As compras online e a entrega em domicílio já existem há algum tempo, mas a pandemia levou milhões de pessoas ao redor do mundo a experimentar esses serviços pela primeira vez. Somente nos Estados Unidos, as vendas online de alimentos cresceram 54% em 2020, atingindo US$ 95,82 bilhões – o equivalente a 12% das vendas totais do e-commerce e 7,4 das vendas totais de alimentos por lá. Em 2022, a eMarketer projeta que mais da metade (51,3%) da população americana fará compras online nos supermercados.
O aumento da demanda por compras online de alimentos no México e em outros lugares da América Latina também tem sido forte. Antes da pandemia de COVID-19, de acordo com uma pesquisa da consultoria Kearney, cerca de 43% dos consumidores mexicanos compravam mantimentos online mais de uma vez por mês. Esse número saltou para 61% ao longo da pandemia. No Brasil, o e-commerce cresceu 68,1% em 2020, atingindo R$ 126,3 bilhões em receita, de acordo com dados compilados pela consultoria brasileira de e-commerce Neotrust/Compre & Confie. Para a consultoria, o setor deve crescer 18% em 2021.
Eu estou entre aqueles consumidores que fizeram compras de supermercado online pela primeira vez durante a pandemia. Embora eu não ame a ideia de algum comprador aleatório escolhendo minha carne ou minhas verduras, a conveniência de pedir mantimentos online e recebê-los na minha porta me conquistou. E é exatamente nisso que os principais varejistas e apps de entrega estão apostando.
“Muitos dos varejistas líderes [na América Latina] estão trocando investimentos na abertura de novas lojas por reforços nas suas operações online e logística, bem como implementando iniciativas omnichannel em lojas existentes”, diz Oliver Butterworth, analista de varejo do Institute of Grocery Distribution (IGD).
Esses serviços são de fato uma mão na roda. Não só você pode economizar uma ou duas horas por semana mas também evitar as compras por impulso – embora boa parte dos apps já comece a oferecer a possibilidade de filtrar itens com base em “mais vendidos” ou ainda necessidades específicas (orgânicos, sem glúten ou sem açúcar).
A ascensão dos superapps
À medida que os consumidores passam a usar mais os serviços de delivery, os apps também veem oportunidades de expandir ofertas, fazer parcerias, e trilhar um caminho de maior relevância e recorrência, o de virar um superapp.
Antes da pandemia, o gigante iFood já observava uma mudança nos hábitos de compra com um aumento na penetração dos canais online em todos os segmentos. Isso só acelerou ainda mais devido às medidas de restrição à circulação, de acordo com o diretor do iFood Grocery, Antonio Mello.
Em apenas nove meses, de junho de 2019 a março de 2020, o iFood aumentou sua rede em 418%, para mais de 5 mil parceiros, incluindo supermercados, lojas de conveniência, pet shops e farmácias. Cerca de 150 milhões de itens foram pedidos pelo app durante esse período. O iFood agora está presente em mais de 1,2 mil cidades em todo o Brasil, com o serviço de entrega de compras de mercado e conveniência disponível em mais de 400 delas.
O movimento por trás desses números, segundo Mello, é bem simples: as pessoas que já usavam o app para pedir comida, viram que poderiam utilizá-lo também para entregas de supermercado, farmárcia etc. Do outro lado, pequenos comerciantes com pouco ou nenhuma estrutura de tecnologia, viram na plataforma uma forma de acessar a antiga e a nova clientela.
Já a Uber tem na aquisição do aplicativo chileno Cornershop, anunciada em 2019 e concluída neste ano, outro passo importante para se tornar um serviço de ‘entrega de tudo’ na América Latina. É o que disse ao LABS Eduardo Donnelly, gerente geral regional da Uber Eats na América Latina e membro do conselho da Cornershop.
Estamos construindo uma plataforma global para ajudar os clientes a descobrir e a optar por serviços diários, tudo dentro da experiência Uber (…) É o único aplicativo na América Latina que oferece serviços de entrega e mobilidade em um só botão.
Eduardo Donnelly, gerente geral regional da Uber Eats na América Latina e membro do conselho da Cornershop.
O unicórnio colombiano Rappi já estava a caminho de se tornar um superaplicativo antes da pandemia. O que começou em 2015 como um serviço focado na entrega de bebidas e refeições expandiu seu alcance para entrega de mantimentos, produtos de tecnologia, medicamentos, entretenimento, viagens e streaming de conteúdo ao vivo.
“Começamos em uma pequena área de uma cidade há seis anos. Hoje estamos presentes em nove países e mais de 220 cidades em toda a região, (…) acelerando a adoção do e-commerce de diferentes formas, mais amplas do que apenas a entrega de alimentos”, disse Kathleen McInerney chefe global de relações públicas e comunicações estratégicas da Rappi. “No ano passado, a Rappi experimentou um crescimento [três vezes o] dos tempos pré-pandêmicos. Construímos nosso negócio sabendo que o serviço se encaixava perfeitamente no mercado. No entanto, agora temos um entendimento mais profundo sobre como nosso modelo de negócios é capaz de atender a uma necessidade que a região, e até mesmo nós, não sabíamos que tínhamos antes da pandemia de COVID-19”, completou.
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Os planos de iFood, Rappi e Uber daqui para frente
“[O serviço de] de entrega de última milha é enorme na América Latina e continua a evoluir em um ritmo [forte] tanto na região quanto globalmente. Um número crescente de compradores tem usado esses serviços durante a pandemia e têm novas expectativas quanto ao seu imediatismo. Eles agora querem mais controle sobre a experiência para que possam rastrear seus pedidos em tempo real. Esta área do mercado está se tornando cada vez mais competitiva, e algumas empresas agora estão encurtando a última milha com o uso de uma rede de dark stores, o que permite que algumas empresas ofereçam entregas em até 15 minutos”, explicou Butterworth.
Especialistas esperam ver também serviços complementares crescendo, métodos de entrega se aprimorando e soluções de pagamento contínuas surgindo para impulsionar a adoção e a fidelidade às marcas de delivery e seus parceiros.
Em janeiro, a Rappi lançou o RappiBank no Brasil. Em março, passou a ofertar cartão de débito e serviços financeiros em parceria com o banco Itaú no Chile, e em maio a empresa anunciou uma nova parceria com a Chubb, que permitirá aos usuários do Rappi adquirir proteção de seguro por meio do aplicativo.
O Uber também vem apostando na diversificando de seus serviços. No ano passado, lançou uma modalidade de entrega de pacotes para os consumidores, chamada Uber Flash, e está capacitando os comerciantes a gerenciar suas próprias plataformas de entrega com o Uber Direct.
“Acreditamos que a demanda do comerciante por Delivery as a Service (DaaS) será o principal impulsionador da próxima geração de comércio eletrônico. Este produto permite que os comerciantes ofereçam a entrega de qualquer produto vendido via seus próprios canais (por site, telefone ou encomendados na loja) em menos de uma hora. Esta solução aproveita a experiência em logística da Uber para mover mercadorias dentro de sua cadeia de suprimentos, entre locais e nas mãos de seus clientes ”, disse Donnelly.
O iFood planeja investir ainda mais em inteligência artificial, com foco em pesquisa e desenvolvimento de aprendizado de máquina, eficiência logística e outras áreas relacionadas a estrutura de dados e pagamentos. A empresa também anunciou uma parceria com o Grupo Pão de Açúcar, como forma de avançar nas entregas de supermercado e conveniência. E até a entrega por drones também está no horizonte do app.
A Rappi reforça que seu trunfo está no fato de ser “hiperlocal”. “Temos o melhor de cada cidade – restaurantes, lojas de conveniência, farmácia, e-commerce e viagens e serviços financeiros – distribuído por bairro para cada usuário. Entendemos [as] necessidades locais para usuários, comércio e indivíduos, e projetamos a melhor solução local possível – sempre desenvolvida com uma mentalidade local que prioriza os dispositivos móveis. ”