A pandemia da COVID-19 mudou o hábito de consumo dos brasileiros. Os canais digitais ganharam uma força que até então não se tinha visto. E esse crescimento repentino gerou uma evolução, mesmo que forçada, de toda a cadeia de logística de e-commerce no país, que precisou se adaptar e investir para atender a quantidade de pedidos e a demanda por entregas cada vez mais rápidas.
O que se imaginava que ocorreria ao longo de alguns anos, acabou por se consolidar em poucos meses. Um produto que antes levaria cinco dias para chegar à casa do comprador, hoje está na porta em menos de três horas. E não importa se é um livro, uma peça de roupa ou uma televisão.
O Brasil evolui em grandes rupturas e essa grande fenda que se abriu na pandemia vai ter efeito de transformação incrível para o Brasil, que não teria se continuássemos na zona de conforto
ANA PAULA TOZZI, CEO da AGR Consultores.
“De fato, tivemos que trazer cinco anos em um para um varejo que na grande maioria não estava preparado”, pondera a especialista. Os diversos atores da cadeia, desde o vendedor ao entregador, foram afetados e viram os processos logísticos se acelerarem. A urgência virou regra. E isso valeu tanto para quem já tinha canais de venda online, como para lojas de pequeno a grande portes que comercializam os produtos apenas de forma física.
E quem faz o meio de campo, ou seja, quem cuida da logística de fato, é quem mais cresceu nesse período. Muito investimento foi feito não apenas para reduzir os prazos, mas também para tornar o processo mais inteligente e independente.
“Antes da pandemia, tínhamos estruturas logísticas em um país continental piores do que hoje”, destaca Ana Paula. “É uma transformação positiva o que houve porque dilui a dependência de poucos canais. As operações regionais que poucos davam atenção agora se tornam relevantes e protagonistas. É realmente uma transformação importante”, completa.
Adaptação forçada de lojistas beneficiou plataformas como o Rappi
Sem canais otimizados para venda online e sem uma logística de distribuição estabelecida, muitos lojistas precisaram recorrer a soluções já existentes no mercado para contornar a situação. Lojas como Fast Shop, Decathlon, L’Occitane, Multicoisas e Saraiva, por exemplo, correram para o Rappi, startup de tecnologia do setor de delivery, que já tinha a plataforma e os canais de entrega prontos. Ao lado das tradicionais compras em restaurantes, mercados e farmácias, o Rappi ampliou o vertical chamado Rappi Lojas, fornecendo ao vendedor um sistema para mostrar, vender e entregar os produtos. E essa migração foi muito rápida.
“Tivemos que crescer 50% nossa operação de atendimento, em apenas três semanas no início da pandemia, com nosso time trabalhando 100% remoto”, lembra o presidente do Rappi no Brasil, Sérgio Saraiva.

Nós acompanhamos o e-commerce ganhar cada vez mais espaço dentro do superapp e registramos um aumento de 57% no número de pedidos nessa vertical no Brasil, em 2020, na comparação com o ano anterior
Sérgio Saraiva, presidente do Rappi no brasil.
Essa solução foi importante para que as lojas reduzissem suas perdas com o fechamento ou limitação de circulação nas lojas físicas. Ao mesmo tempo abriu oportunidades para que clientes que já estavam na plataforma buscassem por outros produtos além dos oferecidos por restaurantes e mercados. E, de quebra, passaram a entregar produtos em pouquíssimo tempo, muitas vezes com menos de uma hora a partir do pedido.
“O brasileiro, em si, tem muito interesse por tecnologia e a mudança de comportamento gerada pela pandemia, que permitiu a entrada de novos usuários no e-commerce e, especialmente, no e-commerce, acelerou ainda mais essa transformação digital”, ressalta Saraiva.
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Loggi teve de abrir novos centros de triagem para dar conta da demanda
Mesmo quem já possuía canais de vendas pela internet precisou ajustar questões logísticas para suportar a crescente demanda e a exigência dos consumidores por prazos mais curtos. Transportadoras tradicionais e os próprios Correios, empresa pública de envio e entrega, não seriam capaz de absorver todos os pedidos e garantir o prazo prometido.
Por esse motivo, startups que atuam nesse mercado foram acionadas rapidamente por lojas de todos os tamanhos, inclusive grandes varejistas. O que se viu foi um crescimento fora do comum. O vice-presidente de vendas da startup de entregas expressas Loggi, Ariel Herszenhorn, afirma que 2020 foi diferente de tudo o que a empresa já viveu desde 2013, quando foi fundada.

“Em 2020, vimos os números da Loggi ultrapassarem todos os patamares de 2019. Em julho, no auge da pandemia, já tínhamos registrado um crescimento de 500% no número de entregas em relação ao mesmo período do ano anterior. Com a chegada do final do ano, Black Friday e Natal, alcançamos o patamar de crescimento de 360% ano contra ano”, revela.
No início, a Loggi tinha seu foco principal no chamado last mile, que é a etapa final, a entrega de fato do produto ao comprador. Aos poucos, porém, ampliou a atuação para todas as fases, desde a coleta do produto até a chegada dele à porta do cliente.
Isso exigiu investimentos em infraestrutura, como a abertura de seis centros de cross-docking, localizados em seis capitais brasileiras: Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Os cross-docking são centros de triagem de onde os produtos saem por vários meios antes de chegarem aos minihubs nas cidades. Dos minihubs, os entregadores percorrem o último trecho de carro ou moto para realizar a entrega.

Com essa estratégia, a Loggi consegue atender atualmente 600 municípios brasileiros. E a expectativa é chegar a 3 mil ainda em 2021, o que representa mais da metade dos municípios do país. Isso vai exigir investimentos de pelo menos R$ 600 milhões, que devem se estender até 2022.
Esse crescimento no volume de entregas fez com que antecipássemos uma série de investimentos que já eram esperados. A capacidade de fazer estes investimentos e de acompanhar o crescimento do e-commerce nos colocou em uma posição única em um mercado que acreditamos que ainda crescerá muito nos próximos anos.
ARIEL HERSZENHORN, vice-presidente de vendas da startup de entregas expressas Loggi.
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B2W terminou 2020 oferecendo entrega em até 24 horas a mais de mil cidades brasileiras
A velocidade entre a compra e a entrega aumentou durante a pandemia. Inclusive grandes lojas que já tinham um braço logístico consolidado decidiram investir ainda mais para reduzir os prazos. De dias, esse trajeto chegou a cair para menos de três horas.
Teve quem chegou a investir em frota ‘própria’ de aviões, como o Mercado Livre, que criou a MELI Air para aumentar a capacidade para o dia seguinte — as aeronaves são operadas pela Sideral. A partir dos centros de distribuição em São Paulo e Bahia, os quatro aviões partem para outros centros urbanos para iniciar a etapa final de entrega. É um movimento semelhante ao da Amazon nos Estados Unidos, que lançou a Amazon Air — antes PrimeAir — e tem hoje 68 aeronaves.
A B2W Digital, dona das marcas Americanas.com, Shoptime e Submarino, também investiu muito mais em logística do que havia previsto para 2020. A empresa abriu cinco centros de distribuição — o plano anterior era abri-los até 2022 — e chegou a 22 unidades em 12 estados brasileiros. A maior mudança, porém, foi a expansão do modelo de logística com a entrega de produtos diretamente da loja, sem precisar sair dos centros de distribuição.
Segundo o diretor de relações com investidores da B2W Digital, Raoni Lapagesse, isso permitiu às lojas do grupo atenderem mais de mil cidades brasileiras com entregas em até 24 horas. “Atualmente, 46% dos pedidos da companhia são entregues em 24 horas no Brasil como um todo e, só em novembro, realizamos 147 mil entregas em até três horas”, conta.
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Isso também só foi possível pela expansão da plataforma Ame Flash, o braço de logística destinada ao last mile, que está presente em 700 cidades brasileiras. “A Ame Flash foi essencial para essas iniciativas, com os mais de 22 mil entregadores independentes realizando as entregas. Em 2020, a plataforma implantou o novo modal carro, permitindo também a entrega de itens grandes, como TV, eletrodomésticos, entre outros, a partir das lojas físicas”, comenta Lapagesse.
A expansão dos canais de distribuição da B2W Digital vai continuar em 2021 e nos próximos anos. Os centros de distribuição estão sendo automatizados para reduzir o tempo de expedição dos produtos em até 75%. A expectativa é de que até o final de 2022 sejam 17 centros de distribuição totalmente automatizados.
A B2W vai investir R$ 5 bilhões nos próximos dois anos com foco em transformar a experiência de compra do cliente no e-commerce. Precisamos mudar o patamar de entrega do e-commerce no Brasil, parando de contar o prazo em dias e passando a entregar em horas
RAONI LAPAGESSE, diretor de relações com investidores da B2W Digital.