Hernan Kazah, co-fundador da KASZEK. Foto: Divulgação/KASZEK
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Hernan Kazah: massa crítica conhecedora de tecnologia é combustível para crescimento da KASZEK

Em entrevista exclusiva ao LABS, Hernan Kazah, cofundador da KASZEK, falou sobre o ecossistema da América Latina, os dois novos fundos levantados pela empresa e os futuros IPOs de investidas

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Há dez anos, o cofundador do Mercado Livre, Hernan Kazah, decidiu deixar o gigante do e-commerce para investir em empresas de tecnologia da América Latina. Juntou forças com o ex-CFO do Meli, Nicolas Szekasy, para criar uma das mais proeminentes empresas de capital de risco da América Latina, a KASZEK, cujo nome é uma fusão de Kazah com Szekasy.

A empresa começou como “Kaszek Ventures”, para dar uma ideia mais exata do que se tratava o novo negócio dos dois executivos. Depois US$ 2 bilhões levantados e um ecossistema já familiarizado com o termo venture capital, a companhia resolveu recentemente adotar apenas KASZEK como nome.

Ao todo, a empresa já participou da criação de nove unicórnios na América Latina (Nubank, QuintoAndar, Kavak, Creditas, Gympass, Madeira Madeira, PedidosYa, Loggi e Bitso) e já bancou quase 92 startups. “Quase” porque recentemente a empresa assinou um contrato com uma fintech, que deve ser a primeira startup a receber um cheque vindo de um dos dois novos fundos lançados pela KASZEK em maio e que somam US$ 1 bilhão. Segundo Kazah, para cada 50 acordos que a KASZEK assina, fecha negócio com 49.

Mas não é tudo um mar de rosas para empresas de capital de risco. Em meio às histórias de sucesso, há um bom número de ideias que não dão certo ou não tem um impacto grande o bastante para ser manchete de jornal. Mas esse é mesmo o jogo do venture capital. Kazah não divulga a taxa interna de retorno sobre os investimentos (TIR) do patrimônio líquido dos fundos da KASZEK, mas diz que ela chega a “dois dígitos” e está “próxima” de 60%. A título de comparação, o SoftBank Latin America Fund, com dois anos de existência, disse recentemente que essa taxa está em 62%.

Em uma entrevista exclusiva com o LABS, Kazah falou do ecossistema da região, que cresce a todo vapor apesar da crise econômica – a maior da América Latina em mais de 10 anos –, da possibilidade de um SPAC da KASZEK e dos futuros IPOs de empresas do seu portfólio.

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Isabela Fleischmann: Vocês recentemente fecharam dois fundos impressionantes, que juntos somam US$ 1 bilhão. A procura por startups para esses dois fundos já começou?

Hernan Kazah: Sim, já começou. Como essa indústria funciona: primeiro, a gente levanta um fundo, depois começa a construir um portfólio desse fundo. E quando vemos que já temos esse portfólio, é o momento de captar para continuar investindo nessas mesmas empresas. Mas, ao mesmo tempo, a gente começa a construir um novo fundo para um novo portfólio. Então, ainda temos capital disponível dos nossos fundos anteriores, mas esse dinheiro só irá para empresas que já foram investidas. Então, sim, estamos procurando novas empresas para esses dois novos fundos. Já assinamos um termo para esse novo portfólio duas semanas atrás. Então, se esse acordo avançar e fechar, devemos ter uma nova empresa nesse novo fundo. 

IF: Você pode dizer qual é a empresa?

Kazah: Não posso porque assinamos um termo; temos um acordo. Para cada 50 termos que assinamos, fechamos negócio com 49. Mas, por precaução, preferimos não comentar sobre isso por enquanto. 

IF: Mas você fala qual é o setor da empresa? Vocês estão interessados em alguma indústria em específico?

HK: Somos agnósticos em relação a indústrias. Investimos em qualquer indústria em que sentimos que a tecnologia está ou criando uma inovação ou um novo serviço ou produto que vai atender uma nova demanda emergente. Eu posso te dizer que essa empresa que vamos investir é uma fintech. 

IF: Quantas empresas vocês pretendem financiar com esses novos fundos e com qual valor?

HK: A gente levantou dois fundos, um fundo de estágio inicial [Kaszek Ventures V] e o de oportunidades [Kaszek Ventures Opportunity II]. Para o de estágio inicial [de R$ 475 milhões], nós esperamos investir em cerca de 25 a 30 empresas.

A gente também levantou o Opportunity Fund para continuar investindo nas melhores empresas dos nossos portfólios early-stage. Nesse caso, o fundo é um pouco maior, US$ 535 milhões, e nós esperamos investir em até 15 empresas. Claro, o fundo é de later-stage, então os cheques são maiores para esse segundo fundo. 

IF: A KASZEK levou uma década para levantar US$ 1 bilhão. Agora, vocês captaram isso com esses dois fundos em uma tacada só. Como você vê isso e por que você acha que foi possível levantar esse valor agora? 

HK: Sim, a gente levantou um pouco mais de US$ 1 bilhão nos nossos primeiros dez anos, e agora levantamos US$ 1 bilhão em um único processo de captação. Eu acho que isso reflete duas coisas. 

A primeira – e provavelmente a mais importante – é a evolução positiva que o ecossistema de tecnologia teve na região. Se você olhar como era o ecossistema da região dez anos atrás, tudo era muito incipiente. Hoje, o que temos é um ecossistema robusto com muitos empreendedores ótimos. Claro, tudo isso por conta de uma penetração significativa de internet móvel e muitos usuários. Assim, o mercado é muito maior hoje, o que justifica fundos maiores. Acho que esse é o ponto mais relevante. 

O segundo motivo é a nossa boa performance. Os investidores e empreendedores viram como trabalhamos, o tipo de valor que criamos, o tipo de retorno que nossos fundos dão. Portanto, eles também quiseram confiar o capital deles a nós para que encontrássemos as próximas empresas icônicas da América Latina

IF: Seguindo essa pergunta, você deixou o Mercado Livre quando viu uma oportunidade para investir na América Latina. O que mudou desde aquela época até agora? Como você vê o ecossistema hoje?

HK: Há 22 anos, quando começamos o Mercado Livre em uma garagem em Buenos Aires, acreditávamos que as tendências tecnológicas que víamos nos EUA e em alguns mercados mais desenvolvidos, eventualmente, chegariam para a América Latina. É por isso que fomos em frente e criamos o Mercado Livre, e é por isso que o Mercado Livre está no topo da sua execução incrível, teve uma ótima jornada. 

Em 2011, quando decidimos começar a Kaszek Ventures, isso continuava a ser verdade. A gente continuava a ver que essas tendências globais iriam chegar à região. Isso era mais evidente do que em 1999, mas, ainda assim, não completamente evidente. Então muitos investidores e empresas globais de tecnologia estavam hesitantes sobre a possibilidade da América Latina decolar com a tecnologia. 

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Mas a gente acreditou que isso iria acontecer. E aconteceu para valer. Talvez um pouco depois do que a gente tinha imaginado, mas, com inovação, foi muito maior [do que esperávamos]. É como um avião na pista de decolagem que vai, vai, e você espera ele decolar e ele não decola, demora mais. Mas uma hora ele decola e começa a voar a uma altitude muito maior. Acho que é isso que aconteceu com tecnologia na América Latina

IF: A COVID-19 impulsionou isso?

HK: Teve dois grandes pontos de inflexão. As tendências sublinhadas estavam lá, havia mais usuários de Internet e a penetração estava aumentando. O primeiro ponto de inflexão foi entre 2014 e 2017, quando a revolução dos dispositivos móveis mudou tudo porque acelerou a penetração digital. 

Algumas pessoas que antes não tinham conexão ou experiência com computadores, de repente se viram com smartphones na mão. Isso mudou tudo. Acelerou o número de usuários, a intensidade do uso dos apps, essa foi uma grande mudança. E a outra foi a COVID-19.

É uma tragédia para a humanidade e ainda é um desafio grande para todos nós, mas em termos de tecnologia, a COVID-19 acelerou a digitalização. Era um processo que já estava acontecendo, mas coisas que achávamos que aconteceriam em três, cinco anos, aconteceram em um. 

Esses dois grandes eventos com certeza estão muito conectados ao desenvolvimento do ecossistema de tecnologia na América Latina

IF: Vocês têm muitas histórias de sucesso, com nove unicórnios. Mas a KASZEK já bancou 91 empresas até agora. Tem alguma história de fracasso entre elas também?

HK: É claro que sim. Nessa indústria estamos investindo no futuro. Como você pode imaginar, prever o futuro é bem desafiador. Algumas vezes acreditamos em uma tendência, e fazemos parcerias com empreendedores incríveis que também acreditam nessa tendência e eles começam a executar a ideia deles. Mas às vezes a tecnologia que pensamos que iria surgir demora mais para aparecer, então a empresa fica sem capital e não tem sucesso. 

Ou então, às vezes o negócio não decola porque há uma tecnologia em paralelo que surge com tendências mais fortes e acaba vencendo a batalha. Então, sim, no processo de capital de risco, coloca-se apostas inteligentes em times com grandes ideias, mas algumas dessas ideias não funcionam. Faz parte do jogo. No final do dia, o retorno vem das poucas empresas bem-sucedidas. 

No processo de capital de risco, coloca-se apostas inteligentes em times com grandes ideias, mas algumas dessas ideias não funcionam. Faz parte do jogo. No final do dia, o retorno vem das poucas empresas bem-sucedidas. 

HERNAN KAZAH, CO-FUNDADOR DA KASZEK

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Também temos um grupo de empresas que vão bem, que têm impactos positivos no ecossistema, nos países delas, geram emprego, mas não são muito grandes. Não são aquelas que você lê nas notícias o tempo todo. 

E outras fracassam. Temos todas essas no nosso portfólio: aquelas que são grandes e bem-sucedidas, aquelas que são bem-sucedidas mas têm um impacto menor, e aquelas que fracassaram. 

IF: O retorno dos investimentos da KASZEK na América Latina sobre os custos está avaliado em que valor?

HK: Não divulgamos esse valor. Os fundos estão indo muito bem, no topo das empresas globais de capital de risco em termos de retornos, mas não divulgamos isso. 

IF: Vocês divulgam a TIR (Taxa Interna de Retorno) do patrimônio líquido do fundo? Para todos os fundos, qual é a porcentagem?

HK: Nós não dizemos isso, mas chega a dois dígitos. 

IF: Maior do que 60%?

HK: Está perto disso. 

IF: Você vê alguma saída no portfólio de vocês no curto prazo?

É sempre difícil prever. Não é algo que nos preocupa. Tentamos fazer parcerias com grandes empreendedores que acabam construindo grandes empresas. Se temos essas grandes empresas no nosso portfólio e essas empresas estão crescendo e atendendo mais clientes, melhorando seus produtos e produzindo resultados financeiros melhores, estamos felizes com isso. 

Eventualmente, os empreendedores e investidores vão decidir quando é o melhor momento de saída da empresa para gerar liquidez para os acionistas. Mas nós não temos pressa para esse processo. Achamos que temos muitas empresas incríveis no nosso portfólio que serão bem-sucedidas na bolsa como Madeira Madeira, QuintoAndar, Creditas, Loggi, Gympass, Bitso, Kavak, todas essas. Mas não estamos com pressa para levá-las ao IPO

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Os mercados de hoje permitem que as empresas continuem privadas por mais tempo porque há muito capital disponível para as boas empresas privadas. Então é mais uma questão do empreendedor ou da empreendedora decidirem seguir em frente. Eu não posso comentar em nenhum plano em específico, mas há grandes empresas que, provavelmente no próximo ano, ou em dois anos, vão abrir capital em Nasdaq ou na NYSE.

IF: Algumas empresas como SoftBank e Valor Capital estão construindo SPACs (sigla para special purpose acquisition company, um novo instrumento de investimento) para a região. Você vê a KASZEK criando um SPAC? 

HK: Acho que é uma ótima ferramenta. Penso que os SPACs são bons para o ecossistema porque trazem mais liquidez aos empreendedores, mais liquidez para as empresas, e um caminho mais rápido para abrir capital. Então gostamos disso e estamos considerando. 

IF: Se esse for o caso, construir um novo SPAC, vocês têm alguma previsão de quando isso irá acontecer?

HK: Não, a gente não tem nenhum plano em específico ainda. Mas é algo que estamos acompanhando; acreditamos que com o patrocinador correto e o alvo correto, pode ser um grande veículo. Claro, tiveram más repercussões relacionadas aos SPACs porque patrocinadores não tão bons estavam fazendo fusões com empresas não muito boas, o que criou um certo ruído. Mas eu acho que o instrumento é bom. Depende de como você usa, se você tem um bom patrocinador e está procurando uma fusão para o longo prazo, e se você tem uma empresa de boa qualidade que pode usar um SPAC para conseguir alguma liquidez e se tornar pública mais cedo, acho que pode ser uma combinação incrível.  

IF: Se você fosse resumir o que está acontecendo no ecossistema da América Latina agora, como você descreveria? Mesmo com a crise econômica, alta inflação, o dinheiro ainda está correndo para o capital de risco. Por quê?

HK: Acho que duas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. E acho que é por isso que estamos vendo tanta atividade. A primeira é a presença de uma massa de pessoas que adotaram a tecnologia no mercado hoje. Se você olha empresas bem-sucedidas como o Nubank, o QuintoAndar ou a Kavak, essas grandes empresas atendem milhões de clientes. Então, se você tem uma massa criada após o crescimento da penetração da internet de banda larga em dispositivos móveis, você tem um grande mercado para construir essas empresas em cima. 

A massa para a tecnologia é importante porque, no fim do dia, quase todos os modelos de tecnologia na América Latina dependem da escala econômica. Se você tem um mercado pequeno, custa o mesmo tanto do que você ter um mercado grande. Isso é uma coisa.

Outra coisa que está acontecendo é que ainda estamos vivendo os dias iniciais disso tudo. Se você pensar em onde a tecnologia pode crescer na América Latina, em todo lugar. Se comparar o que temos na América Latina com o que vemos na China ou no Sudeste Asiático ou nos EUA, ainda há muito espaço para crescer. 

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Particularmente, acreditamos que a América Latina é uma região do mundo com muitas necessidades mal atendidas. Acreditamos que, por meio da tecnologia, muitas dessas necessidades… não que elas seriam totalmente resolvidas, mas as coisas melhorariam.

Empresas que trazem soluções de comércio, serviços financeiros, inclusão financeira, saúde, educação, por exemplo. No passado, essa oportunidade estava lá, mas não tinha uma massa crítica [para alcançar]. Agora você tem uma massa de pessoas que adotaram a tecnologia e também tem a oportunidade. Então acho que estamos no melhor momento para continuar desenvolvendo esse ecossistema. 

IF: Você tem alguma previsão sobre em quanto os investimentos da KASZEK na América Latina estarão avaliados nos próximos anos?

HK: Os mercados sobem e descem. Mas no longo prazo, eles avançam, ainda mais se tratando de tecnologia. Então temos certeza de que se encontrarmos os empreendedores certos atrás das oportunidades certas, o valor do nosso portfólio só irá crescer. 

Eu estou muito otimista de que isso vai acontecer, mas colocar um número nisso é difícil. 

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O que fizemos no passado nos ajuda porque o sucesso anterior nos fez levantar mais capital agora e permitiu que nos conectássemos com a nova geração de empreendedores. Mas precisamos continuar trabalhando no novo portfólio. Essa é uma indústria em que o trabalho nunca termina. Você precisa continuar construindo o próximo portfólio enquanto ainda ajuda as empresas dos portfólios anteriores.

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