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Negócios

O ecossistema de startups brasileiras aos olhos de investidores estrangeiros

Especialistas do Founder Institute falaram sobre as vantagens de se investir nas startups brasileiras.

“Vou te mostrar uma coisa que para mim é o meu orgulho e alegria”. Nima Kaz está falando sobre o conhecido cartão de crédito roxo que tirou do bolso, da fintech brasileira NuBank. Nima é diretor executivo do Founder Institute em Curitiba, o maior programa de lançamento de startups do mundo, e co-fundador e CEO da JUPTER, uma plataforma de ecossistema que ajuda a encontrar, financiar e lançar empresas e redes do amanhã. Ele mora no Brasil há 5 anos e ainda não possui uma conta bancária pessoal. A razão? Porque ele mora como um nômade, alugando apartamentos mobiliados por curtos períodos, impedindo-o de fornecer comprovante de residência, como uma conta de água ou eletricidade, exigências na hora de abrir uma conta bancária tradicional.

O que o NuBank conseguiu foi agir como banco digital e provedor de cartão de crédito para ele, atuando como uma instituição financeira tão boa que ele não sentiu a necessidade de usar os outros cartões de crédito internacionais que possuía. “Eu cortei tudo, porque o NuBank é a maior experiência financeira que já tive na minha vida”. Não é de se admirar que a fintech tenha sido a terceira no Brasil a alcançar o status de prestígio de uma startup unicórnio. Nima acredita que eles chegarão ao status de decacorn, ou mesmo centecorn muito em breve, porque o mercado financeiro no país anda muito carente.

A outra pessoa na conversa, que falou conosco por ‘Zoom Conference’, é Mike Suprovici. Ele é o diretor administrativo do Founder Institute no Vale do Silício (São Francisco) e supervisiona o portfólio de cerca de 3.500 startups. Juntamente com sua equipe, ele ajuda empresas a crescerem e se formarem no programa da entidade. Ele os ajuda durante a primeira ou segunda rodada de financiamento e permanece com as empresas pelo resto de suas vidas.

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Por que as Startups brasileiras atraem tantos investidores?

Startup brasileira de entrega de alimentos avaliada em 500 milhões de dólares em uma das maiores rodadas de financiamentos da América Latina. (Shutterstock)

Pela experiência que Suprovici teve ao ajudar companhias brasileiras a arrecadarem fundos, ele afirma ser por elas resolverem problemas reais – e existem muitos problemas reais a serem resolvidos. Uma grande parte da população é desbancarizada, existem problemas de transporte e logísitca, “problemas massivos que podem ser resolvidos por múltiplas startups”. Como resultado disso, ele acredita que existem diversas oportunidades de longo prazo no Brasil, uma das razões pela qual os fundos de Venture Capital estão começando a tomar o país e despertar interesse do mercado.

As startups brasileiras têm atraído muito investimento internacional e os empresários creditam parte desse interesse aos bons retornos desses investimentos. “O Brasil é lar para 200 milhões de pessoas, o que significa que pode sustentar empresas massivas e multibilionárias dentro do país, e em outras nações menores, não existem pessoas ou indústrias suficientes para ter esse tipo de impacto”, acrescenta Suprovici.

O custo de operar negócios no Brasil é baixo e existem muitas oportunidades de solucionar problemas que são únicos dentro do país quando falamos de intensidade – enquanto as soluções, elas podem ser aplicadas globalmente, oferecendo a essas startups a chance de expandir seus negócios para outras nações.

Quando se trata das diferenças entre empresas vindas do Reino Unido ou dos EUA e as que emergem do Brasil, Suprovici menciona que as primeiras são as “agradáveis” porque estão tornando as coisas práticas, criando produtos e serviços que as pessoas querem experimentar, mas não estão resolvendo problemas sérios. As empresas que surgem na América Latina, no entanto, estão resolvendo problemas reais. Na verdade, a região tem muitos problemas, mas olhando para ela de um ângulo diferente, essas são realmente oportunidades – e é aí que os empresários prosperam. A proximidade com os problemas gera empatia para o usuário da solução que será desenvolvida.

As Fintechs estão definitivamente prosperando no cenário atual e inspirando uma competição saudável. Mas startups focadas em diferentes tipos de mercados provaram ser igualmente bem sucedidas em criar soluções que mudam as vidas dos brasileiros. Eles também têm atraído várias rodadas de investimentos, atingindo o status de unicórnios, alguns até mesmo sendo capazes de expandir para os países vizinhos, devido a suas respostas inteligentes aos problemas que afetam o dia a dia das pessoas. Aqui estão alguns deles:

O 99 foi fundado em 2012 para facilitar os serviços de táxi no Brasil e se tornou o primeiro unicórnio do país, destacando os problemas urgentes de transporte que afetam uma grande parcela da população. A Yellow, uma empresa que oferece soluções de transporte compartilhado, como bicicletas compartilhadas, está caminhando para o status de unicórnio em breve. A iFood é a maior empresa de entrega de alimentos do Brasil, além de também ajudar os restaurantes a gerenciar seus pedidos, indicando as refeições que devem ser servidas primeiro, os dias de maior demanda e os produtos mais vendidos. O Gympass foi o primeiro unicórnio de 2019, sendo descrito por alguns como “o Netflix das academias”, pois permite que as pessoas comprem aulas de esportes de acordo com sua própria demanda. Ele conecta clientes com academias, estúdios e outras instalações esportivas vendendo passes ou pacotes individuais, e agora está presente em mais de 15 países em todo o mundo.

De acordo com Nima, a coisa mais importante que os empreendedores devem ter em mente para prosperar é um profundo conhecimento do problema que estão tentando resolver. Eles devem conhecer as pessoas que enfrentam os problemas, o contexto, a frequência, sua intensidade, e as implicações das dificuldades que o público enfrenta em suas vidas diárias.

Os problemas que foram resolvidos pelas empresas mencionadas estavam enraizados na cultura brasileira, mas também aplicáveis em diferentes lugares, tornando-os um enorme sucesso em outros países também. No Brasil, é possível resolver esses problemas que são locais porque a frequência e intensidade são maiores devido ao contexto do país. E quando as empresas conseguem criar soluções, elas estão essencialmente respondendo a problemas globais. Os investidores internacionais estão interessados nisso porque essas soluções podem ser aplicadas virtualmente em qualquer lugar do mundo.

Por que os brasileiros precisam de investimento?

O Softbank recentemente lançou um fundo de investimentos de 5 bilhões de dólares para startups na América Latina. (Shutterstock)

O investimento cria espaço para inovação e amplia o mercado. O Brasil tem grandes mentes, mas não tem ferramentas suficientes. O pool de talentos no país é incrivelmente alto. Nima observou que os brasileiros, na maioria das vezes, são bem-sucedidos quando trabalham nos EUA, Canadá, ou Europa, por exemplo. No entanto, o nível de execução dentro das fronteiras é realmente baixo porque não está sendo devidamente incentivado, por isso as pessoas não se sentem inspiradas. Mas quando o investimento adequado e a orientação vêm para capacitar as pessoas, muitas empresas conseguem escalar mais rapidamente a um custo baixo para os investidores, levando as empresas a um nível totalmente diferente.

Hoje em dia, o capital e complicações geográficas não são mais as maiores barreiras de entrada no Brasil. A burocracia, no entanto, é uma questão com a qual os empreendedores sempre terão de lidar, em todas as partes do mundo. Os locais que experimentam profundamente os problemas relacionados a questões de administração tentam lidar com eles por métodos tradicionais há algum tempo e, de repente, estão equipados com todos os tipos de tecnologia para resolvê-los em grande escala. A burocracia não impede mais que uma empresa tenha sucesso. De fato, torna o momento ainda mais emocionante para todas as partes envolvidas no negócio de startups, criando mais oportunidades de mercado no Brasil.

A logística é outro problema, mas todas as empresas de tecnologia que estão saindo do país estão desafiando isso. As opções para o governo são substituir as práticas de administração por um novo sistema ou tornar-se irrelevantes em alguns aspectos. Apesar da turbulência política e econômica, os empreendedores continuarão apresentando soluções paralelas. Se os legisladores não cooperarem com o ecossistema de startups, essas empresas encontrarão uma maneira de fazer as coisas acontecerem de qualquer forma. Isso está acontecendo em uma escala que nunca se viu antes. Nima chega a dizer que o relógio da burocracia está acabando.

O EBANX, por exemplo, lançou um novo recurso de rastreamento para que as pessoas que compram produtos de comerciantes chineses possam rastrear suas compras do local de partida até o local de chegada. A empresa desenvolveu o sistema porque, embora o serviço postal brasileiro já possuísse um serviço de rastreamento, faltava atendimento ao cliente e experiência do usuário em relação a esse mercado em particular – então eles encontraram uma maneira de melhorar o grau de satisfação daqueles que compram produtos da China, e um total de 89% dos consumidores brasileiros compraram produtos de ecommerces chineses pelo menos uma vez. É assim que o poder da tecnologia pode mudar a vida das pessoas de maneiras significativas.

É por isso que o Brasil é um dos principais ecossistemas de startups do mundo em termos de crescimento real, bem como o potencial das empresas que saem do país. E os níveis de crescimento são impressionantes: em todas as linhas de negócios, o Founder Institute os vê crescer dez vezes mais.

Embora impressionante, o mercado parece estar longe do pico, que é o que faz do Brasil um terreno tão fértil. As empresas continuam a criar muita riqueza e o efeito é semelhante ao observado nos primeiros dias do Vale do Silício. O surgimento de um punhado de unicórnios é uma notícia empolgante e vem mostrar que ainda há muito espaço para expansão. Com o tempo, ele vai acelerar, já que a tendência se inclina para um crescimento exponencial – e o Brasil ainda está em fase linear.

Suprovici parece muito confiante ao dizer que a taxa de crescimento continuará a aumentar com o tempo, e enfatiza que, à medida que o ecossistema se desenvolve, a inovação surgirá; o mercado será mais amplo e haverá mais e mais oportunidades para os empreendedores. Além disso, o momento exige soluções de SaaS (Software as a Service), especialmente em microsserviços e micropagamentos. Ambos os especialistas concordam que o software vai engolir tudo. No momento, estima-se que 92% das empresas brasileiras usem pelo menos uma solução de SaaS. Eles oferecem serviços focados em soluções e migram o processo de contratação de serviços para o ambiente online, diminuindo custos e deixando os clientes mais felizes. A tendência é que o potencial para os clientes aumente. “À medida que as empresas crescem cada vez mais, elas precisarão de ferramentas para operar com mais sucesso, e isso também cria uma oportunidade de avançar para outras novas startups, como as de SaaS. Veremos as empresas se tornarem mais criativas ”.

E criatividade é arriscar. Vamos pensar no Uber um instante: em 2009, o Uber era um mito. Por volta de 2011, foi uma realidade difícil. Então, de repente, tornou-se essa realidade óbvia, uma convenção social aceitável – o Uber é agora um modelo de negócio. Nima diz que muitos mitos estão prestes a se tornar realidade no Brasil. “Isso acontece toda vez que uma nova plataforma nasce.”