Por anos esperamos este momento. A construção de um Marco Legal das Startups que pudesse de fato representar os anseios do ecossistema e a tão necessária regulação que pudesse nos colocar em patamares mundiais.
Não faltaram contribuições, arguições e referências para poder embasar os pedidos do setor, porém o que vemos ao fim é um Marco Legal das Startups desidratado, que não altera de fato as “regras do jogo” para Startups no Brasil e nos mantêm muito atrasados em diversas questões fundamentais em relação ao resto do mundo.
Mesmo com alguns avanços, o que está posto não ajuda a reduzir o ritmo do aumento do fosso que nos divide de outros países que tratam a Inovação e Tecnologia de forma estratégica.
Dos quatro pontos principais pedidos pelo ecossistema, de forma uníssona, quero tratar de um em particular para podermos compreender a profundidade do atraso que vivemos e o impacto que este ponto traz para a economia e o futuro do país.
Escolhi, dentre os temas Regime Tributário do Simples para Startups sendo S/A’s, Equiparação Tributária às LCI’s e LCA’s para investimento Anjo em startups e Stock Options, este último para exemplificar o porquê da insatisfação profunda do setor com a falta deste item no Marco Legal.

Para contextualizar o impacto precisamos compreender o contexto do emprego no mundo atual. Mais da metade dos novos empregos gerados mundialmente advêm de empresas nascentes com alto potencial de crescimento, que são empresas que crescem ao menos 20% ao ano, segundo a OCDE.
A grande maioria destas empresas são startups e no Brasil temos vários exemplos de sucesso, como o iFood e o Nubank, consideradas unicórnios, ou seja, empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.
Porém, antes de serem gigantes, estas empresas eram startups, com um grupo pequeno de empreendedores que se juntaram em torno de uma ideia inovadora. E a vida de uma startup, como sabemos, não é fácil no seu início. Há escassez de tudo, recursos, apoios e especialmente de mão-de-obra.
Quem trabalha com tecnologia hoje no país sabe que contratar um bom profissional da área pode ser tão difícil quanto acertar na mega sena, e para criar inovação é preciso ter pessoas altamente qualificadas na equipe.
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A demanda atual de profissionais por ano é de mais de 70.000 profissionais, porém o Brasil só forma 46.000 por ano segundo a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), um déficit de mais de 24.000 profissionais por ano. E ainda segundo a IDC, consultoria mundial para os mercados de tecnologia, o mercado de TI, globalmente, teve déficit de 570 mil profissionais só em 2020.
Esta situação explicita um problema muito sério para as startups: como contratar mão de obra altamente qualificada em um mercado com escassez geral de profissionais e ainda disputar esta mão-de-obra com grandes corporações que tem condições de pagar altos salários e oferecer benefícios robustos?
Em seu início, sem acesso a recursos para oferecer salários competitivos com grandes corporações para a atração de talentos qualificados, as startups, mundialmente, oferecem ao profissional a possibilidade de apostar no sucesso e crescer junto com a empresa.
A ferramenta “stock options” representa exatamente isto para as startups.
Vê-se claramente a importância para a inovação da possibilidade das startups conseguirem competir pela mão-de-obra.
Ela dá a possibilidade ao profissional altamente qualificado, que tem total condição de ter um emprego em uma grande empresa e ganhar um salário maior, de apostar no sucesso de uma empresa nascente, abrindo mão dos ganhos que teria em curto prazo na grande empresa apostando no potencial sucesso do crescimento potencialmente exponencial de uma startup, trazendo para ela seu conhecimento qualificado.
Vê-se claramente a importância para a inovação da possibilidade das startups conseguirem competir pela mão-de-obra para criação de produtos e serviços disruptivos.
Entrando um pouco mais a fundo, o stock option nada mais é do que uma opção de compra de uma ação da empresa em condições pré-estabelecidas, como por exemplo, por um preço com deságio no momento da realização da opção dentre diversas outras formas, de modo que, quando a opção for exercida no futuro, a startup estará valendo potencialmente muito mais, gerando ganhos ao colaborador.
Seja qual for o formato, o stock option é uma aposta de quem recebe em um futuro sucesso da empresa e corre o risco do negócio, já que pode vir a não valer nada caso a empresa fracasse. O seu valor no momento da emissão da opção é praticamente nulo, porque na fase inicial a startup está incipiente, buscando se provar e com alto risco de falha. Só quando a pessoa que recebe a opção de fato exercê-la, em um momento futuro, supondo que tenha ocorrido sucesso e crescimento da empresa, é que esse colaborador terá de fato recebido algo de valor mercantil, no caso, ações da empresa com valor de mercado maior que o preço da opção.
Nesse sentido, o Marco Legal das Startups trazia um texto, em seu início, positivo, contribuindo para a regulação de uma ferramenta já amplamente utilizada pelo setor, porém alvo de enorme insegurança jurídica, já que sem regulação, a natureza remuneratória ou mercantial das opções fica à mercê da interpretação de um juiz.
Porém, o texto proposto pelo ecossistema foi alterado na câmara, dando às Stock Options um caráter remuneratório, ou seja, incorporando a opção como se fosse “parte do salário”, incidindo aí impostos e encargos trabalhistas sobre algo que quem recebe e quem oferece nem sabe se terá algum valor no futuro.
As mudanças, infelizmente foram enviadas ao Senado que, na falta de força política para alterar o texto enviado pela Câmara, optou por suprimir completamente o artigo sobre as stock options do texto.
No fim, e dadas as condições, foi a melhor solução já que é melhor não ter regulação e manter a regra atual do jogo de insegurança jurídica do que criar uma regulação que resolve a insegurança pendendo para a interpretação mais prejudicial e onerosa para as startups.
Precisamos retomar a proposta das stock options para as startups com o risco de impormos mais uma barreira para o surgimento de inovação no país.
Sem talento, não há inovação. Sem inovação não há novas empresas de alto crescimento. Sem empresas de alto crescimento, teremos muito menos empregos.
Não é difícil entender esta equação, o que falta é vontade política e visão de futuro.