Os fundadores da insurtech mexicana Sofía: Sebastián Jiménez Bonnet Preciado, Arturo Sánchez Correa e Manuel Andere Portas. Foto: Divulgação.
Negócios

Insurtechs do México têm como alvo consumidores negligenciados pela indústria tradicional

Startups usam inovação e tecnologia para eliminar a complexidade e os preços altos do setor. Veja o que a Endeavor México e as insurtechs Sofia, Zenda.la e Clupp têm a dizer sobre o potencial desse mercado

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Foi em 2017 que boa parte das insurtechs surgiram no México, mas foi somente no ano passado que elas levantaram US$ 23 milhões em investimentos (montante bem acima dos US$ 13 milhões de três anos antes). A pandemia foi um catalisador para isso. As medidas de restrição ao contato físico aceleraram a digitalização e também estimularam diferentes indústrias, incluindo a de seguros, a desenvolver novos canais de distribuição. Ao mesmo tempo, a emergência sanitária fez o sistema público chegar perto do colapso, fazendo os mexicanos, mesmo em um contexto adverso, a gastarem mais.

De acordo com o Centro de Pesquisa Econômica e Orçamentária (CIEP), em um contexto de taxas de atendimento inferior a 43% no sistema público, em 2020, a média de gastos com saúde por pessoa aumentou 40%, passando de MXN 2.358 (R$ 626,75) em 2018 para MXN 3.299 (R$ 876,8) no ano passado. No entanto, de acordo com a Pesquisa Nacional de Inclusão Financeira de 2018, apenas um a cada quatro adultos do país tinham algum tipo de seguro. Os mexicanos não costumam contratar seguros por achar o produto caro, ou mesmo por não saberem o que é, como funciona ou onde contratar.

Para este ano, a Associação Insurtech do México (AIM), que conta com 43 membros, projeta que as startups do setor receberam US$ 27 milhões em investimentos — US$ 20 milhões já entraram na conta das empresas até agosto. “Este aumento de capital indica que há um interesse crescente no setor, especificamente dos fundos de capital de risco”, diz Enrico Robles del Río, CFO e diretor de inteligência da Endeavor México, organização que promove o empreendedorismo e que tem braços em vários países da América Latina.

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O número de empreendimentos cresceu 46% em 2020 em comparação com o ano anterior. De acordo com o estudo Panorama Insurtech no México, da Endeavor, existem neste setor 80 startups que, juntas, geram 1.271 empregos e uma receita de MXN 1,37 bilhão (R$ 364 milhões) por ano.

“A pandemia deu um impulso muito forte nas seguradoras, que não estavam tão familiarizadas com a parte digital. As vendas aumentaram muito fortemente e foi um grande passo para as insurtechs, que são suas distribuidoras”, afirma Marisol Sánchez, presidente da AIM e cofundadora da Clupp.

Marisol Sánchez, presidente da AIM e cofundadora da Clupp. Foto: Divulgação.

Apesar de as empresas tradicionais terem migrado para a mídia digital na pandemia, a mídia física ainda prevalece na maioria de seus processos.

Em contraste, as insurtechs gerenciaram 90% da jornada do cliente por meio de mídias digitais, de acordo com o estudo. Por isso não é de se estranhar que a média de idade de seus clientes esteja entre 31 e 40 anos, ou seja, a geração millennial, e que a geração Z, de jovens entre 18 e 30 anos, seja um segmento crescente de clientes.

O que as insurtechs têm em comum é que conseguiram gerar modelos de negócios para oferecer preços baixos e com foco no usuário. A Zenda.la, por exemplo, foi a primeira a oferecer seguros no modelo freemium, ou seja, com um plano de cobertura gratuito no nível mais básico. A inovação foi alcançada por meio de uma parceria com a seguradora Prevem e a resseguradora Swiss Re.

A tendência é de que as insurtechs procurem sempre otimizar alguma parte da cadeia de valor da indústria de seguros, seja o sistema de análise e gerenciamento de dados, o marketing digital, o design de produtos, ou o gerenciamento de sinistros, entre outras.

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A Zenda.la é uma insurtech de distribuição. No México, segundo a Endeavor, as distribuidoras representam 59% do mercado e são marketplace ou corretoras; 34% das startups de seguros são habilitadoras que fornecem alguma solução tecnológica; e apenas 7% são full-carrier ou full-stack, ou seja, oferecem todos os serviços de uma seguradora tradicional.

“Isso é consistente com o alto nível de barreiras de entrada que existem [no setor de seguros], como, por exemplo, a necessidade de cumprir uma regulamentação extensa para operar ou ter um capital mínimo para cobrir sinistros”, explica o relatório Panorama Insurtech no México.

A alta regulamentação é um dos maiores obstáculos que o setor enfrenta, por isso a busca por parcerias é a fórmula mais confiável para se iniciar no negócio.

Insurtech com certificação de seguradora: Sofía

A Sofía decidiu obter a certificação como seguradora junto ao regulador mexicano, um caminho longo e caro, que normalmente as insurtechs não seguem.

“Uma empresa como a Sofía, que quer modernizar o setor, enfrenta a mesma carga operacional que uma empresa madura como a AXA”, diz Arturo Sánchez, um dos três fundadores da startup que levou dois anos para obter a autorização e começou a operar em 2021.

Arturo Sánchez, um dos três fundadores da Sofía. Foto: Divulgação.

Devido ao modelo disruptivo que queriam implementar, não era viável uma parceria inicial com uma seguradora tradicional. A proposta da Sofía é propor a pessoas com um nível médio de renda, que ainda não têm seguro para cuidados médicos, um plano de saúde com uma cobertura de MXN 1,5 milhão, que inclui gastos médicos pequenos e grandes.

O usuário tem acesso a consultas por vídeo e a uma rede de 120 médicos especialistas na Cidade do México. O cliente paga apenas 30% do preço da consulta médica e dos medicamentos.

“Entrar no lado preventivo da saúde não combinava com o modelo típico de seguradora no qual, para usar o seguro, é preciso que tenha ocorrido um sinistro”, diz Sánchez. A cobertura da Sofía inclui internação por acidente ou doença nos hospitais da rede San Ángel Inn, na Cidade do México. “Se detectamos que a pessoa tem uma doença, nós a ajudamos para que não tenha complicações, e isso nos ajuda a conter custos”, diz.

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As diferenças em relação ao modelo de seguro tradicional começam na contratação, que pode ser feita no website “em apenas cinco minutos”. Não há corretores —nem comissão — e os clientes não pagam franquia (pagamento mínimo que o cliente deve absorver para ativar a cobertura do seguro).

Assim, a Sofía diz que pode oferecer preços 30% mais baratos que os praticados pelos seguros tradicionais. Até agora, a insurtech levantou US$ 25 milhões em investimentos, incluindo uma rodada seed. “No México, o mercado potencial é de US$ 25 bilhões, por isso nossos investidores atuais consideram esse espaço tão atraente.”

A Zenda.la quer que todos tenham seguro de saúde

Foi a dura realidade do custo dos serviços de saúde que motivou Diego Muradas e Eva Sander a fundar a Zenda.la, uma insurtech que oferece seguros indenizatórios por um preço baixo. Muradas nunca recebeu o reembolso total da angioplastia do filho. Sander perdeu um amigo próximo que não tinha seguro de saúde e por isso não pôde pagar exames e médicos que poderiam ter salvo sua vida.

“Os produtos das seguradoras tradicionais não colocam as pessoas no centro. Eles são projetados para dar resultado para a seguradora, mas não dão resultado para as pessoas comuns”, afirma Eva Sander, que também especialista em tecnologia cívica.

O modelo de negócio concebido por Muradas, que é atuário, elimina a principal barreira, responsável pelo fato de 9% da população mexicana ter um seguro de saúde para despesas médicas grandes: o preço. Para isso, oferta um modelo freemium, que usa plataformas digitais para proporcionar um serviço básico gratuito.

O seguro gratuito faz sentido para que mais gente decida ter um e para que possamos chegar a mais pessoas, porque a barreira econômica é eliminada

Diego Muradas, COFUNDADOR da ZENDA.LA.

Os planos da Zenda.la também são indenizatórios. Em caso de um acidente, o usuário pode usar a soma segurada para pagar o hospital, os medicamentos ou os salários não recebidos durante o período de recuperação ou até mesmo a franquia do seu seguro médico pago.

A diferença entre o plano gratuito e os planos pagos são o valor segurado e as coberturas. Para acidentes, por exemplo, o plano básico cobre até MXN 50.000 e o plano pro, até MXN 400.000. Os seguros não excluem pessoas com HIV ou diabetes, mas não cobrem enfermidades decorrentes dessas doenças.

Para começar, a Zenda.la levantou US$ 2 milhões de capital seed de fundos como Angel Ventures e Cloud Capital, e pretende lançar uma série A em breve. O desafio agora é convencer as pessoas que têm recursos a optar por um plano pago, pois dessa forma é possível oferecer seguros gratuitos.

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Na Clupp, de seguros auto, o foco é reduzir custos com tecnologia

A Clupp, que inicialmente só vendia seguros, como a maioria das insurtechs, é agora uma full-stack, ou seja, controla a administração, a distribuição, a retenção de riscos e o atendimento de sinistros, como uma seguradora tradicional, mas usando tecnologia em cada processo para cortar custos e, assim, oferecer um preço mais barato.

Em 2016, Omar López e Marisol Sánchez criaram uma startup que funcionava como uma corretora de seguros que oferecia descontos aos clientes que melhoravam a forma em que dirigiam seus carros. Para isso criaram um aplicativo móvel.

No fim de 2020, aproveitaram uma figura da lei mexicana chamada mutualidade e lançaram seu próprio modelo de negócios.

A complexidade e o preço são as principais razões pelas quais apenas um em cada três veículos tem seguro no México. Sabendo disso, López e Sánchez procuraram criar um seguro simples a um preço mais acessível.

“Todos os nossos seguros são de cobertura ampla. Se você fizer um seguro conosco, você sabe que está protegido contra as coisas que te preocupam”, diz López. Isso significa que a cobertura inclui danos próprios, a terceiros e até mesmo acidentes pessoais.

Junto com a resseguradora Munich Re, a Clupp criou um plano de tarifas que segmenta a população entre aqueles que dirigem pouco, na média e muito. “Aqueles que dirigem pouco têm acesso a uma tarifa 30% mais barata do que as outras”, conta López. Os seguros também cobrem motocicletas, bicicletas e skates.

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Graças à tecnologia, a Clupp implementou outras inovações que permitem reduzir o custo dos sinistros e oferecer melhores preços. Na hora da contratação, o cliente envia uma foto do veículo tirada com o aplicativo da insurtech, que usa inteligência artificial para verificar se a imagem é real. “Ao verificar a existência do veículo fazemos um desconto de 17% na tarifa”, diz o empreendedor. Estima-se que 17% do prêmio que as seguradoras cobram é usado para absorver fraudes.

As imagens também são um recurso utilizado em caso de sinistros, para que o perito não tenha de se deslocar fisicamente. “Em 80% dos casos não é preciso ir”, assim, em vez de atender cinco sinistros por dia, o perito pode atender 20, diz López.

No começo de setembro, a Clupp estava a caminho de levantar US$ 1,5 milhão em rodada seed. Esse montante deverá ser usado para alcançar 15.000 clientes em 2022.

Traduzido por Adelina Chaves

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