Uma das pioneiras da indústria de capital de risco da América Latina, a NXTP Ventures, com sede na Argentina, foi fundada em 2012 – período em que grandes empresas tecnológicas da região, como Mercado Livre, Decolar e Globant, já eram gigantes.
Logo no início da NXTP, seus sócios fundadores – Ariel Arrieta, Francisco Coronel, Gonzalo Costa, Marta Cruz e Martin Hazan – decidiram criar uma plataforma de consultoria de investimento empresarial. O primeiro fundo institucional foi lançado em 2013, e o segundo em 2018. Considerando os dois, a NXTP já investiu mais de US$ 50 milhões, principalmente em startups em estágio inicial.
A empresa mantém mistério sobre um potencial terceiro fundo, mas a verdade é que ele está agora colhendo os frutos do que semeou durante anos. Um exemplo das escolhas de investimento acertadas da NXPT: a Auth0, uma empresa SaaS (Software as a Service) da Argentina na qual a NXPT investiu em sua rodada Seed, foi adquirida no início desse ano por US$ 6,5 bilhões pela norte-americana Okta. Outro acerto: a startup Mural, o mais novo unicórnio da Argentina.
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Há uma década, a NXTP vem investindo em tecnologia em uma região que só recentemente despertou a atenção de investidores internacionais de peso, como o grupo japonês SoftBank, que desembarcou por aqui em 2019 e já investiu US$ 3,5 bilhões em 48 empresas que agora são avaliadas em US$ 6,9 bilhões. A Sequoia, do Vale do Silício, anunciou recentemente que a empresa de capital de risco agora concentraria suas apostas na América Latina, desde startups em estágio inicial até aquelas que já flertam com um IPO; o primeiro investimento da Sequoia depois do anúncio foi na Pomelo.
A chegada de firmas estrangeiras de capital de risco na América Latina acirra uma competição com empresas daqui, como a Kaszek, da Argentina, que inclusive é contemporânea da NXTP, e as brasileiras Canary, Monashees, QED Investors e Valor Capital.
O LABS entrevistou Alex Busse, sócio da NXTP, sobre a evolução da indústria de venture capital da região, o pioneirismo da NXTP e os próximos passos da empresa:
LABS: Olhando para quando a NXTP começou, o que mudou?
Alex Busse: Aprendemos muito cedo que para uma empresa fora do Brasil ter sucesso na América Latina, ela precisava estar presente em vários países, precisava estar no México, na Argentina, na Colômbia, porque os mercados eram muito pequenos. Então inicialmente ajudamos as empresas a regionalizarem suas operações. Foi assim que conhecemos os mercados do México, da Colômbia, do Uruguai.
Ainda hoje, o Brasil é o líder desse ecossistema latino-americano. Uma das grandes vantagens do Brasil é sua capacidade de criar grandes empresas com autonomia no país, já que tem mais de 200 milhões de consumidores e uma economia muito robusta. O México nesse sentido avançou, também porque tem uma base de consumidores muito grande. A Colômbia é hoje o terceiro mercado da região, combinando um ambiente operacional propício e aberto à tecnologia e à inovação. Esses são os três principais mercados que vemos avançar.
A Argentina, infelizmente, ficou muito para trás desde a época em que os primeiros unicórnios surgiram no país. A Argentina tem hoje um sistema operacional bastante difícil, não vemos a mesma atividade econômica que vemos nos outros países. Há também o Chile e, depois dele, Equador, Peru, que são países menores, onde o desafio de construir uma empresa é grande.
LABS: A NXTP começou a investir em rodadas Seed. O fundo agora visa rodadas maiores?
AB: Não. Uma tendência que temos observado é que as rodadas Seed estão se tornando maiores. Antes, as rodadas Seed costumavam ser de valores mais baixos. Também era mais comum, até dois ou três anos atrás, que as empresas fizessem várias rodadas pré-Seed e rodadas com “amigos e família”, e só depois seguiam para uma rodada Seed. Agora, o que estamos vendo é que essas duas rodadas estão sendo combinadas em uma única rodada mais volumosa.
Muitas vezes isso tem a ver com o fato de que os fundadores não são fundadores de primeira viagem, já empreenderam antes ou deixaram grandes empresa de tecnologia. São empreendedores que realmente têm experiência em iniciar e escalar negócios. Então eles seguem direto para uma rodada Seed mais alta.
Não planejamos começar a investir em negócios em estágio avançado, queremos nos concentrar nas rodadas Seed e talvez em algumas rodadas Série A, muito bem escolhidas em setores que conhecemos muito bem, como SaaS, negócios em nuvem ou logística, enfim, negócios em que sentimos que podemos agregar valor e que compreendemos bem a proposta de valor.
SaaS, logística, mercados B2B e negócios orientados por dados, esse é nosso foco principal. Também estamos olhando cada vez mais para o setor de saúde, o que nos parece muito interessante. Mas a verdade é que saúde é uma espécie de tema horizontal porque há negócios SaaS na saúde, há negócios financeiros na saúde, e há mercado B2B na saúde.
Alex Busse, sócio da NXTP Ventures
LABS: A NXTP é conhecida por seus investimentos na América Latina em países de língua espanhola, vocês também olham para o Brasil?
AB: Somos um fundo regional. Temos nossas origens na Argentina, mas nesse momento, somos totalmente regionais, não investimos muito na Argentina, infelizmente, não há muitas oportunidades.
Do nosso primeiro fundo, temos no nosso portfólio muitas empresas operando no Brasil, então na verdade sempre estivemos olhando para o Brasil. Nosso segundo fundo também expandiu muito para o país. Em partes por causa do conjunto de oportunidades que vemos no país como inegáveis. Em termos de receita, cerca de 50% do nosso portfólio hoje é do Brasil.
LABS: A NXTP considera fazer um SPAC?
AB: Não temos ambição de lançar um SPAC no momento. Durante a maior parte da nossa trajetória olhamos para empresas em estágio inicial, é nisso que somos realmente bons. Por enquanto, nossa ideia é continuar focando em investimentos de capital de risco em early-stages e normalmente os SPACs são veículos para investimento em estágios mais avançados. Não creio que seja uma área em que vamos nos concentrar no curto prazo.
LABS: Quando olhamos para as empresas do portfólio NXTP, existem histórias de sucesso como Auth0 e Mural, mas o que você pensa sobre as que estão falhando?
AB: Há fundadores nos quais investimos e cujos empreendimentos não tiveram sucesso, e se eles lançassem um novo negócio, nós investiríamos neles novamente. E há fundadores que podem ter se saído bem no primeiro empreendimento e nos quais nós não investiríamos novamente.
Minha visão é de que o empreendedorismo tem uma taxa de fracasso muito alta. Depende realmente de como você falha. A maneira como as pessoas se comportam em situações difíceis nos dá muita informação sobre quem elas são e sobre como lideram um negócio.
ALEX BUSSE, SÓCIO DA NXTP VENTURES
Algumas empresas se saem mal porque os fundadores podem não ter demonstrado a liderança que gostaríamos de ver, ou não mostraram perseverança, ou não lidaram bem com as equipes, ou se comportaram de maneiras pouco estratégicas. E algumas empresas se saem mal, mas sentimos que os fundadores fizeram tudo o que podiam por ela, sentimos que eles dirigiam operações muito boas e que demonstraram liderança, que foram cuidados e atentos à estratégia, mas às vezes as coisas simplesmente não dão certo. Esses são os fundadores nos quais gostaríamos de investir novamente.
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LABS: Como você vê o futuro do mercado de capital de risco na América Latina?
AB: A primeira fase do mercado de capital de risco na América Latina foi há dez anos; a segunda fase começou em 2018. O que aconteceu entre a primeira e a segunda? Muitos fundadores aprenderam a construir negócios, construíram histórias de sucesso e se transformaram em modelos a serem seguidos por outros fundadores e empreendedores. Então acontece que os primeiros dez funcionários dessas empresas ou estão saindo e começando um novo negócio para si mesmos ou se tornaram investidores-anjo ou são mentores para outros empresários. Há esse efeito cascata. Um negócio bem sucedido atraí os melhores talentos que se tornam modelos para outros fundadores. E esse nível de talento também atrai capital, que faz o negócio crescer e atrai ainda mais talentos. É um ciclo.
Agora temos [na América Latina] um ecossistema completo de tecnologia. Temos os investidores anjo, temos grandes empresas de capital de risco, temos reserva de talentos, temos histórias de sucesso, temos acesso e temos dinheiro fluindo para a região. Todos os ingredientes de um ecossistema de sucesso estão presentes hoje. Acho que é por isso que as pessoas estão entusiasmadas com a região. Vamos ver cada vez mais negócios interessantes surgindo aqui, cada vez mais pessoas talentosas criando valor para o ecossistema.
ALEX BUSSE, SÓCIO DA NXTP VENTURES
O que é empolgante no momento que vivemos hoje é que muito do que foi prometido por um longo tempo começou a se tornar realidade, porque às vezes investimos em um negócio e só descobrimos anos depois que foi um bom investimento, que o negócio é um sucesso. Então esse momento é muito empolgante para os fundos de capital de risco que fizeram bons investimentos lá atrás, porque os investidores também querem o dinheiro de volta. E isso começou a acontecer, eles começaram a ter o dinheiro de volta. É um ponto de inflexão em que você sente que haverá um influxo estável de talento, capital e oportunidades na região para os próximos anos. Estamos muito entusiasmados e bem posicionados como um fundo para aproveitar este momento. O trabalho ao longo dos anos começou a dar frutos.