De um lado, empresas adaptando seus negócios para sobreviverem à crise. De outro, menos injeção de capital por parte dos fundos de investimento, que estão mais reticentes – e mais criteriosos. “O consenso entre investidores é de 20% de redução pelo menos pelos próximos 12 meses. A média de aportes vai ficar de 20% a 30% abaixo do que vinham sendo feitos os deals na pré-crise”, resume Flávio Dias, sócio da 500 startups, fundo americano de venture capital, em entrevista ao LABS.
Já não é novidade que o mercado de capital de risco vem sofrendo os efeitos da crise provocada pelo novo coronavírus. Seja por novos aportes pausados, renegociação de term sheets (puxando o valor das startups para baixo), ou por critérios mais severos na escolha, os investimentos em startups nesse momento estão sendo repensados. Os fundos, segundo Flávio, estão dedicando menos tempo para buscar novos investimentos e mais tempo para apoiar as empresas dentro de seus portfolios a manterem uma operação saudável. Fora isso, também é consenso entre investidores que os efeitos mais severos no mercado de VC vai começar a ser sentido a partir do segundo trimestre.
“Only when the tide goes out that you learn who’s been swimming naked”. A célebre frase de Warren Buffet explica um pouco a lógica de como as crises têm o poder de “revelar” quem estava operando com pouco runway – termo que define quanto a empresa consegue sobreviver, assumindo que a entrada de caixa e despesas continuem constantes. “A pandemia vai ser um catalisador do processo de transformação digital. A crise escancarou como algumas empresas e governos não estavam preparados como deveriam para esse momento”, pontua Flávio. “Isso traz à tona de forma muito evidente que o nível de inovação/ digitalização tem de estar em outro patamar”.

Se antes as empresas demorariam alguns anos para inovar em questões como acelerar uma solução de e-commerce para lojas físicas ou aceitar pagamentos via smartphone, agora isso ganha outro ritmo. Para Flávio, que já exerceu cargos de direção em grandes nomes do varejo, como Walmart, Magazine Luiza e Via Varejo, a adoção de inovação no consumo agora, em meio à pandemia, vai afetar o comportamento mais tarde.
“O Walmart, nos Estados Unidos, é muito voltado para um público mais popular, e tinha resistência de camadas sociais de outros americanos de classe mais alta. Quando houveram as crises [em 2008, e as turbulências econômicas do 11 de setembro], foram períodos em que o Walmart mais ganhou market share. O americano fazia o trade down: não vou mais no Wholefoods, vou no Walmart, que é mais barato. Quando passou a crise, parte desses consumidores continuaram ali”, relembra Flávio. “Essa lógica vai acontecer com o e-commerce, com a utilização dos super apps como Rappi e iFood no pós pandemia. Com a aceleração desses canais e uma melhor experiência de compra, porque vou voltar para o que tinha antes?”, pondera.
O México vem trazendo soluções interessantes, não foi à toa que montamos nossa operação lá
Flávio dias, sócio da 500 startups
México no radar
Equanto alguns players latino-americanos estão adaptando suas operações dado o momento de isolamento social, outros estão sob o holofote justamente por ofertarem soluções que o momento carece. É o caso da Prescrypto, healthtech mexicana do portfolio de investidas da 500 startups que funciona como software para médicos e clínicas gerarem receituários eletrônicos. Gratuito, o aplicativo surgiu em 2016 a partir da ideia de Everardo Barojas e Bernardo Meza em integrar a tecnologia blockchain nas receitas médicas, a fim de criar processos para verificação dessas prescrições, evitando falsificações e promovendo a digitalização do setor de saúde no México.
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Com um projeto chamado de “RexChain”, rede de blockchain em que os médicos podem importar ou exportar dados clínicos para prescrições de maneira confidencial, a healthtech foi acelerada pelo fundo de inovação da UNICEF nos últimos meses. Através do programa, que chegou ao fim em abril, a startup registrou 2.500 médicos incritos na plataforma, 12.000 novas receitas médicas registradas por mês e 160 mil pacientes contemplados com a solução. Além disso, fechou negócio com um laboratório farmacêutico de grande porte para desenvolver uma ferramenta de prescrição médica personalizada, que será implementada em julho, segundo informações da UNICEF. A Prescrypto recebeu aporte seed da 500 startups em 2018.
“O México vem trazendo soluções interessantes, não foi à toa que montamos nossa operação lá,” conta Flávio. Com base em São Francisco, o fundo tem escritórios em mais de dez localidades pelo mundo. Na América Latina, a escolhida foi a Cidade do México.
Em uma das últimas levas de aceleração da 500 startups na América Latina, programa de orientação para empresas estágio inicial de língua espanhola com sede na região, onze startups foram aceleradas. Dessas, seis eram mexicanas – entre elas, a Come Bien. Com foco B2B, a startup oferece uma plataforma de catering para que funcionários peçam refeições saudáveis nas empresas, garantindo menu variado todos os dias, incluindo opções vegetarianas, low carb e gluten free, além de entrega de última milha.
A Come Bien tem em seu portfólio clientes como Airbnb, Uber e Amazon, mas com tantas empresas em regime de home office em tempos de isolamento social – a startup, que corria risco de não sobreviver, se adaptou rápido. “Como as empresas fecharam, e aí com faturamento quase zerando, eles criaram uma variação do produto com uma grande adaptação logística”, conta Flávio. “Uma coisa é entregar várias refeições em um mesmo escritório – outra, bem diferente, é entregar várias refeições em várias casas diferentes”. A foodtech recebeu um aporte seed da 500 startups em novembro de 2019.
Menor fluxo de investimento, sim – maior esforço por parte das startups para adaptar suas operações, também. Mas Flávio acredita que, ainda que o contexto não seja favorável, a região conta com ideias e oportunidades boas. “Territórios de educação à distância e health vão ganhar força, empresas que trabalham com produtividade online também”. comenta. “As fintechs, principalmente as que trabalham com crédito, vão ganhar impulso. Vai haver um aumento na demanda por crédito, então empresas que melhoram a eficiência desses programas financeiros, vão sair na frente”,