Marca do PIX na tela de um smartphone.
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Negócios

E-commerce brasileiro não será mais o mesmo depois do PIX

Em novembro, a poucos dias da Black Friday, uma legião de novos consumidores estará apta a comprar online, e em tempo real

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O PIX, sistema de pagamentos instantâneos controlado pelo Banco Central, entrou em operação no último dia 16 de novembro, apenas alguns dias antes da Black Friday, o maior evento do e-commerce brasileiro. Mais inclusivo e rápido do que qualquer outro método de pagamento, o PIX deve mudar o setor em questão de meses, não anos.

“De todos os setores que serão impactados positivamente pelo PIX, o e-commerce será o mais beneficiado. Hoje, as formas de pagamento predominantes (no e-commerce), são o cartão de crédito e o boleto. De um lado, o boleto demonstra uma incompatibilidade com os serviços que exigem instantaneidade, já que leva de um a dois dias para compensar e concluir a transação. De outro, o cartão de crédito exclui muita gente, porque exige um histórico de crédito, e alguns requisitos de entrada que nem todos os consumidores têm. O PIX chega e cobre essas duas lacunas”, explica Carlos Eduardo Brandt, chefe-adjunto do departamento de operações bancárias e de pagamentos do BC, em entrevista ao LABS.

Ele diz que o órgão trabalha com cenários possíveis para o impacto do PIX em diversas áreas, mas que não os divulga publicamente para não influenciar expectativas ou balizar decisões de agentes financeiros.

Olhando para o comportamento atual do consumidor online no país e os efeitos da digitalização forçada pela pandemia de COVID-19 nos últimos meses, porém, é fácil entender a afirmação de Brandt sobre o efeito do PIX no setor – ou mesmo porque bancos e fintechs entraram numa corrida para garantir que seus clientes cadastrem suas chaves de acesso logo e comecem a usar o PIX por meio deles.

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Em 2020, segundo dados da Americas Market Intelligence (AMI), o bom e velho boleto deve ultrapassar os cartões de crédito internacionais como o segundo meio de pagamento mais utilizado no e-commerce do país, atrás apenas dos cartões de crédito nacionais. Pela primeira vez, a porcentagem de pagamentos com cartões de crédito internacionais deverá diminuir (-1%), enquanto a percentagem de pagamentos com cartões de crédito nacionais deverá crescer 11%.

Ao mesmo tempo, cartões de débito e carteiras digitais virão suas fatias aumentarem 16% e 6%, respectivamente, para 6% e 12% do volume total de gastos no e-commerce brasileiro.

Com o crescimento espantoso das fintechs e das carteiras digitais nos últimos meses no país – o Nubank fechou setembro com 30 milhões de clientes, e o PicPay, com 33 milhões –, esses dois últimos métodos de pagamento devem mudar definitivamente de patamar nos próximos anos.

Que patamar? Difícil saber. Muitos especialistas acreditam que as carteiras digitais poderão ultrapassar os boletos em pouco tempo. Outros dizem que a fatia dos boletos será parte abocanhada pelas carteiras digitais, parte capturada pelos cartões de débito, que não só têm a vantagem de serem velhos conhecidos dos brasileiros no mundo físico, mas de serem o método principal de pagamento, numa versão virtual, das mais de 100 milhões de contas sociais abertas pela Caixa Econômica Federal para a transferência do auxílio emergencial da COVID-19.

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O que faz do PIX uma revolução certa

Como o LABS já mostrou, o PIX exige apenas uma conta transacional para operar, que pode ser uma conta bancária tradicional ou uma conta digital como a da Caixa ou as contas de pagamento oferecidas pelas fintechs. “Os pagamentos são o primeiro passo desse processo mais amplo de inclusão financeira, porque pagamento é algo que você faz todo dia. Você não pega empréstimo todo dia, não contrata um seguro todo dia, mas pagamento você faz todo dia ou quase todo dia”, salienta Brandt.

Outro ponto importante é a velocidade do PIX, aliada ao baixíssimo custo. Testes feitos até o momento, com as camadas de segurança apropriadas, como criptografia de chaves de acesso ou mesmo aplicações de machine learning capazes de “aprender” o comportamento típico de cada usuário, mostram que uma transação no PIX leva menos que 1 milissegundo (algo muito mais rápido que o “até 10 segundos” prometidos pelo BC lá em fevereiro, no lançamento do cronograma do sistema).

Para pessoas físicas, o PIX é totalmente gratuito. Para pessoas jurídicas também espera-se uma redução substancial de custos. Bancos e fintechs têm evitado passar valores, mas o próprio BC pretende cobrar apenas R$ 0,01 a cada dez transações, custo ainda não experimentado no mercado brasileiro.

Enquanto Nubank diz que não cobrará nada dos empresários, adquirentes como a Stone estão habilitando o PIX como parte de um pacote maior de serviços já oferecidos por elas, como uma forma também de defender que haverá espaço para todos os meios de pagamentos e que os estabelecimentos devem continuar oferecendo todos.

No caso específico do e-commerce, a disponibilidade e a interoperabilidade do PIX são outros dois fatores importantíssimos. O PIX vai funcionar 24 horas por dia, todos os dias da semana, abrindo espaço para a automatização de uma série de etapas cruciais da jornada do cliente.

Com a ordem de transferência do PIX, a empresa poderá liberar serviços ou o disparo da mercadoria imediatamente

Carlos Eduardo Brandt, chefe-adjunto do departamento de operações bancárias e de pagamentos do BAnco Central.

Essas vantagens aqui listadas provavelmente aparecerão para os consumidores na forma de descontos maiores e entregas mais rápidas nos pagamentos com PIX do que com outros métodos.

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E-commerce internacional

Em outubro, o diretor de Organização do Sistema Financeiro do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, disse durante um webinar com advogados especializados que um PIX internacional poderia sair até 2023. Brandt, porém, diz que não é possível definir um prazo para que o PIX possa se conectar a sistemas de pagamentos instantâneos de outros países e permitir que empresas internacionais vendam diretamente a consumidores brasileiros seus produtos e serviços.

Isso depende não só de testes, que já começaram a ocorrer no âmbito do Banco de Compensações Internacionais (BIS), mas também da aprovação da nova legislação cambial (mandada pelo BC ao Congresso no no passado e ainda não apreciada pelos parlamentares).

O PIX já foi construído com um padrão internacional compatível, ou seja, já está preparado para conversar com outros ecossistemas de outros países. Mas para ele funcionar na sua plenitude, é necessário sim esse novo marco regulatório

CARLOS EDUARDO BRANDT, CHEFE-ADJUNTO DO DEPARTAMENTO DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS E DE PAGAMENTOS DO BANCO CENTRAL.

Ele explica que sem o marco regulatório o PIX até poderia funcionar, mas ficaria limitado a transações de baixo valor. Além da nova legislação, Brandt pontua que toda conexão do PIX com outro ecossistema de pagamentos instantâneos envolveria uma negociação de termos e níveis de serviços. “E essa negociação é bilateral, não depende só de nós”, salienta.

Nesse meio tempo, nada impede que empresas internacionais que tenham CNPJ no Brasil e já tenham um arranjo com provedores de pagamentos locais possam utilizar o PIX dentro do processo que elas já têm estruturado. “Isso depende muito de como cada empresa está estruturada. Se a empresa tiver uma conta aqui, por exemplo, e fizer um PIX para a conta dela aqui, ela pode, posteriormente enviar isso via remessa para o exterior. Isso depende de como se estruturar o processo”, diz Brandt.