O mercado latino-americano é um campo aberto de oportunidades para o desenvolvimento tecnológico, não é à toa que nos últimos anos acompanhamos vários unicórnios emergirem. Alguns fatos ilustram essa afirmação:
- Em agosto de 2020, o Mercado Livre se tornou a empresa mais valiosa da América Latina;
- Airbnb, Netflix e Uber, entre 2016 e 2018, tiveram maior crescimento nessa região do que em outros lugares do mundo;
- Segundo a LAVCA (The Association for Private Capital Investment in Latin America), 2019 foi o ano recorde de arrecadação de investimentos para Startups tech;
O histórico dos últimos anos é positivo e os prognósticos para essa região são otimistas, principalmente em relação ao comportamento de compra.
LEIA TAMBÉM: A revolução nem tão silenciosa dos cartões de débito no e-commerce brasileiro
Ao analisar o setor financeiro especificamente, a América Latina apresenta uma enorme brecha de mercado, onde quase 70% dos consumidores não possuem contas bancárias. No que tange o interesse em compras online, a UBS estima que o comércio eletrônico representará 25% das vendas no varejo nos próximos cinco anos, em comparação com 15% em 2019.
Trabalhando na Despegar, ou Decolar para os brasileiros, maior OTA da América Latina, e agora no Mercado Livre, estou tendo a oportunidade de vivenciar e conhecer mais a fundo o cenário dos diferentes países. Apesar do ramo das duas empresas ser completamente diferente, o objetivo sempre foi o mesmo: criar as melhores experiências para os usuários e superar os desafios do contexto latino.
LEIA TAMBÉM: PayPal passa a aceitar cartão de débito nas compras online feitas no Brasil
Design e Estratégia Centrada nos Usuários
Para alcançar tal potencial, precisamos lembrar que as nações da América Latina não são uma coisa só. Oferecer uma experiência unificada e massificada para a região como um todo dificilmente será eficiente, dada a diversidade e riqueza cultural em cada país. É aí que começa a estratégia centrada nos usuários.
Uma pesquisa recente conduzida pela Deloitte, sugere que os negócios centrados no cliente são até 60% mais lucrativos do que empresas que não optam por essa tratativa.
LEIA TAMBÉM: Compras remotas feitas com cartão crescem 18,4% no Brasil
Companhias centradas nos usuários partem do princípio de que o cliente é o cerne do negócio e, em torno dele, circulam todos os seus pontos de contato. Não importa se o seu consumidor está em sua unidade física, em seu e-commerce, ou em suas redes sociais: ele é único para você. Isso impacta diretamente na percepção de marca e consequentemente na confiança que as pessoas sentem em relação ao seu negócio.
Ok, mas como aplicar esse tipo de estratégia? Para estar centrado nos usuários, os consumidores precisam fazer parte do processo de trabalho. É necessário abrir a mentalidade corporativa e deixar de encarar os clientes como meros compradores de produtos ou serviços e começar a visualizá-los como participantes ativos na retroalimentação das decisões empresariais.
Nessa estratégia, a pesquisa com usuários determina como os produtos crescem. Entender os usuários é compreender contexto e especialmente responder rápido às mudanças de cenário. Um exemplo recente foi a adaptação do Mercado Livre ao lançar funcionalidades de acordo com as necessidades provenientes da pandemia. Houve um crescimento gigantesco na busca por diversas categorias e um consequente aumento de cinco milhões de novos compradores, como mostra o relatório sobre a evolução nos hábitos dos consumidores em tempos de COVID-19.
LEIA TAMBÉM: Via EBANX, sites internacionais aceitarão cartão virtual de débito da Caixa
Localização é mais do que tradução
Quando falamos sobre design e estratégia centrada para usuários latino-americanos não lidamos apenas com questões sócio-econômicas, mas também com costumes completamente diferentes. Apesar dos países latinos compartilharem traços culturais, existem perfis de usuário distintos e tendemos a acreditar que a maioria das decisões devem ser tomadas uniformemente, principalmente quando se trata dos países hispanofalantes.
Localização aplicada ao e-commerce significa adaptar produtos ou serviços ao contexto cultural apropriado, o que inclui: idioma, expressões idiomáticas, campanhas de marketing e economia. Ter acesso aos cenários da América Latina é indispensável para se beneficiar das particularidades de cada país, por exemplo as datas comerciais como o Hot Sale na Argentina e o Carnaval no Brasil, ou ainda, a diferença entre a quantidade de dias de férias anuais, sendo 6 no México, 15 no Chile e 22 no Peru.
Não é só uma barreira linguística, existem obstáculos culturais. Se você está ignorando isso, seu público estará ignorando você. Não é só traduzir, é geolocalizar e personalizar.
Allan Cardozo, Líder ux no mercado livre
Localizar conteúdo e design tem resultados. Na prática, os projetos em que trabalho tem recortes específicos por país, o que nos encoraja a criar soluções sob medida para cada região.
Como demonstra um experimento da Nieman Lab, é possível obter 6 vezes mais engajamento ao utilizar conteúdo localizado. Além disso, a CSA Research aponta que 76% dos compradores online preferem adquirir produtos com informações em seu idioma nativo e 78% deles são mais propensos a fazer uma compra em e-commerce com localização de conteúdo.
LEIA TAMBÉM: O que falta para o uso do cartão de débito no e-commerce se popularizar no Brasil
No final das contas é tudo uma questão de identificação
Os usuários abordam um novo produto ou serviço com base em seus modelos mentais, que são formados por educação, experiência própria, idade e cultura. Logo, ao experimentar o seu produto, os usuários geram expectativas fundamentadas em experiências anteriores. As pessoas buscam identificação em cada nova experiência vivenciada.
Gerar essa conexão depende de englobar o design como estratégia e encarar a usabilidade como um elemento chave. Um estudo da NN/g demonstra como melhorias de usabilidade podem aumentar as vendas atuais em cerca de 79%. Ademais, empresas que investem em design apresentam retornos significativos, como maior lealdade dos consumidores, melhor desempenho das ações, receitas mais altas e melhores avaliações.
Por conta das características econômicas e sociais, definir custos, taxas e opções de pagamento requer atenção especial, sendo fatores determinantes ao tratar da usabilidade para o público latino. Compreender as preferências de pagamento dos clientes e oferecer opções com as quais as pessoas estão acostumadas é primordial, pois influencia diretamente a experiência de compra e checkout.
LEIA TAMBÉM: Mercado Livre não é alvo de aquisição, diz presidente
Um exemplo da necessidade de adaptação para métodos de pagamento latinos são os boletos, meios de pagamentos exclusivos do Brasil. A pesquisa Beyond Borders, da fintech EBANX, em sua edição de 2019 aponta esse meio como um dos mais estratégicos, já que 51,5% dos brasileiros entrevistados disseram que usam boleto para pagar por produtos e serviços estrangeiros. Entre os que fizeram essa escolha, 53% possuíam cartão de crédito. Em outros países os meios de pagamento possuem relevâncias distintas, como o Rapipago na Argentina, as transferências bancárias no México e as bandeiras de cartão de crédito na Colômbia.
Outras características significativas para os comércios eletrônicos latinos são: descrições, avaliações e comentários dos produtos e atendimento ao consumidor. Experiências ruins nos marcam, por conta disso somos diretamente afetados pelo viés da negatividade. Ao fazer julgamentos, ponderamos muito mais os aspectos negativos de um evento do que os positivos.
Uma pesquisa da PWC aponta que 32% dos consumidores abandonariam uma marca que amam após apenas uma experiência ruim. Isso alimenta a busca por confiança através do design, pode-se perceber isso nos 70% do público mundial que leem comentários e avaliações antes de realizar uma compra.
LEIA TAMBÉM: Via Varejo está perto de entregas no mesmo dia e de financiar vendedores de marketplace
Tornar o suporte ao cliente facilmente acessível e personalizado irá requerer geolocalização e análise de dados. Imagine ler o comentário de um produto e não entender o que foi comentado, ou precisar resolver um problema com o setor de pós-venda e o atendimento estar em outro país. Pode parecer um mero detalhe, mas esses pontos criam distanciamento na relação com o consumidor.
Rompendo fronteiras
Existe uma oportunidade gigantesca a ser aproveitada na América Latina e ter uma estratégia focada nos usuários é chave. Para atingir esse objetivo os negócios necessitam:
- Deixar de considerar que as decisões devem ser uniformes para toda a região;
- Romper barreiras físicas e principalmente conceituais;
- Realizar pesquisas com usuários, pois cada consumidor interage com o universo digital de forma ímpar;
- Além de traduzir, é necessário localizar e personalizar a experiência;
- Focar em gerar identificação, nesse aspecto, nutrir um time diverso pode fazer toda a diferença;
Um plano formado pela junção das necessidades e expectativas dos usuários, dados de comportamento e personalização das interações com o cliente, permite conquistar o potencial do seu produto na América Latina.