Eduardo Carone, CEO, e Sara Caballero, Diretora de Expansão Internacional da Atlas Governance. Foto: Ricardo Matsukawa/Atlas Governance
Negócios

Governança, a bola da vez: como a pandemia e o mercado para políticas ESG impulsionaram a Atlas Governance na América Latina

A startup viu seu faturamento crescer de R$180 mil em 2018 para R$6 milhões em 2020 e está ampliando o time em países da América Latina

Read in english

Eduardo Carone foi sócio e gestor do fundo de Private Equity Neo Investimentos por 13 anos. Quando o fundo investia em empresas de capital privado, geralmente Carone era escolhido para participar do Conselho de Administração dessas empresas (participou do conselho de 24 delas). Segundo a lei brasileira, o conselheiro é considerado um administrador que responde por eventuais problemas da empresa com os seus bens de pessoa física. 

Em 2015, a Justiça bloqueou os bens dos diretores e conselheiros de uma das empresas em que Carone era conselheiro. Para este tipo de situação existe um seguro D&O (directors and officers) que paga a defesa dos diretores e conselheiros, além de uma renda mensal para quem está com as contas bloqueadas. 

Carone pediu a apólice do seguro e depois de uma semana descobriu que a empresa não havia contratado seguro algum. Procurou a ata da reunião do conselho em que a proposta comercial e o contrato do seguro tinham sido aprovados e encontrou o documento de seis meses antes pronto para a assinatura do diretor financeiro da empresa. “Mas o diretor financeiro da empresa não é o CEO. O resultado é que eu passei oito meses sem poder receber dinheiro em conta bancária ou usar cartão de crédito, tive que me virar usando conta de outras pessoas para poder pagar as contas da minha casa”, contou, em entrevista ao LABS

LEIA TAMBÉM: Experimentando café por inteligência artificial: o negócio ousado da startup colombiana/israelense Demetria

Carone começou a pensar sobre quantas decisões assinadas em ata no conselho daquela e outras empresas foram de fato executadas ou não. “Pensei que muita gente deveria ter esse mesmo problema e veio a ideia de digitalizar e dar transparência para esse processo. Ele precisava estar online em qualquer lugar e eu precisava ver se aquilo que foi decidido foi feito ou não”.  

Foi quando o empresário decidiu construir um software próprio para resolver o problema, o Atlas. A plataforma de governança começou a ser desenvolvida em 2016 com capital próprio de Carone (aproximadamente R$ 1,5 milhão) e foi lançada em janeiro de 2018. 

A opção por tomar dívida para levantar dinheiro 

No final daquele ano, a Atlas Governance captou mais R$ 1,5 milhão com 21 investidores anjos, entre eles Leonardo Pereira, que foi presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), e Paulo Camargo, presidente do McDonald’s no Brasil. Ambos são conselheiros da startup até hoje. Em 2018, a Atlas tinha 18 clientes, e em 2019 e 2020 adicionou 232, entre eles empresas listadas, cooperativas, empresas estatais e startups. 

Em dezembro de 2020, a Atlas fez uma terceira rodada com os mesmos investidores, R$ 4 milhões Seed e mais R$ 1,5 milhão em venture debt (a dívida para empresas de venture capital) pela Riza Capital.  

LEIA TAMBÉM: Qual agtech será o primeiro unicórnio da América Latina?

“Esse equity gerou uma diluição de pouco mais de 7%. Se eu captasse os R$ 5,5 milhões em equity, essa diluição seria maior, a gente teria que abrir mão de 8,5% ou 9% da empresa”, explica Carone.

A Riza Capital deu um ano de carência para que a Atlas começasse a pagar as parcelas do empréstimo. “Um ano para uma empresa que está triplicando de tamanho, na hora de pagar vira uma conta pequena. Pagamos juros desde o começo, mas não é um valor tão alto”, disse. 

Segundo Carone, só a receita mensal de janeiro da Atlas já quita a primeira parcela do venture debt que será paga em dezembro. “Acho que sempre tem uma proporção adequada, você não deve se endividar muito, mas R$ 4 milhões em equity e R$ 1,5 milhão em dívida é uma proporção boa, é seguro. Na nossa próxima rodada também pretendemos fazer um mix das duas coisas”. 

Crescimento acelerado: as empresas que querem uma governança corporativa digital

Em 2019, a Atlas faturou aproximadamente R$ 2 milhões. No ano passado, o faturamento foi de  R$ 6 milhões, R$ 4 milhões apenas das novas vendas. Para este ano, a empresa pretende atingir entre R$ 15 a R$ 16 milhões. 

Carone atribui o crescimento no número de clientes (entre 25 a 30 novos clientes por mês) ao apelo do mercado às políticas ESG (Environmental Social Governance) e à digitalização forçada pela pandemia. “Vender a plataforma para empresas na bolsa é mais simples porque essas empresas já entendem a necessidade da governança e da digitalização”, disse. 

LEIA TAMBÉM: Sócio da Redpoint eventures, Romero Rodrigues aponta ESG como maior tendência para 2021

Henrig, Casa da Moeda, Sabesp, Eletronorte e a CCR Rodovias estão entre os principais clientes da startup. Por conta dessa última, uma das principais concessionárias de rodovias do país, a Atlas iniciou seu processo de expansão pela América Latina e hoje trabalha em outros cinco países além do Brasil: Argentina, Chile, Colômbia, Peru e México

A CCR integrou seus investimentos no exterior (como o aeroporto da Costa Rica e o de Curaçao) na plataforma da Atlas. Foi quando Sara Caballero assumiu a direção da expansão internacional da startup

“As práticas de governança são muito locais e diferentes em cada país. Uma vez que tínhamos selecionado os países para expandir, começamos a procurar as primeiras pessoas do nosso time em cada país, como um gerente comercial para começar a prospectar clientes. Não é qualquer pessoa que fala espanhol que pode vender a plataforma da Atlas, porque a cultura empresarial da Argentina e do México são diferentes e estamos cada vez mais entendendo isso”, disse Caballero. 

Hoje a startup tem cerca de 100 funcionários em 37 cidades diferentes no Brasil e exterior. 

LEIA TAMBÉM: BTG Pactual quer impulsionar empresas tech e novos negócios com linha de crédito especial e programa de mentoria

Segundo Carone, as políticas ESG deixaram de ser “uma coisa bacana de se ter” e viraram uma necessidade para o mercado, já que o público consumidor demanda uma postura das empresas do ponto de vista ambiental, social e de governança, que tem a ver com a transparência das informações. 

O segundo motor para os negócios da startup foi a digitalização forçada que a pandemia proporcionou, porque muitas reuniões de conselhos e comitês, que antes eram presenciais, passaram a ser remotas. “Acabou aquela coisa de imprimir e entregar documentos para ler em papel, mandar motoboy colher a assinatura das pessoas. Esse processo precisava ser digitalizado e a gente aproveitou essa tendência de mercado”, disse. 

Para Carone, a empresa também acertou no modelo de negócio, já que o SaaS B2B oferece indicadores melhores do que o SaaS B2C, porque geralmente há uma renovação integral dos clientes, muitas vezes até com upsell (vender outros produtos para o cliente). 

LEIA TAMBÉM: Startup espanhola de RH, Factorial chega ao Brasil com R$ 410 milhões em caixa

“Ano passado fechamos com R$6 milhões e vamos renovar a mesma base de clientes para R 6,6 milhões este ano porque os clientes estão querendo mais recursos. Existe upsell dentro da base, o crescimento é estável e contínuo e as margens de lucro são muito altas”, explica. 

Se por um lado, o setor de SaaS B2B não cresce mil vezes ao ano (se comparado a setores de tecnologia que oferecem produtos para o consumidor final), empresas que ofertam serviços de software para outras empresas “perdem poucos clientes e tem a capacidade de triplicar todo ano durante muitos anos”, afirma Carone.