A startup de aluguéis de carros brasileira Kovi anunciou nesta quarta-feira (18) que recebeu mais de US$ 100 milhões (cerca de R$ 500 milhões) em uma rodada Série B co-liderada pelos fundos Valor Capital Group e Prosus Ventures, antiga Naspers, fundo sul-africano investidor da Movile, que é dona do iFood. A Kovi usará o dinheiro para expandir na América Latina e levar o serviço de pay-per-mile e seguros para além de motoristas por aplicativo.
Os fundos de capital de risco Quona, GFC, Monashees, Ultra Venture Capital, Globo Ventures, Maya Capital, ONEVC, PIPO Capital e Norte Ventures também participaram do investimento, além de investidores como Justin Mateen (cofundador do Tinder) e o family office do cofundador do PayPal, Peter Thiel.
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A Kovi nasceu em 2019 quando dois ex-diretores da 99, Adhemar Milani Neto e João Costa, perceberam que pessoas que queriam trabalhar como motoristas de aplicativo no Brasil tinham dificuldade de acessar veículos. O problema era: motoristas desbancarizados que não conseguiam financiamento com bancos tradicionais não conseguiriam comprar um carro para trabalhar. Foi aí que a Kovi nasceu e Bruno Poljokan, hoje sócio e CRO da empresa, entrou no negócio como investidor-anjo.
No ano de sua fundação, a Kovi recebeu uma rodada Série A de US$ 30 milhões (R$ 150 milhões). Poljokan conta ao LABS que o formato tradicional de locação de carros era um problema para as montadoras, que normalmente vendiam carros para grandes locadoras com descontos de 25% a 30%, o que reduzia sua margem de lucro.
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A ideia da Kovi foi então oferecer o carro voltado para o motorista de aplicativo em um modelo asset light, ou seja, sem capital intensivo. O que significa que a Kovi não comprava os carros e depois revendia, mas trabalhava com as grandes locadoras e montadoras em um formato em que a startup alugava o carro dessas empresas e agregava serviços de tecnologia próprios à operação. A empresa lançou um formato de aluguel de veículo por assinatura de curto prazo, ou seja, as cobranças eram semanais, e o motorista de aplicativo poderia devolver o carro a qualquer momento.
Mas ao longo do tempo, Poljokan conta que a empresa percebeu que não fazia sentido “rotular” o serviço de locação apenas para motoristas de aplicativos. “Na verdade, você não necessariamente é um motorista de aplicativo, você está sendo um motorista de aplicativo. Alguns optam por ser motorista de aplicativo por um longo tempo, mas tem muitos que acabam virando motorista de aplicativos como 99 e Uber por uma necessidade momentânea, tanto de mudança de emprego, perda de um emprego formal ou complemento de renda”, disse.
Kovi parte 2: o aluguel de carros é para todos, mas o foco é na gig economy
Ao longo dos últimos meses a Kovi expandiu o leque para trabalhar com o público em geral e não apenas motoristas de aplicativo e passou a criar produtos de longo prazo, como o chamado Kovi Max, de aluguel de carro zero. “Com isso, naturalmente expandimos um pouco mais o leque de clientes porque há serviços agregados em cima do carro zero como troca em caso de acidente, coberturas de manutenções preventivas, seguros, ou seja, um leque de opções em cima da assinatura do veículo”.
A empresa trabalha com carros conectados por tecnologia própria. Com um chip IoT (internet das coisas), a Kovi consegue fazer a gestão da frota, prever onde está o veículo e fazer pontuações de boa direção e melhores rotas para desviar de acidentes ou abastecer, por exemplo.
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“Fomos a primeira empresa na América Latina a começar a cobrar o que a gente chama de pay-per-mile, ou seja, uma cobrança por quilometragem rodada. Normalmente no mercado tradicional o locador tem que escolher um plano de quilometragem e você normalmente não sabe quanto que você vai correr de fato. Você pode correr menos e pagar mais por isso, ou correr mais e ter que arcar com taxas mais altas pelo quilômetro adicional”, explica.
No modelo de aluguel por quilômetro rodado, a Kovi tem um preço mínimo de R$ 299 ou o máximo de R$ 489 por semana. A grande aposta da startup está na chamada “gig economy“, ou seja, os trabalhadores autônomos associados a empresas como transporte por aplicativo ou entregas de plataformas como o Mercado Livre ou o iFood, por exemplo.
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Em um ano em que a demanda por carros está alta com o retorno da mobilidade, mas a oferta de veículos está baixa, com a falta de carros novos no mercado pela escassez de semicondutores (chips de computador essenciais para a fabricação do carro), os preços da Kovi também foram afetados. “Pelo lado da nossa oferta do produto tivemos um pouco mais de dificuldade de expandir frota, até por esse cenário de não ter tanta disponibilidade de novos veículos. Isso acaba afetando o preço do serviço que a gente oferece”.
A Kovi está atenta ao movimento de “não propriedade do carro”, ou seja, a nova geração que utiliza o carro como um serviço e não como um ativo. “O carro é um ativo que naturalmente vai depreciando ao longo do tempo, então não é necessariamente um bom investimento”, afirma Poljokan. “Também vemos uma tendência enorme de mudança da mobilidade urbana. As pessoas estão acessando outros métodos de locomoção como motos elétricas, patinetes elétricos, bicicleta, acho que é uma grande mudança. Somos guiados por essas macro-tendências”.
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Aproveitando a base tecnológica de gestão de frotas que cobre mais de 10 mil clientes de carro por assinatura, a Kovi lançou uma opção de seguro para veículos em março deste ano.
“Como a gente já fazia esse monitoramento para a nossa gestão de frota, pensamos em ‘desplugar’ o serviço interno e oferecer um seguro para furto e roubo de forma segregada, muito similar ao que fazemos para a nossa frota”, explica.
No caso do produto de seguros, o foco são pessoas que já tem carro, mas segundo Poljokan, o produto é uma porta de entrada para o ecossistema da Kovi, caso eventualmente o cliente venda o carro e queira assinar um aluguel de veículo. “Hoje 70% da frota brasileira não tem seguro, muito por conta do custo elevado e pela má análise de perfil de risco. É um mercado potencialmente grande”.
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Grande e que tem sido explorado pelas fintechs como a Creditas e as insurtechs que cada vez mais tem crescido no país. Nascida como uma startup de mobilidade, a Kivo também se considera “fintech” porque oferece acesso a um ativo, que é o carro. “Historicamente no mercado a forma de se acessar carro no Brasil ou é por um financiamento ou pelas grandes locadoras que aceitam cartão de crédito. Hoje na nossa base temos muitos desbancarizados, então oferecemos outros modelos de pagamento. Conseguimos analisar o risco com toda tecnologia que a gente criou e podemos fazer isso não só com o acesso ao carro por assinatura, mas também o seguro”.
Kovi expande pela América Latina
A startup começou a operar no México no final de 2019, mas com o começo da pandemia em 2020 o negócio não avançou. Nos últimos meses, com o retorno da mobilidade, a Kovi viu um crescimento de seis vezes em relação à frota de carros que inicialmente tinha no país e já é a maior empresa de aluguel de carro para motorista de aplicativo no México.
Contando o Brasil e o México, a empresa cresceu a base de clientes em 70% no pandêmico ano de 2020. Nos três anos de operação, a Kovi atingiu uma frota de 12 mil veículos e conta com um time de 700 pessoas. Até o final de 2021, a meta é chegar a 20 mil carros nas ruas e mais de 900 pessoas no time.
“Vemos que nosso negócio tem um potencial global, não só América Latina, mas também em países em que a disparidade de renda é muito grande e uma parte da população tem pouco acesso a ativos de mobilidade em cidades muito grandes”, diz Poljokan. Significa: além da América Latina, África do Sul e Turquia também são mercados que a empresa pretende explorar futuramente.
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O Brasil é lar de grandes locadoras consolidadas como a Unidas, Movida e Localiza, mas para Poljokan o principal concorrente da Kovi são os métodos de financiamento dos grandes bancos, que é por onde grande parte da população acessa os veículos.
“Dos 45 milhões de veículos na frota brasileira, só 1% é de serviço por assinatura. Em relatórios de mercado geral, na Europa a previsão é que nos próximos anos isso atinja 20%, então aqui no Brasil na próxima década deve ser algo similar. Vamos sair de 1% da frota para 20%, o que são 10 milhões de carros. Isso não vem das locadoras grandes, vem da mudança de hábito e como as pessoas acessam o carro”.