Leonardo Ladeira, CEO da govtech Portal de Compras Públicas
Leonardo Ladeira, CEO da govtech Portal de Compras Públicas. Foto: Divulgação.
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Govtechs brasileiras atraíram pelo menos R$ 48 milhões nos últimos dois anos

Soluções que mais atraem os investidores são voltadas para correção de ineficiências na gestão pública. O LABS falou com startups como o Portal de Compras Públicas e Zapay, além de empresas como Dome Ventures e Astella para entender o cenário

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Onde os problemas são muitos, as oportunidades podem ser enormes. Parece ser esse o pensamento dos investidores que têm aumentado suas apostas nas govtechs – startups voltadas para resolver as dores dos órgãos públicos. Pelo menos R$ 48 milhões foram investidos nesse segmento desde o início de 2020 em oito das maiores operações divulgadas no período, segundo dados da LAVCA e do Sling Hub reunidos pelo LABS

A startup campeã em investimentos foi a Camerite, que oferece soluções de monitoramento utilizadas pelas polícias militares e civis e pelas guardas municipais de mais de 800 cidades pelo país. Em junho 2021, a empresa recebeu um aporte de R$ 15 milhões do fundo Zaphira para investir, entre outros pontos, na expansão da sua inteligência artificial. 

Os trabalhos com AI da Automa também chamaram a atenção de investidores, que aportaram R$ 5 milhões em janeiro de 2020 na startup dedicada a mapeamento de território.  

Apesar de todo o potencial das iniciativas voltadas para monitoramento e IA, no Brasil, o segmento que reina é o de govtechs focadas em problemas mais triviais do setor público, ou seja, startups que estão tentando aposentar plataformas e sistemas obsoletos de gestão de recursos e de dados. Foram R$ 22,5 milhões aportados nessas iniciativas nos últimos dois anos, o que se reflete também no avanço da transformação digital da esfera pública.

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O Índice de Maturidade das Govtechs de 2020, do Banco Mundial, colocou o Brasil na sétima colocação em transformação digital no setor público. No, produzido pela instituição, o Brasil alcançou patamar quase duas vezes mais alto que o da média mundial, registrando 0,92 contra 0,52 do índice global.

O país tem hoje 135 startups dedicadas integralmente ou parcialmente ao setor público, segundo o BrazilLab, hub de inovação voltado para startups que desenvolvem soluções para o setor público. Dessas, 28% apresentam soluções de gestão. Uma delas é a Gove, que faz análise de dados financeiros em busca de ineficiências na gestão pública e captou R$ 8 milhões em venture capital em novembro de 2020 junto à Astella Investimentos.  

Outra startup de destaque na área de gestão pública, a Colab recebeu aporte de R$ 3 milhões, em julho de 2020, feito por dois fundos americanos e pelo brasileiro MDIF para alavancar a plataforma de reclamações e sugestões da startup, que funciona como uma espécie de Procon do setor público e é acessada por cerca de 600 mil brasileiros de mais de 100 municípios. 

Na mesma linha de trabalho, em fevereiro de 2021, a Facilit Tecnologia, que desenvolve sistemas de gestão e tem 60% da sua receita oriunda do setor público, recebeu aporte de R$ 3 milhões do fundo Criatec 3, gerido pela KPTL e que tem o BNDES como um dos principais acionistas. No mesmo mês, a Aprova Digital, que fornece alvarás de obras, captou R$ 4 milhões.

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Entre as govtechs que mais receberam aportes está também uma que se dedica a facilitar a relação entre startups como ela e o setor público e que já está atuando até fora do Brasil. O Portal de Compras Públicas, que recebeu aporte de R$ 2,5 milhões do Fundo Venture Brasil Central há um ano, diz ter reduzido em 76% a média do tempo para conclusão das licitações com a digitalização e automatização de processos. 

Recentemente, a startup, que já movimentou R$ 61 bilhões no Brasil, escolheu Portugal como seu primeiro mercado internacional e, possivelmente, porta de entrada para a Europa.

Segundo Leonardo Ladeira, CEO do Portal de Compras Públicas, além de acelerar o processo de venda para órgãos públicos, a startup conseguiu dobrar o número de empresas concorrendo nos processos de compras públicas e reduzir em 2,5 vezes os valores de referência das licitações. Mas, para isso, teve de vencer a resistência dos gestores públicos em fazer tudo isso digitalmente e com startups.

O nosso principal obstáculo, além do desafio de prospectar serviços para a esfera municipal num país de dimensões continentais, foi demonstrar a transparência e a rigidez técnica dos processos licitatórios ocorridos na nossa plataforma. Precisávamos demonstrar que o uso do portal não traria problemas aos gestores e às equipes diretamente envolvidas na operação

Leonardo Ladeira, CEO do Portal de Compras Públicas.

A adoção de processos licitatórios eletrônicos já era recomendada desde a publicação da lei do pregão eletrônico, de 2002, mas só se tornou obrigatória em 2019, e mesmo assim abrangia apenas processos relacionados às verbas de transferência voluntária da União. 

O Marco Legal das Startups, aprovado em 2021, reforçou a obrigatoriedade e ampliou o rol de produtos e serviços que poderiam ser licitados de forma eletrônica. Segundo Ladeira, o marco derrubou mais algumas barreiras e ajudou a deixar o processo licitatório mais favorável às iniciativas inovadoras. 

Para Diogo Cantão, CEO da Dome Ventures, uma corporate venture builder de govtechs, no entanto, as mudanças trazidas pelo Marco ainda têm “um caráter primordialmente educativo”. “Os prefeitos ainda chegam desconfortáveis para conversar (com as startups). Eles não sabem como funciona. Existe a legislação, mas o passo a passo para a adoção de soluções inovadoras ainda não está claro na cabeça de muitos deles”, afirma.

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O que realmente ajuda no processo, segundo ele, é o entendimento quase universal de que é preciso reduzir custos e aumentar eficiência da máquina pública. “Um gestor de startup tem de mostrar para o gestor público que se ele digitalizar ou automatizar um processo, ele pode economizar, às vezes, 90%”, exemplifica. 

Diante da redução do orçamento público por conta da crise econômica e das travas colocadas por políticas de contenção de gastos, os entes públicos viram aumentar a urgência do corte de gastos para operação da máquina pública. Sem poder repor funcionários e com o aumento da demanda por serviços públicos, recorrer a govtechs têm sido cada vez mais necessário. É o que afirma o sócio da Astella Investimentos, Marcelo Sato

“O setor de finanças públicas objetiva maximizar a receita e diminuir custos. Assim como nas corporações, há uma responsabilidade do administrador público. É primordial que ele obtenha reservas para investimentos locais que, em um ciclo virtuoso, tragam mais recursos ao município no futuro”, avalia.  

Meio fintech, meio govtech

Sato ressalta que, além das govtechs de gestão, um novo nicho despontando no país é o de meios de pagamentos como promessa para facilitar a arrecadação dos governos em geral, por meio de soluções de pagamento digital e até recorrente de transporte coletivo, pedágio, impostos e taxas.

Marcelo Sato, sócio na Astella Investimentos. Foto: Divulgação.

Cada vez mais vemos players tornando a jornada de pagamento digital uma realidade, mas quando nos deparamos com pagamentos de taxas, tributos e/ou demais contribuições encontramos jornadas que dependem de intervenção humana e consequentemente não são instantâneas e de boa experiência

Marcelo Sato, sócio na Astella Investimentos.

Uma das startups engajadas na facilitação do pagamento de débitos com o setor publico é a Zapay, que já atendeu mais de 3,5 milhões de clientes com dívidas de trânsito em todo o Brasil desde sua a fundação, em 2017.

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A Zapay, que recebeu um aporte de R$ 7,5 milhões em 2021, tem convênio oficial com 25 unidades dos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) e atende 95% da frota nacional. A startup surgiu como fintech mas hoje tem no setor público seu principal parceiro. 

Callebe Mendes, CEO da Zapay. Foto: Divulgação.

Para Callebe Mendes, CEO da Zapay, essa adesão do setor público às novas tecnologias é um movimento sem volta. A familiaridade que os cidadãos de qualquer lugar e renda passaram a ter ao longo dos últimos anos com as soluções digitais acelerou a demanda por serviços públicos na palma da mão. 

“Empresas e governo perceberam a grande necessidade de digitalização e quão benéfica ela pode ser. Esse movimento mudou os hábitos de muitos cidadãos, que começam a descobrir a facilidade de pagar contas e impostos do conforto de seu lar, como fazem com suas compras no dia a dia”, conclui Mendes.   

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