Esqueça as papeladas e planilhas. Startups com soluções tecnológicas e novas plataformas estão invadindo a área de recursos humanos (RH). No mundo, as empresas nascentes têm atraído cada vez mais os olhares de investidores. Prova disso é que o investimento global nas chamadas HRTechs cresceu 75% entre 2017 e 2018, conforme levantamento da empresa americana de pesquisas CB Insights.
Na América Latina, as HRTechs também avançam em ritmo acelerado. Apesar de alguns segmentos, como fintechs, e-commerces, marketplaces e agtech (startups de agronegócio) despertarem mais atenção dos fundos de venture capital, nos últimos anos é possível ver mais investidores globais e locais dispostos a injetar recursos nas startups de RH. A constatação é da Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (LAVCA, na sigla em inglês).
US$ 16 bilhões
Foram aplicados em 2.918 negócios na área desde 2019, de acordo com a CB Insights
A pedido do LABS, a associação levantou algumas das principais movimentações recentes de HRTechs na região. No ano passado, por exemplo, a empresa francesa de benefícios UP – uma das maiores do mundo no setor – comprou uma participação de 60% na colombiana Glüky Group, plataforma de motivação de funcionários. Além disso, startups de países como Argentina, Brasil e México receberam aportes de fundos de renome, entre eles, Kaszek Ventures, Valor Capital, 500 Startups, Redpoint eventures, QED Investors e outros.
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Menos burocracia
No Brasil, as soluções oferecidas por startups vão desde plataformas de vagas, recrutamento e seleção até sistemas que automatizam processos antes burocráticos no RH, como folha de pagamento, controle de ponto e reembolsos. Segundo o mapeamento mais recente feito pela aceleradora Liga Ventures, existem 274 HRTechs espalhadas por todo o país, que facilitam a atividades área de RH, incluindo people analytics (análise de perfil de pessoas), benefícios, gestão de equipes, comunicação interna, engajamento e treinamento de colaboradores.
O movimento não ocorre apenas no Brasil, mas em vários países da América Latina. A diferença, claro, é a velocidade das mudanças entre um país e outro. Até porque algumas das tendências no mercado de trabalho, como novas gerações, aprendizado constante, home office e necessidade de feedback constante estão presentes em diversas nações.

Se pegarmos os principais países da América Latina, quase todos têm HRTechs entre as startups de destaque. O que difere muito um país de outro é a legislação [trabalhista]
Raphael Augusto, sócio-diretor da Liga Ventures.
A Conta Azul usa atualmente três plataformas de startups para melhorar processos como avaliação de desempenho e gestão de ponto. “Hoje não consigo enxergar um time de pessoas sem fazer o uso da tecnologia para melhorar a organização dos processos e aumentar a visibilidade dos dados das pessoas, que são inúmeros, e que são coletados a partir do momento que o colaborador entra na companhia”, explica Karin Hartenthal Ramos, head de RH da Conta Azul.
Recrutamento e seleção
O engenheiro Lucas Mendes e o administrador australiano Lachlan de Crespigny viram a oportunidade de aplicar inteligência artificial e machine learning no processo de recrutamento e seleção. Nasceria, em 2014, a Contratado.ME, que depois virou Revelo, nome que carrega até hoje.
A plataforma online conecta candidatos a empresas com vagas de emprego em áreas como programação, data analytics, design, marketing, finanças e gestão.
“De modo geral, a plataforma é 75% mais rápida que consultorias e sites de vagas comuns”, garante Lucas Mendes. Segundo o empreendedor, é possível preencher uma vaga em apenas 14 dias, em média.

Hoje, a Revelo tem cerca de 14 mil empresas cadastradas, incluindo gigantes como Ambev, Itaú Unibanco, XP Inc., B2W e Accenture, além de micro, pequenas e médias companhias. Com foco no Brasil por enquanto, a startup estuda uma expansão para outros países da América Latina, entre eles, o México, onde a startup já tem alguns clientes.
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No ano passado, a startup recebeu um aporte de R$ 70 milhões em rodada liderada pelo International Finance Corporation (IFC), braço de investimentos do Banco Mundial. Foi o maior investimento em uma HR Tech da América Latina até hoje, e o primeiro de série B desse segmento no Brasil. Além do IFC, a rodada teve participação ainda dos fundos americanos FJLabs e Valor Capital, além do mexicano Dalus Capital, que já tinham investido na startup antes.
Entrevistas por vídeo
A potiguar Cammila Yochabell, formada em petróleo e gás, enxergou na área de gestão de pessoas uma oportunidade para empreender. Depois de participar de um processo seletivo, enquanto estudava inglês na Nova Zelândia, e não conseguir avançar na disputa por causa da distância, percebeu como isso era uma barreira na seleção de profissionais. Por que não gravar um vídeo-currículo? A empresa não topou, mas a ideia virou negócio: a startup Jobecam, fundada em 2016.

Em 2017, a startup participou do programa de aceleração da Oracle. No ano seguinte, recebeu investimento-anjo (em valor não revelado) da People+Strategy, consultoria empresarial focada em planejamento estratégico e desenvolvimento humano. Em 2019, a Jobecam levantou a segunda rodada de investimentos da empresa de tecnologia BRQ Digital Solutions e investidores do Harvard Angels, um dos principais grupos de anjos do país. “Estamos com uma rodada aberta e negociando com fundos de venture capital”, conta Cammila Yochabell, CEO da Jobecam.
Entre os diferenciais da plataforma está a possibilidade de entrevistas às cegas por vídeo. Ao escolher a opção às cegas, o recrutador recebe a vídeo-entrevista dos candidatos com imagem e voz alteradas e dados ocultos. A empresa só vai conhecer a pessoa que está por trás da tela quando aprovar o candidato para uma próxima etapa do processo, explica Cammila.
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Hoje, a empresa atende mais de 300 clientes, incluindo nomes fortes como Oracle, Raízen, Brookfield Incorporações e Protege (segurança pessoal e patrimonial).
Inteligência artificial
Quem também decidiu apostar no segmento foi a administradora Mariana Dias. Em 2015, ela era responsável por processos de RH das fábricas da Ambev e começou a se questionar como melhorar a experiência de recrutamento e seleção. Ao lado de três sócios, Mariana montou a Gupy, plataforma de recrutamento e seleção que usa inteligência artificial para tornar esse processo mais rápido e assertivo.
A tecnologia desenvolvida pela startup analisa mais de 200 características do perfil do candidato e da empresa para fazer o “matching” entre as duas pontas.

Conseguimos oferecer, em média, uma redução de 50% do tempo de abertura e fechamento de uma vaga, 80% de redução no esforço operacional, além de melhorar o ‘turnover’
Guilherme Dias, cofundador e diretor de marketing da Gupy.
Depois de ser acelerada pela Wayra, da Telefônica, a startup recebeu dois aportes – o primeiro de R$ 1,5 milhão em 2018 e o segundo, no ano passado, no valor de R$ 11,5 milhões. Na primeira rodada, o negócio despertou o interesse dos fundos Canary (que possui entre os investidores Julio Vasconcellos, fundador do Peixe Urbano) e Yellow Ventures (que tem entre os sócios Patrick Sigrist, fundador do iFood). No ano passado, Maya Capital e Valure Capital fizeram a segunda rodada de investimentos na startup.
Sem divulgar o número total de clientes, Dias conta que hoje centenas de companhias compõem a carteira de clientes, em dez países entre América Latina e Europa, incluindo México, Bolívia, Uruguai, Chile, Argentina, Peru, Eslováquia e Itália. Grandes empresas como Atento, Ambev, Grupo Pão de Açúcar e Renner usam a solução. No ano passado, a empresa triplicou o faturamento e projeta manter o ritmo de crescimento em 2020.