silicon Valley Bank: uma parceria para construir pontes maiores

No mês passado, a LatinxVC anunciou uma nova parceria com o Silicon Valley Bank (SVB) por meio de seu programa Access to Innovation, que tem sede na área da Baía de São Francisco. Como patrocinador fundador, o SVB fornecerá financiamento para apoiar a meta da organização sem fins lucrativos de aumentar a representação de latinos na indústria de capital de risco.

“Quando soubemos o que o LatinxVC pretende fazer, não apenas acreditamos nos fundadores como indivíduos, mas, mais importante, acreditamos plenamente em sua missão”, disse Courtney Karnes, diretora do programa Access to Innovation. “O aumento do número de profissionais latinos no ecossistema de capital de risco une,-se perfeitamente com nosso objetivo principal de aumentar a representação e o financiamento para mulheres, negros e indivíduos latinos.”

Courtney Karnes, diretora do programa Access to Innovation do Silicon Valley Bank. Foto: Divulgação

A LatinxVC é uma organização totalmente voluntária cujos membros fundadores também ocupam cargos que demandam sua atenção em tempo integral. O patrocínio do SVB não só ajudará a organização a sair do paradigma do voluntariado como também demonstra o compromisso do banco em promover a diversidade.

“O SVB queria fazer a primeira aposta e disse:‘ Vamos apoiá-los na contratação de um diretor executivo, uma equipe em tempo integral e no teste de seus programas ’”, disse Salamanca. “Muitos de nossos colegas, como All Raise e BLCK VC, trabalharam com o SVB. Eles são ótimos parceiros.”

LEIA TAMBÉM: CloudWalk atrai Coatue, capta US$ 150 milhões e é o novo unicórnio do Brasil

Em certo sentido, a parceria não é diferente de uma empresa de VC (SVB) que investe em uma startup (LatinxVC). Reforçando ainda mais a analogia, assinar um acordo com o patrocinador-fundador é como conseguir um financiamento inicial. Esse aporte de dinheiro faz uma grande diferença.

Antes de sua função no SVB, Karnes passou anos no setor sem fins lucrativos e sabe como o financiamento pode ser poderoso para uma organização dirigida por voluntários.

Eu tenho certeza do quão importante é ter dinheiro operacional para uma missão que vai trazer mudança como impacto. Embora fazer isso em parceria com voluntários seja uma bela ideia, é uma quantidade considerável de trabalho para executar uma missão tão importante.

COURTNEY KARNES, Diretora do programa acess to innovation do SILICON VALLEY BANK

A estrada à frente

Nos próximos três anos, a LatinxVC se concentrará na construção da infraestrutura organizacional, contratando uma equipe em tempo integral e provando que os programas que implementam são eficazes.

“A meta é dobrar o número de investidores latino-americanos nos primeiros cinco anos”, disse Salamanca. “Embora ainda estejamos trabalhando nos detalhes de como medir e monitorar nosso progresso, estamos comprometidos em liberar dados em nossos relatórios anuais para nos responsabilizarmos junto com a indústria.”

Trabalho a ser feito é o que não falta e, em um futuro previsível, a LatinxVC se concentrará exclusivamente em investidores ao invés de fundadores. Somente quando eles provarem sua capacidade de colocar e reter mais profissionais dessa demografia, a organização irá considerar formas mais diretas de aumentar e apoiar os empreendedores latinos.

LEIA TAMBÉM: Dos cupons ao cashback: a Cuponeria quer ensinar o brasileiro a economizar nas compras

“Você verá um aumento natural no número de empreendedores recebendo financiamento apenas por apoiar os investidores latinos, porque suas redes incluem muitas pessoas dessa demografia”, disse Salamanca.

Essa crença se alinha com a tese central do Access to Innovation.

“Quando você muda a demografia das pessoas que assinam os cheques, isso leva a mudanças nas decisões de financiamento feitas em todo o ecossistema de capital de risco”, disse Karnes.

“Crescimento” e “mercado latino-americano” são quase sinônimos, e Salamanca observou que muitos dos fundos de investimento que atualmente ganham dinheiro com suas apostas na América Latina não têm membros da equipe da região.

À medida que o ecossistema LatAm continua seu rápido crescimento, a comunidade de investidores da Latinx — com seu conhecimento regional e rede de empreendedores — terá uma vantagem. Estamos entusiasmados em ver grandes mudanças que serão boas para todos e esperamos que outros fundos reconheçam os benefícios da parceria com nossa organização.

MARIA SALAMANCA, CO-FUNDADORA DO LATINXVC

(Traduzido por Tiago Alcantara)

Keywords