Um cientista político, um economista e um internacionalista em um mesmo ambiente para falarem sobre o cenário político-econômico do Brasil após a eleição de Jair Bolsonaro como presidente da República. Essa foi a proposta da primeira edição do LABS Sessions, que além da presença dos especialistas, também contou com a apresentação de um estudo exclusivo sobre o WhatsApp no Brasil pela especialista em inteligência de mercado do EBANX e integrante do time do LABS, Priscila Fenelon.
Com o objetivo debater um dos temas que mais gera controvérsias na América Latina neste momento, o evento que aconteceu na sede do EBANX em Curitiba nesta segunda-feira (26/11) trouxe à mesa argumentos a partir de diferentes pontos de vista.
É claro que nós não poderíamos deixá-los por fora de tudo o que aconteceu lá, então aqui você encontra todos os destaques do primeiro LABS Sessions.
Whatsapp: o queridinho dos brasileiros
O último período eleitoral no Brasil ganhou uma nova peça-chave na corrida presidencial: o WhatsApp. Há muito tempo a rede social já era parte importante no dia a dia dos brasileiros para conversas cotidianas e troca de arquivos, mas foi a movimentação massiva dos eleitores de Bolsonaro no “whats” que deu ao assunto repercussão nacional.
O aplicativo de mensagens popularizou-se rapidamente no país desde seu início em 2009 e não é para menos que o Brasil tornou-se um território fértil, o país é o quarto mais conectado do mundo e já atingiu a marca de 220 milhões de smartphones em operação, o que é equivalente a 1 aparelho por habitante.
O objetivo do estudo realizado pelo LABS e apresentado durante o LABS Sessions é demonstrar com dados a importância que essa rede social já conquistou no país, indo além de uma ferramenta de comunicação e tornando-se uma grande oportunidade de negócios.
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A vontade de mudança e a eleição de Bolsonaro
O cientista político Emerson Cervi iniciou o debate abordando a vontade de uma grande mudança política que foi um dos maiores motivos que levou à eleição de Jair Bolsonaro do PSL.
Cervi faz uma retrospectiva da trajetória política do Brasil e relembra as eleições de 1989, as primeiras diretas após o fim da ditadura militar. A vontade de mudança também foi determinante naquele momento em que os grandes partidos em disputa presidencial eram o PMDB, com Ulysses Guimarães, um dos princ e o PDS com um representante da continuidade do governo militar.
No entanto, o descrédito dos brasileiros nos grandes partidos era tão grande que foram justamente os menores partidos que conquistaram as votações mais expressivas levando à eleição de Fernando Collor do PRN. Esta eleição contou também com a primeira grande aparição significativa de Lula no cenário político nacional, o PT conquistou 15% dos votos, o que, considerando as proporções do partido na época, foi uma votação expressiva.
Explicando este cenário, o cientista conclui que “já passamos por isso”. E ao longo de seu discurso no evento, complementa o argumento afirmando que “até abril, eu falava que não tinha viabilidade do Bolsonaro ganhar. Quando prenderam o Lula, polarizou. Depois disso, passei a achar que a candidatura era viável, mas não achava possível que tivesse 50% de votos. Foi até meados de setembro com 20% de intenções de voto. Mas o que levou o eleitorado a votar nele, o que explica, foi a falta de opção, falta de alternativa. O eleitor brasileiro queria um cara de fora.”
Depois do impacto da operação Lava Jato, o sistema político como um todo passou a ser questionado pela população e isso gerou uma crise. Segundo Emerson Cervi, Bolsonaro soube aproveitar esse momento ao seu favor e é isso que explica o cenário político atual. Retomando o tema da importância do WhatsApp como ferramenta política e a influência que a ferramenta teve para as estratégias de Bolsonaro, o cientista político afirmou que precisamos tomar cuidado com o determinismo tecnológico, pois a tecnologia não molda o comportamento humano, é o contrário, mas a equipe de Bolsonaro conseguiu utilizar a ferramenta muito bem segundo Cervi.
Para Emerson Cervi, Bolsonaro adotou um posicionamento que revela um ar de competição com os meios de comunicação tradicionais, ele se posiciona como um “digital influencer” para seus seguidores em redes sociais, descreditando notícias de grandes veículos e indicando até mesmo caminhos de leituras para seus eleitores que condizem com sua conduta ideológica. Isso ainda deve gerar um grande impacto na comunicação brasileira.
De modo geral, para Cervi analisa o cenário atual sem enormes surpresas e sem gerar grandes alardes em relação ao futuro governo, afirmando que “não é normal [ essa reviravolta política ], mas não é espetacular. Já aconteceu, faz parte. Desde meados do século 20, já tem esse tipo de eleição registrada. […] O mundo não acaba. Daqui 4 anos teremos outra eleição”.
Como o cenário político brasileiro está sendo visto no exterior?
Segundo o internacionalista Rafael Gallo, uma palavra define como a eleição de Bolsonaro está sendo encarada: incerteza. Para o especialista, “é uma questão bem desafiadora e complicada”, isso porque a retórica do presidente eleito não é estável o suficiente para desvendar qual será efetivamente a linha do seu governo.
Gallo cita a mudança da embaixada de Israel como um exemplo. A bancada do agronegócio é um dos grandes pilares para o governo e o setor é a “menina dos olhos no Brasil” segundo Gallo, que complementa afirmando que “15% das exportações do agronegócio brasileiro vão para o Oriente Médio”, portanto criar indisposições com a região poderia não ser um bom negócio. “Eu realmente torço para que seja um ato retórico”, conclui o internacionalista sobre a situação com a embaixada.
Esperar o início do governo de Jair Bolsonaro é a melhor alternativa para realmente entender quais serão os caminhos adotados no novo governo em relação ao cenário internacional, mas o comportamento de Bolsonaro até aqui indica que muitas de suas declarações são apenas posicionamentos retóricos e não se refletem na prática, segundo a explicação de Gallo.
USA vs. China: Qual o posicionamento do Brasil no conflito de gigantes?
O economista Eduardo Mattos indica que por mais que, do ponto de vista econômico, “hoje a gente [o Brasil] tem uma posição perigosa em termos de exposição internacional” também contamos com um trunfo que nos ajuda manter o país mais protegido: temos uma economia relativamente fechada.
Segundo Mattos, o grande problema hoje é que “a China hoje tem um dos maiores PIB’s do mundo, e as nossas alianças vão estar muito vinculadas ao governo americano”. No entanto, pelo nosso modelo econômico, ainda que os riscos existam, temos como nos proteger em alguns aspectos e o Brasil não está totalmente vulnerável.
Se quiser saber ainda mais sobre o posicionamento do Brasil em meio ao conflito internacional, confira este artigo completo sobre o tema.
A inflação, o câmbio e Bolsonaro
Segundo o economista, estima-se que o Brasil continuará em situação de déficit, ou seja, com gastos maiores do que o valor da arrecadação, mesmo assim o economista indica um cenário positivo neste aspecto afirmando que “a inflação do Brasil hoje está bem, Bolsonaro indicou que pretende manter o Banco Central do Brasil autônomo”.
Já sobre o câmbio, o economista sinaliza que existem inúmeros fatores que influenciam na variação, entre eles produtividade é um aspecto importante. “Se você não é tão produtivo, seu produto vai chegar mais caro no final. Câmbio é uma forma de nivelar diferentes produtividades”, afirma Mattos.
O economista revela ainda outro aspecto importante que está sendo determinante na variação cambial atual do Brasil: política, e segundo os indicadores atuais “a parte especulativa está feliz com a entrada do Bolsonaro”.
Portanto, em relação a produtividade, estamos em desvantagem em relação aos Estados Unidos, mas por outro lado a eleição de Bolsonaro revelou outros aspectos positivos aos olhos do mercado. “Hoje o coração está na frente da razão”, conclui Eduardo Mattos.
“Venezualização” do Brasil. É possível?
“Acho que não correm risco sobre isso”, responde Emerson Cervi em relação aos aspectos políticos explicando que “o que aconteceu lá, a origem de toda a crise, foi a incapacidade da oposição política de se postar contra [de uma forma adequada]. Eles foram para o confronto no jurídico, na comunicação, em todas as frentes. Essa oposição não ganhou um verniz político, ela era muito bélica”, ao contrário do que acontece no Brasil, onde a “a oposição brasileira é até mais fragmentada que o próprio governo”, segundo o especialista.
Com o que concorda o internacionalista Rafael Gallo que também é categórico ao afirmar que “não há nenhum risco de o Brasil virar Venezuela. Temos contextos diferentes, questões muito próprias”.
Conclusão
Seja em aspectos políticos, econômicos ou em relações internacionais, não há nada totalmente definido em relação aos caminhos que o governo Bolsonaro irá definitivamente tomar. O que é certo é que o modelo econômico brasileiro permite que tenhamos certa estabilidade em momentos de crise e que por mais que tenha sido uma mudança política radical, o Brasil já enfrentou cenários similares anteriormente e não há motivo para que a eleição de Jair Bolsonaro seja encarada de forma totalmente alarmante para o país.
O Brasil está passando por um período de mudanças, mas tem potencial para encará-lo da melhor forma possível.