A chamada oferta pública inicial (IPO) é apenas um dos caminhos para levantar capital e expandir globalmente. Mas se você é uma startup latino-americana com sonhos de seguir esse caminho, ele parece mais tentador do que nunca. Este ano, dizem os analistas, será um ano recorde para IPOs nos Estados Unidos e na América Latina.
As bolsas dos EUA viram uma explosão recente de IPOs, com a Nasdaq relatando 410 novos processos apenas no primeiro semestre de 2021. Segundo o Wall Street Journal, as empresas listadas por lá podem podem levantar mais de US$ 40 bilhões até agosto deste ano, quebrando o recorde anterior de US$ 32 bilhões estabelecido ao longo do ano passado. Esse número impressionante não inclui os recursos levantados ou previstos para serem levantados via empresas de aquisição de propósito específico (SPACs, na sigla em inglês).
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Apesar de toda a volatilidade do mercado criada pela pandemia de COVID-19, o Bolsa de valores brasileira, a B3, também está passando por uma onda de IPOs. De acordo com o Financial Times, 41 empresas anunciaram sua intenção de estrear na B3 em 2021. No ano passado, foram 28 estreias, o maior número desde o recorde histórico de 2007, de 64 IPOs.
Para startups latino-americanas que desejam abrir capital, uma das questões do momento é: fazer IPO aqui ou nos Estados Unidos?
Se sua empresa é conhecida, com operações no Brasil, abrir o capital na B3, onde os consumidores e potenciais investidores já estão familiarizados com seus produtos e serviços, faz muito sentido, disse Nicolás Szekasy, cofundador e sócio-gerente da Kaszek, maior empresa de capital de risco da América Latina. Para empresas de tecnologia emergentes, no entanto, a decisão é mais complexa.
Antes da Kaszek, Szekasy fez parte da equipe fundadora do Mercado Livre, onde atuou como CFO e foi responsável por abrir o capital da empresa na Nasdaq em 2007, tornando-a a primeira empresa latino-americana a ingressar na Nasdaq 100.

“Naquela época teria sido muito difícil abrir o capital de uma empresa como a nossa no Brasil. Os mercados da América Latina simplesmente não estavam prontos para a nossa história. Naquela época, havia poucos precedentes para as empresas de tecnologia abrirem capital. O mercado nos EUA era mais profundo e líquido, e havia investidores nos EUA que estavam menos focados na lucratividade de curto prazo e mais focados na criação de valor de longo prazo”, disse Szekasy.
Muita coisa mudou desde então. Com cada IPO local, a capacidade das empresas latino-americanas de escalar e crescer globalmente está mais do que comprovada. A confiança nas ofertas de empresas de tecnologia emergentes só aumentou, atraindo mais investimentos internacionais para a região à medida que o ecossistema local foi amadurecendo.
“Durante 2020, 83% das transações na região incluíram um investidor local, em comparação com mais de um terço (39%) que incluiu um investidor internacional. Os investidores internacionais apostam cada vez mais na maturidade do ecossistema local, o que permitirá que os mercados públicos vejam eventos de aumento de liquidez localmente nos próximos anos ”, disse Carlos Ramos de la Vega, gerente de venture capital da LAVCA.
Hoje, o B3 é uma opção fantástica e a decisão de onde fazer o IPO depende das equipes mais do que qualquer outra coisa. Ainda assim, há mais benchmarks sendo negociados [nos Estados Unidos] e há um pouco mais de infraestrutura em termos de pesquisa e liquidez. Algumas empresas continuarão a ir para os Estados Unidos por esse motivo, mas é muito viável fazer uma oferta pública inicial com o B3
Nicolás Szekasy, cofundador e sócio-gerente da Kaszek.

B3, Nasdaq, NYSE: qual a melhor bolsa para IPO de startups brasileiras?
Embora o volume IPOs tenha crescido significativamente, a B3 ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar outros mercados globais. A B3 “levou” oito dos 13 IPOs do Brasil de 2018 a 2020, mas o mercado dos EUA continua sendo uma opção muito mais atraente para players de tecnologia de alto crescimento. Entre as transações que a Bolsa brasileira “perdeu” estão as estreias de US$ 2,61 bilhões da PagSeguro na NYSE em 2018, de US$ 1,5 bilhão da Stone na Nasdaq em 2018, e de US$ 2,25 bilhões da XP também na Nasdaq em 2019.
Um grande desafio para o B3 é não ter empresas de tecnologia o suficiente negociando para dar ao mercado uma ideia mais fidedigna do potencial das startups por lá, explicou Anderson Thees, sócio-gerente da Redpoint eventures, o primeiro fundo do Vale do Silício no Brasil.
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“Não temos massa crítica para [determinar] se há um prêmio de liquidez refletido na avaliação das empresas. Se você for uma empresa de SaaS listada na Nasdaq, será comparada a empresas de SaaS que operam na China e na Índia, bem como nos EUA. Mas se você comparar os múltiplos para um tamanho de indústria específico como exemplo, os múltiplos de tamanho nesses mercados ainda são significativamente maiores do que vemos nas transações privadas no Brasil”, disseThees.
Os requisitos legais rígidos da B3 também dificultam a escolha das empresas de tecnologia.

Os requisitos são muito altos em termos de rentabilidade de receita, além do que os reguladores ou a própria B3 exigem. Os analistas daqui não entendiam bem as empresas de alto crescimento e que não eram lucrativas, mas isso é algo que está mudando
Anderson Thees, sócio-gerente da Redpoint eventures.
As opções de propriedade e governança são outra diferença crítica entre B3 e Nasdaq, e isso pode ser um obstáculo para algumas startups. “Nos EUA.,você tem a possibilidade de uma classe com vários votos, que é o que permite que empresas como Facebook e Mark Zuckerberg tenham menos de 50% do capital e ainda controlem a empresa. Os fundadores podem manter o controle e abrir capital, e estão fazendo isso. No Brasil é mais difícil e um número menor de fundadores está disposto a abrir mão desse controle. Essas coisas ainda precisam ser ajustadas na regulatória [da B3]”, disse Thees.
Enquanto isso, a visibilidade global da Nasdaq, com maior volume de transações, liquidez e cobertura de analistas, a colocam em clara vantagem.
A Nasdaq vem capitalizando isso ao se reunir ativamente com startups latino-americanas de sucesso nos últimos anos, disse Ivana Ferreira, diretora-gerente de listagens e mercados de capitais da Nasdaq para a América Latina. “[Até a pandemia] Eu viajava muito, conversava com empreendedores, conversava com investidores das empresas do portfólio para ajudar a desmistificar o processo de listagem aqui”, disse Ferreira.
A abertura de capital na Nasdaq começa com chamadas introdutórias de seis a oito meses antes da data de IPO desejada. As empresas devem registrar um requerimento na Nasdaq, que leva de quatro a cinco semanas, e então devem passar pelo processo de arquivamentos confidencial e público com períodos para comentários relacionados para atender aos vários requisitos da SEC (a CVM americana). A Nasdaq demanda um compromisso dos fundadores, pelo menos seis semanas antes do IPO, para desenvolver ações de apoio de marketing e relações públicas para o grande dia.

Na Nasdaq, não vemos um IPO como uma transação só. Nos propomos a construir relacionamentos de longo prazo com fundadores e apoiá-los durante toda a jornada rumo ao IPO e além
Ivana Ferreira, diretora-gerente de listagens e mercados de capitais da Nasdaq para a América Latina.
“Temos equipes, ferramentas e ativos para apoiar essas empresas listadas em todo o seu ciclo de vida, o que é muito reconfortante para os empreendedores. O Mercado Livre exemplifica o que significa ser uma empresa listada na Nasdaq, estivemos com eles em todas as fases de seu crescimento”, acrescentou Ferreira.
Uma coisa é certa: os fundadores e as startups estão cada vez mais em condições de escolher que caminho querem tomar.
“Há dez anos, as empresas atingiam uma determinada escala e, em algum momento, eram adquiridas por uma empresa global maior. Agora, eu diria que quase 100% das empresas que estão evoluindo de olho um IPO o farão um dia. E quando chegar a hora, taticamente, elas terão a opção de fazer isso localmente ou em alguma bolsa internacional, ou ainda até mesmo em ambas”, disse Szekasy.
Thees concorda: “Acredito que você verá cada vez mais empresas listadas localmente, mas isso não impedirá que algumas delas sejam listadas nos EUA também. Já temos investidores institucionais participando de pré-roadshows, roadshows pré-IPO e assim por diante, o que é ótimo. E você tem mais participantes internacionais, como as bolsas de valores de Londres e do Canadá, trazendo propostas de valor para as empresas e encorajando-as a fazer IPO mais cedo. Tudo isso faz parte da evolução natural do mercado. À medida que começamos a ter mais latino-americanas atingindo massa crítica, essa briga por onde se listar será mais frequente. E é muito saudável para todos,” disse Thees.
Traduzido por Adelina Chaves